terça-feira, setembro 30, 2008

virtualidades

Cravei no lugar mais visível da mão a inicial, para não esquecer, antes do sono. O distanciamento é alternativa consciente e racional para conter os excessos. Mas no movimento duplo do destravar e travar de botões [mentais] da madrugada mediada, a pergunta que esclarece é a mesma que atiça, e o desvio consciente é o mesmo que libera as combinações imaginativas.

Desejo prático: distender o tempo para multiplicar as possibilidades que exigem espera. O impossível acorda as fabulações que a razão do dia extenuou.

Eu nomearia tais pensamentos, mas... Esse devir não tem nome.

sexta-feira, setembro 26, 2008

duas visões de um pré-apocalipse

E eu ia falar sobre o Blindness, do Fernando Meirelles, mas fui adiando e adiando até que, nesse meio tempo, aconteceram outras coisas que tornaram a disposição de escrever muito mais complexa. Dentre elas, outro Michael Haneke.

Tem sido comum a comparação Meirelles-Iñarritu que, por sinal, intensificou-se muito – e justificadamente – após este Ensaio sobre a cegueira que, de fato, tem muitos pontos de convergência com Babel, não tanto em termos narrativos, mas políticos mesmo, no que se refere ao tratamento de temas e às formas de olhar, atravessados por um tom e um grau de sutileza (ou falta dela) semelhantes. A grande questão é que eu não consigo reclamar muito dos filmes destes dois sujeitos aí: depois da sessão de Babel em um Tacaruna meio mofado, por exemplo, não conseguia apontar muitos problemas capazes de justificar minhas reservas frente à empolgação dos que me acompanhavam na sessão e adoraram. Isto porque não são filmes facilmente dissecáveis, no sentido de que não possuem grandes problemas, sejam estes em termos narrativos, técnicos ou estéticos. Por isso mesmo gostei da crítica de Eduardo Valente sobre Ensaio: o primeiro ponto que ele ressalta é a competência de seu realizador e a alta qualidade técnica do filme, o que, por sinal, é o mínimo que se espera de um projeto com tantos recursos e a possibilidade de contar com grandes profissionais. O ponto, então, é que as discordâncias em relação ao cinema realizado por estes dois acaba sendo lançada a um nível mais conceitual, com as divergências remetendo a aspectos relacionados ao que esperamos de um filme, que tipo de cinema nos entusiasma e nos contempla como experiência, ou que tipo de obra parece mais honesta e rica em suas multiplicidades de leitura e apreensão de significados.

Que a minha observação sobre a ausência de grandes problemas narrativos e estéticos, no entanto, não seja mal entendida. Ensaio tem sim problemas claros: pode-se apontar a redundância que o permeia, com a narrrativa em off sendo mesmo a maior e a mais irritante delas. Igualmente desnecessário é também aquele aspecto lavado da imagem, que parece buscar, em termos estéticos, o efeito semelhante à tomada de uma junta de médicos (escandinavos) andando no corredor branco de um hospital asséptico amplamente iluminado por fluorescentes. Cabe perguntar, claro, se todo esse climinha de "superabundância luminosa" seria de fato imprescindível.



E digo que não, não é. Primeiro, pelo motivo mais óbvio: o filme tem poucas imagens subjetivas, de modo que, se isto não é motivo pra rechaçar uma experimentação estética, por outro lado deixa claro que não era incontornável o imperativo de traduzir a cegueira em cada plano. Lembro de Sandra Kogut após a exibição de Mutum no Encontro da Socine, ocorrido ano passado no Rio, argumentando por que optou por não "representar" a deficiência visual de um personagem - nem o posterior aguçamento deste sentido enfim "recuperado" -, evitando a câmera subjetiva em um momento onde qualquer abordagem mais óbvia a perceberia como "natural". Segundo a diretora, no entanto, nada do que fosse mostrado daria conta, nenhuma solução seria suficiente. E mesmo que fosse, não mostrar significava muito mais.

Com isso, poderíamos arriscar uma linha básica de raciocínio: um diretor não precisa cegar-se para filmar a cegueira, nem é preciso que se imponha uma cegueira (simulada) aos espectadores para que estes a percebam. Parece uma observação banal mas, dados os resultados apresentados por Meirelles e a satisfação com que sua proposta narrativa tem sido aceita por parcela considerável do público, tal afirmação não carece de relevância nem parece tão óbvia.

