terça-feira, julho 27, 2004

Depois de algumas semanas, fiquei agora um pouco mais longe, talvez, do “selvagem coração da vida”. As palavras, no entanto, permanecem, como aquelas brasas jogadas a tantos e que alguns buscam, desajeitadamente, livrar-se, enxergando na ousadia dos nomes e das idéias um quê de ofensa, petulância... Ficam também as sensações, e uma certa percepção, talvez, da estranheza e fascínio da vida. Restam, ainda, as dúvidas, os questionamentos, o deslumbramento pelo mundo que se abre...

Pensei em colocar aqui algum trecho que evidenciasse a genialidade de certas idéias, palavras trabalhadas como objeto de arte... Mas perdi-me, e se pudesse transcreveria aqui todo o livro. Deixo, portanto, apenas alguns fragmentos, momentos de existência cristalizada em palavras...

“Coisas que existem, outras que apenas estão...”

“A beleza das palavras - natureza abstrata de Deus. É como ouvir Bach.”

“A água cega e surda mas alegremente não-muda...”

“... você já pensou que um ponto, um único ponto sem dimensões, é o máximo de solidão? Um ponto não pode contar nem consigo mesmo, foi não-foi está fora de si.”

“Joana diria: eu me sinto tão dentro do mundo que me parece não estar pensando, mas usando de uma nova modalidade de respirar.”

“Eternidade não era a quantidade infinitamente grande que se desgastava, mas eternidade era a sucessão”

“Às vezes mesmo, por puro prazer, inventava reflexões: se uma pedra cai, essa pedra existe, houve uma força que fez com que ela caísse, um lugar de onde ela caiu, um lugar onde ela caiu, um lugar por onde ela caiu – acho que nada escapou à natureza do fato, a não ser o próprio mistério do fato.”

“É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo.”

“A personalidade que ignora a si mesma realiza-se mais completamente.”

“A noite densa e escura foi cortada ao meio, separada em dois blocos negros de sono. Onde estava? Entre os dois pedaços, vendo-os – o que já dormira e o que ainda iria dormir -, isolada no sem-tempo e no sem-espaço, num intervalo vazio. Esse trecho seria descontado de seus anos de vida.”

Para ler: Perto do coração selvagem, Clarice Lispector

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