terça-feira, janeiro 24, 2006

pausa

Essa birosca tá fechada pra balanço.
Vou passar um tempo sem escrever aqui, porque é como diz a estória: quando não se tem nada de bom a dizer, o melhor mesmo é calar.
Ou como bem falou o crítico ao Guido, em Oito e meio, e que, a propósito, já mencionei aqui: “é melhor destruir, quando não se cria o essencial”.
Então vou ficar um pouco quieto, enquanto alimento o sonho de destruições maiores, ou até que peça penico e volte correndo pra essa válvula de escape e sedativo - o que acontecer primeiro.
Para a meia dúzia que passa por aqui: vejam o blog do Samarone, o www.estuariope.blogspot.com, que ele sim é cheio de coisa boa pra dizer (e eu rasgo a seda mesmo, porque sou fã).
No mais, deixo uma musiquinha pra animar os nossos intervalos anticomerciais aqui no valorarcaico.blogspot.com (anticomercial sim, porque o dono desse blog tá numa crise braba e sem precendentes mas ainda se pretende de luta :p).


"Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
inventa contra a mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade, decepado
Entre os dentes segura a primavera"

sábado, janeiro 21, 2006

a decadência americana e o vazio pós-moderno na visão perversa de Solondz

Assistir a Histórias Proibidas, de Todd Solondz, parecia um entretenimento de alto risco. Primeiro porque eu adoro muitas das bonitas músicas do Belle and Sebastian que estão em sua trilha sonora, e não era pequeno o risco de que as contaminasse irremediavelmente, em minha memória, com o clima deprimente que o filme prometia. Segundo porque há tempos, já, eu fico na corda bamba com esse time de diretores americanos que se especializaram em retratar com visão amarga e niilista a decadência social, familiar e afetiva que permeia a sociedade estadunidense, visão esta que está sempre no limite entre a crítica dura e o pessimismo decadente. De minha parte, adoro as porradas que Todd Solondz, Wes Anderson e Alexander Payne metem na mediocridade americana, mas o fato é que, como americanos e, mais que isso, como vítimas também dessa “crise pós-moderna”, eles tampouco demonstram ter algo de positivo a defender, e resumem-se a radicalizar, não sem certas doses de cinismo e perversidade, todo elemento humano e social dos nossos dias, incluindo-se aí questões sexuais, étnicas e midiáticas.
O filme em questão, com o título original e bem mais interessante de Storytelling, avança em pelo menos um ponto em relação a outros que seguem a mesma linha. Propõe uma outra e interessantíssima discussão que vem a somar-se e completar, oportunamente, esta simples ridicularização do “american way of life”: nele, aborda-se o ato de contar histórias, representar, interpretar e reconstruir a realidade via processos de comunicação, sejam eles literários, cinematográficos, documentais. Dividido em duas partes, Fiction e Nonfiction, o roteiro expõe a influência de quem se propõe a contar uma história sobre as idéias que comunica. A informação estaria condenada à parcialidade de quem a transmite e, assim, a veracidade do que é dito, bem como do discurso veiculado por esta mensagem, está comprometida ou, ao menos, relativizada pelos valores, preconceitos e experiências pessoais de quem a reproduz. Assim, um fato verídico pode parecer absurdo, mesmo quando expresso sob a forma de ficção, e um outro relato, mesmo quando se pretende documental, por sua vez, perde o caráter “real” quando mediado pelo ponto de vista daquele que relata.
É engraçado, então, como no filme de Todd Solondz a ficção e a não-ficção se misturam, se contradizem e se negam, na prática. A ficção, argumenta-se, pode ser simples veículo para mascarar fatos reais de modo a possibilitar a exposição e o debate de uma experiência (e, porque não, para ajudar o autor a remoê-la), assim como o que se propõe a ser documental pode resultar em uma visão deturpada, parcial e, consequentemente, em uma representação não fidedigna da realidade (e neste ponto acaba sobrando para a atuação do próprio cinema e da mídia, que manipulam realidades ao seu gosto e de acordo com suas pretensões).
Essa crítica social e essa pretensa “reflexão” vêm à base de uma narrativa destruidora e, para o quesito polêmica, Solondz escala um time de peso: um deficiente físico, um professor de literatura negro, uma empregada de nacionalidade salvadorenha, um típico adolescente cabeça oca - daqueles bem estereotipados -, um casal que parece viver à base de algumas caixas de lexotan diárias e ainda uma “adorável” criança prodígio, daquelas bem sebosinhas e irritantes mas que são consideradas pelo status quo como um sonho para qualquer família, meiguinha e inteligente.
No filme há também o que se pode interpretar na melhor das hipóteses como uma alusão à tão alarmada e evocada “crise ideológica atual” ou que (o que é bem mais provável) pode ser na verdade uma tentativa de ridicularizar qualquer crença e auto-afirmação da juventude: na camisa usada pelo jovem “protagonista” do filme (e do documentário que dentro dele está sendo realizado) estão estampados uma foice e um martelo. Ora vejam se o tão crítico Solondz também não acha bonito e inteligente ridicularizar pensamentos contra-hegemônicos! A impressão que fica, na verdade, é que pra ele nada serve e a vida é mesmo uma merda (acusação da qual, aliás, ele busca logo se defender, apressando-se em colocá-la na boca de um dos ridículos personagens que, enfurecido, grita para a câmera: “A vida é dura pra você? Azar!”).
Solondz mostra que o documentário realizado ao longo do filme só serve para dar o golpe de misericórdia na deprimente vida do garoto Scooby, e que a função almejada pelo diretor fictício interpretado por Paul Giamatti no mesmo documentário é, na verdade, ridicularizar e provocar o riso com a miséria alheia. Mas eu pergunto: não estaria ele, Todd Solondz, o diretor da vida real, de carne e osso, fazendo a mesma coisa com os seus personagens? Porque eu ri o tempo todo com as suas perversidades.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