É esse então um dos pontos que diferenciam filmes delicados como Mutum de um cinema da obviedade, da redundância. Para resumir, diria que tanto Babel quanto Ensaio foram filmes razoáveis que se volatilizaram poucos minutos após o fim da sessão - e isso é talvez uma das piores coisas que se possa dizer de um filme. Sem lacunas, sem sutilezas, o filme não nos ganha, nós não o tomamos para nós, dele não fazemos parte. Pode não ser um problema para quem não se importa muito em reduzir a experiência cinematográfica a duas horas de exposição a múltiplas imagens em uma sala escura. Para mim, isso não é nem de longe suficiente.

E ainda, como disse no início, nestes últimos dias houve também Haneke. Claro que traçar uma comparação entre os dois seria, além de um despropósito, um glope muito baixo. As incríveis semelhanças entre o filme de Meirelles e Le temps du loup, no entanto, só não são maiores porque os caminhos seguidos por ambos não poderiam estar mais distantes em termos de cinema. Haneke mais uma vez me deixou com uma sensação de Terror (ao ver Caché no cinema fiquei o tempo todo oscilando: ora grudado na cadeira, ora naquela posição meio ridícula de quem está prestes a dar um salto - em direção à tela, à cadeira do coleguinha da frente ou rumo à saída de emergência, sabe lá deus). E tudo isso de uma forma aberta, inconclusa e ao mesmo tempo contundente e agressiva, de um modo que seria cansativo e desinteressante descrever. Basta então lamentar não tê-lo visto na escuridão de uma grande sala de cinema (quem vir a cena noturna de fogo e trevas em um celeiro entenderá o que estou falando). De qualquer modo, a proximidade entre os dois filmes no que se refere ao tema e ao desdobramento dos fatos é assombrosa, embora o de Haneke seja incomparável, maravilhoso. Como diria uma pessoa que, em outros tempos, era leitora deste blog, "é de estourar a catapora".

terça-feira, setembro 23, 2008

ciudad y mirada

"El escenario de la calle exacerba los desplazamientos del ojo solicitados por una proliferación de estímulos visuales - carteles, vitrinas, rostros, señalizaciones, etc. - que sumergen ininterrumpidamente la mirada en múltiples y fragmentarios planos de representación óptica. El tráfico visual de los cuerpos que se cruzan en la calle gestiona distancias y proximidades según el ritmo azaroso de encuentros que se realizan todos bajo la primacía de la mirada en cuanto red de exterioridades. Esta red óptica se multiplica hasta recorrer y atravesar toda la superficie urbana, obligando a cada rostro a participar de la reciprocidad visual del ver y del ser visto que pulsiona el ojo llevándolo a descifrar las subjetividades urbanas según una erótica de lo pasajero, lo casual y lo fortuito".

Nelly Richard, Resíduos y metáforas

domingo, setembro 21, 2008

pássaros

Minha imagem emblemática do momento: Tippi Hedren, no parque da escola de Bodega Bay, fumando um cigarrinho e esperando o pandemônio.

(Ver a cena aqui, já que infelizmente eu não posso postá-la porque a única pessoa que a disponibilizou no youtube desabilitou essa opção. ¬¬)

sexta-feira, setembro 12, 2008

ser mestrando é...

... sexta-feira à noite, em casa, jantar vendo tuiuiú.

