terça-feira, janeiro 27, 2009

run fay run

O ano mal começou, mas eu já tô vendo que vou precisar de uma determinação, assim, kill bill pra sair dele inteiro.

sábado, janeiro 24, 2009

errâncias

"Caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à procura de um próprio. A errância, multiplicada e reunida pela cidade, faz dela uma imensa experiência social da privação de lugar - uma experiência, é verdade, esfarelada em deportações inumeráveis e ínfimas (deslocamentos e caminhadas), compensada pelas relações e os cruzamentos desses êxodos que se entrelaçam, criando um tecido urbano, e posta sob o signo do que deveria ser, enfim, o lugar, mas é apenas um nome, a Cidade. A identidade fornecida por esse lugar é tanto mais simbólica (nomeada) quanto, malgrado a desigualdade dos títulos e das rendas entre habitantes da cidade, existe somente um pulular de passantes, uma rede de estadas tomadas de empréstimo por uma circulação, uma agitação através das aparências do próprio, um universo de locações frequentadas por um não-lugar ou por lugares sonhados".

Michel de Certeau, A invenção do cotidiano v.01.

domingo, janeiro 18, 2009

transtorno noturno

Hoje, pouco antes de despertar, tive um sonho curioso. Eu que nunca usei lentes e sequer sei bem que consistência têm me vi às voltas com um par delas nos olhos, e subitamente me dava conta de que havia estado com elas durante todo o tempo – do sono, da noite ou dos acontecimentos elaborados no sonho (e que pertenciam a uma outra temporalidade, talvez dias), não sei. Sei que toda irritação e estranhamento vinham do fato de que eu nunca tive nem o costume, nem a habilidade ou o conhecimento dos procedimentos necessários para o seu uso.

A primeira delas eu tirava de forma um pouco espantada, depois de tropeçar em muitos obstáculos sob meus pés meio descontrolados. A outra eu descobria grudada ao meu olho direito e sabia que precisava de algum líquido especial, que não possuía em mãos, para removê-la. O desespero ficava maior à medida que aquele objeto estranho ao meu corpo ia se mostrando mais e mais cravado, denunciando uma presença alheia a mim, marca de uma adesão tão minúscula quanto persistente. A situação que só piorava finalmente se resolveu quando, com movimentos já bastante agressivos, ataquei meus olhos com um grande jato d’água que sei lá de onde veio.

Essa imagem meio simplória eu supus que fosse esmaecendo ao longo do dia, perdendo importância até fugir da memória, como geralmente são os sonhos que, no instante em que despertamos, parecem muito graves e depois se revelam uma tolice. Mas a imagem não sumiu e depois de um tempo começou a me parecer bastante significativa: o sinal de um incômodo que, aparentemente banal, impõe-se e me desestabiliza com um transtorno que é imperceptível aos olhos desobstruídos dos demais.

Só sei que acordei com uma irritação terrível nos olhos.

sábado, janeiro 17, 2009

domingo, janeiro 11, 2009

uma referência

O professor Idelber Avelar está fazendo uma notável cobertura dos ataques israelenses à faixa de Gaza em seu blog, o biscoito fino e a massa. O material é extenso, repleto de referências importantes, citações, análises, comentários... Tudo pró-Palestina, obviamente. Inclusive, ele dedica boa parte do espaço para descascar os usos absurdos de recursos como a fala "ponderada".

Além disso, Idelber ataca o uso de alguns termos que, na melhor das hipóteses, seriam completamente inapropriados para discutir a questão (e digo na melhor das hipóteses porque, no fim das contas, isso cheira mais a puro cinismo que a mero equívoco). É o caso, por exemplo, das menções a um suposto "conflito" na região e também da despropositada distinção entre "civis" e "militares" no que se refere às vítimas palestinas. (Afinal, como falar em militares "numa nação que não tem estado"?)

Com essa loucura toda que envolve terminar uma dissertação, eu ainda não tive tempo para dar a devida atenção a todo o material por ele reunido, incluindo-se aí todos os links que constituem um material precioso para aqueles que queiram aprofundar a discussão sobre o tema. Desde já, no entanto, destaco, além das postagens anteriormente citadas, a rede que ele estabelece com blogueiros e usuários palestinos do facebook, que trazem uma perspectiva completamente diferente daquela a que teríamos acesso pelos noticiários.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

o milagre da criação, bem ali na cozinha...

Aqui em casa agora existe um pé de inhame. Começou tudo assim de forma muito despretensiosa: abandonaram um inhame enorme ali na mesa da cozinha e dele começou a brotar uma mudinha, justamente quando as pessoas daqui viajaram pra passar o início de janeiro em outra cidade. No começo eu ignorei, afinal, não é a primeira comida que tenta virar planta por aqui – na geladeira tem sido frequentes os casos desse tipo, embora o apodrecimento ainda seja o destino mais comum para os vegetais não consumidos. Aí ela foi crescendo, crescendo, e eu também fui começando a frequentar mais a cozinha, porque a minha dieta de lasanhas congeladas – estilo super size me sadia – começou a tornar-se inviável.

Foi assim que um dia, enquanto improvisava uma coisinha ou outra – leia-se, sanduíche ou cuscuz - olhei pra mesa e eis que já se erguia diante de mim uma pequena haste verde e tesa, galgando centímetros em direção à prancha dos enlatados que fica pouco mais de um metro acima da mesa. O mais estranho é que eu comecei a nutrir um estranho sentimento em relação àquela pequena estrutura vegetal: ela me incomodava profundamente. Não sei por que comecei a associá-la a alguma presença maligna. Pior ainda: não sei em que background, lenda urbana, historinha do passado ou elemento da cultura midiática meu inconsciente se baseou para estabelecer tal associação, mas o fato é que o pezinho de inhame quase me botou medo.

Talvez tenha sido porque eu estivesse sozinho, ou porque o meu humor não vinha sendo dos mais favoráveis, mas aquela presença rígida cortando o espaço da cozinha e, o que é mais assustador (tudo bem, não é assustador, mas na ocasião me pareceu...), denunciando um crescimento admirável e surpreendente, me deixou tão desconfiado que houve um instante em que eu quase peguei uma faca pra acabar logo com a história toda. Mas fui adiando, adiando, porque eu gosto de procrastinar, porque me deu pena e também porque achei que seria uma gracinha infame esperar que minha irmã e meu cunhado voltassem e se deparassem com a comida virando floresta em cima da mesa.

O negócio é que a plantinha do satanás deve ser mesmo irresistível, ou então, todos os moradores dessa casa irremediavelmente desprovidos de iniciativa, porque a situação só piora: ninguém come o inhame, ninguém o joga no lixo e a muda já cresce frondosa e cheia de vigor. Não demora muito e ela vai estar se enroscando pelo açucareiro, pela garrafa do café... Daí eu fico imaginando uma espécie de sitcom norte-americana em que as pessoas passam pela cozinha com uma expressão abusada, pegam uma cerveja na geladeira, vão e voltam da área de serviço desfilando com uma cueca meio frouxa, olham pra mesa com cara de preguiça (claque em momento inapropriado) e por fim voltam para a sala pra curtir um pouco mais de preguiça no sofá.

p.s. Fui informado de que o inhame não está mais em condições de ser comido, e no entanto ele permanece lá, misteriosamente intocado. Já começo a pensar em possíveis nomes, para o caso de que ele se torne uma espécie de tubérculo de estimação.