besteira à vista

Cá com meus botões, pensando (alguém mais sente isso?) que gostaria de tomar um banho de água sanitária, lavar tudo, por dentro e por fora, pra tirar as impurezas, as mazelas, o ranço - todas essas coisas ruins que fazem a gente se sentir sujo - quando tive vontade de ver no dicionário: o que, afinal, significa creolina?
Dúvida relevante demais, essa, a propósito. Eu sei que nem é a primeira vez que recorro a definições de dicionário, aqui no blog, mas na verdade eu às vezes gosto disso: pegar palavras que aprendi de ouvido, de tanto os outros falarem, e ver o que elas significam para além da banalização do uso diário.
Creolina. sf. Denominação comercial de um líquido anti-séptico à base de creosoto. (Danou-se, que agora deu preguiça de ver o que significa creosoto).
Eu tantas vezes lembro da cena de um filme em que uma mulher, lendo um livro deitada na cama, vai aos poucos sendo tomada por águas que, do nada, invadem o quarto e vão deixando-a submersa, envolta, alheia. Essa cena creio que significa a reminiscência de uma morte – a de Virgínia Wolf – mas eu às vezes lembro disso de forma menos mórbida, quero dizer, apenas como uma sensação boa de submergir, como se a água limpasse tudo – necessidade recorrente, essa, de uma limpeza profunda, subjetiva.
Mas o banho de água sanitária (que, aliás, lá em Juazeiro se chama kiboa, que é a marca de uma delas - algo como chamar de bombril a palha de aço) hoje é por motivos mais físicos, mesmo. Será uma súbita intolerância a essa vida junkie de álcool, fumo, sedentarismo, fast food, gorduras, enlatados, etc etc etc? Sei não – não me imagino adepto da macrobiótica ou dessas outras coisas de nome difícil que não dá nem vontade de pesquisar significado.
Aliás, por falar em dicionário: um dia, no Estuário, o Samarone falou de uma menina que disse que não tinha a palavra “feio” no dicionário dela.
Fui olhar: no meu tem. :Taca kiboa nele.

domingo, janeiro 08, 2006

canclini

“Há duas maneiras de interpretar o descontentamento contemporâneo provocado pela globalização. Alguns autores pós-modernos se concentram nos setores em que o problema não é tanto a falta, mas o fato de o que possuem tornar-se a cada instante obsoleto ou fugaz. Analisaremos esta cultura do efêmero quando nos ocuparmos da diferença de atitude entre espectadores que selecionavam os filmes pelo nome dos diretores e dos atores, pela sua situação na história do cinema, e videófilos interessados unicamente em estréias. Muito do que é feito atualmente nas artes é produzido e circula de acordo com as regras das inovações e da obsolescência periódica, não por causa do impulso experimentador, como no tempo das vanguardas, mas sim porque as manifestações culturais foram submetidas aos valores que ‘dinamizam’ o mercado e a moda: consumo incessantemente renovado, surpresa e divertimento. Por razões semelhantes a cultura política tornou-se errática: desde que se tornaram raros os relatos emancipadores que viam as ações presentes como parte de uma história e procura de um futuro renovador, as decisões políticas e econômicas são tomadas em função das seduções imediatistas do consumo, o livre comércio sem memória de seus erros, a importação afobada dos últimos modelos que nos faz cair, uma e outra vez, como se cada uma fosse a primeira, no endividamento e na crise da balança de pagamentos.
Uma visão integral, porém, deve dirigir o olhar em direção aos grupos em que se multiplicam as carências. A maneira neoliberal de fazer a globalização consiste em reduzir emprego para reduzir custos, competindo entre empresas transnacionais, cuja direção se faz desde um ponto desconhecido, de modo que os interesses sindicais e nacionais quase não podem ser exercidos. A conseqüência de tudo isto é que mais de 40% da população latino-americana se encontre privada de trabalho estável e de condições mínimas de segurança, que sobreviva nas aventuras também globalizadas do comércio informal, da eletrônica japonesa vendida junto a roupas do Sudeste Asiático, junto a ervas esotéricas e artesanato local, em volta dos sinais de trânsito: nesses vastos ‘subúrbios’ que são os centros históricos das grandes cidades, há poucas razões para se ficar contente enquanto o que chega de toda parte se oferece e se espalha para que alguns possuam e imediatamente esqueçam.”
Trecho do livro “Consumidores e cidadãos – conflitos multiculturais da globalização”, de Nestor García Canclini