terça-feira, setembro 09, 2008

esse melancólico in-between

Eu garimpo algumas novas músicas, leio umas páginas, vou à biblioteca (da católica), como um biscoito assim meio escondido, no canto, vejo os rostos no ônibus, tento controlar (sem sucesso!) o meu horário, passo as madrugadas em claro, acordo tarde, acordo cedo, não durmo, durmo demais, pesquiso novas atividades, prometo não me matricular, prometo não pisar na federal (mas nem sempre cumpro), prometo não gastar mais nada, tenho preguiça da internet, passo horas na internet, durmo em silêncio mas passo a noite ouvindo uma música, a mesma que quando acordo ainda está comigo, conto palavras, monto e remonto parágrafos, tomo mais um chá preto pra despertar, reclamo da insônia, perco mais um quilo, escuto aquela banda que me recomendaram, acho boa, volto pros Smiths, acumulo filmes, planejo (não) ir ao cinema, flerto com crenças obscuras, sugiro encontros, marco, desmarco, transfiro horários, digo que vou começar a yoga, bebo pra caralho e chego mais uma vez em casa de manhã, ensaio novos planos, não me encaixo em nada, pergunto se só eu estou sozinho nesse eterno interstício, evito ver pessoas (cruzando corredores e pátios com cara de psicótico), espero encontrar aquelas tais tantas outras pessoas, faço milhares de ligações, desligo o telefone, não consigo acessar mais que meia dúzia de páginas em toda a wide web (sempre as mesmas, só lembro delas), descubro que estou velho pra isso e praquilo, ainda sou novo demais praquilo outro, sinto que estou irremediavelmente fora da roda dos sem cena que estão na cena, dou graças a deus, reclamo que estou deslocado, sinto a atmosfera meio old-fashioned dos jovens sem perspectiva (eu já não tão jovem e ainda supostamente cheio de perspectativas), leio mais um capítulo do inacabável Cortázar, saio à rua, olho os rostos no ônibus, olho os rostos na rua e lembro que como diria ele: “no fundo não há otherness, apenas a agradável togetherness”, mas não nos falamos pelos caminhos, embora às vezes sinta que também sou observado, aí penso em encontros mudos com conhecidos, desconhecidos (e a verdade é que quase nunca nos comunicamos de fato), volto para casa e de noite é aquela mesma musica (“That silent sense of content/ That everyone gets/ Just disappears soon as the sun sets…”), e muitas outras, mas ainda pensando que ao menos quem sabe em alguns lugares não haveria pessoas sentindo também esse melancólico in-between...

quinta-feira, setembro 04, 2008

but it did happen!

Andei pesquisando um pouquinho pra que da próxima vez em que eu resolva tocar no assunto, eu consiga ser um pouco mais consistente. (Assim quem sabe eu não fico com cara de bobo, como se nem eu mesmo acreditasse no que eu estou me ouvindo dizer):

Em 2005 houve um dos casos mais recentes de sapos caindo do céu. Aconteceu em Belgrado, na Sérvia, como qualquer busca rápida no google pode mostrar. E sim, são milhares deles, e não uma meia dúzia saída de um pântano qualquer. E o mais curioso desse estranho evento, no caso específico de Belgrado, é que boa parte deles chegou ainda viva ao solo - embora levemente desorientados após o impacto, suponho. A notícia pode ser conferida aqui e aqui. Já nesse site aqui há uma pequena explicação que, reconheço, tira boa parte da graça do "fenômeno".

E toda essa conversa pra, no fim das contas, dizer que isso não tem a menor importância. Afinal, a veracidade ou o realismo são o que menos importa, no cinema ou nas simbologias da vida. O que importa mesmo é que, de fato, parece bem provável que coisas estranhas aconteçam o tempo todo.

(Será?)

segunda-feira, setembro 01, 2008

desarmonia, silêncio e mucilon

A gente pensa que está ficando mais calmo, suave, “homogêneo”, e de repente começa a adolescer de novo, fica brusco, cortante, irregular, cada palavra ou gesto um conflito. Em suma, uma total desarmonia.

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A propósito, eu tenho achado complicado não apenas me entender com os outros, mas também tem sido cada vez mais difícil gerenciar pessoas, corresponder às expectativas, dar atenção, cultivar proximidades. Isso se estende também à idéia de juntar indivíduos de diferentes contextos na esperança de vê-los interagir. Os seres humanos devem ser cronicamente incompatíveis – ou/porque muito intolerantes.

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Às vezes eu tenho vontade de viver uma cena como aquela de Bande à part em que o trio de protagonistas faz um minuto de silêncio. Sim, essa benção que seria um demorado, incômodo e suspenso minuto do mais absoluto silêncio - não apenas um tempo sem palavras e vozes, mas a completa ausência de som e ruídos de qualquer espécie. Só que aí eu lembro que provavelmente eu estragaria tudo soltando uma pérola macabéica como aquela “eu gosto tanto de prego e de parafuuuuso!”. É isso ser periférico e subdesenvolvido: uma fala nordestina, pobre, feia e sem instrução invadindo a minha ceninha nouvelle vague.

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E por falar em comentários macabéicos (que eu adoro), alguém já notou que aquele fumo Capitain black tem cheiro de mucilon?