sábado, julho 26, 2008

red, gold and green

A festinha de ontem teve pelo menos três pontos altos: a tese, sustentada em exemplos, de que algumas pessoas trazem escrito na testa, em neon, os dizeres "eu não presto" (eu sei, essa é muito velha, mas a força esteve justamente nos tais cases, pra comprovar); a constatação de que o revival anos 90 de fato se anuncia, com o dj tocando Ace of base (medo!); e, pra terminar, anos 80 ainda resistindo com todo mundo delirando ao som de Karma chameleon - histórico, eu diria.

quarta-feira, julho 23, 2008

cura

É um estado difícil, próximo a uma vertigem, este a que a gente sucumbe quando por fim constata que algumas coisas estão sempre voltando para nos debilitar, como um leitmotif a pontuar nossa vida. E o estranho é quando, em nossa cabeça, esta percepção se conecta a uma outra bem peculiar: a de que uma repetição assim - tão cristã em sua forma de martírio e cruz - está diretamente associada à noção de que não há nenhuma explicação transcendente possível. Tudo parece obra do puro azar, uma provação aleatória que nos foi infligida por uma combinação pouco favorável de acasos.

Diante deste lance de dados tão grave em sua permanência, qualquer justificativa, cura ou solução definitiva está fora de alcance. Ou, ao menos, só pode ser encontrada dentro da esfera do pragmático. Nós, no entanto, continuamos recorrendo a todos os campos, todos os saberes e sistemas de pensamento, para tentar estancar o fato recorrente e circunscrevê-lo ao passado. Diante desta vontade de cura, não há ceticismo possível: não se trata de crer ou não crer, mas de esgotar as possibilidades, agarrando-se a um fio de esperança, aceitando todas as indicações e cumprindo todas as receitas, desde as supostamente garantidas até aquelas mais disparatadas.

***

E isso me faz lembrar um belo trecho do livro de Tununa Mercado, Em estado de memória, onde ela fala da busca pelos mais diversos meios para aplacar a dor pungente que acometia àqueles arrebatados pelo exílio e por todas as outras provas infligidas aos cidadãos argentinos ao longo dos períodos ditatorial e pós-ditatorial:

"... nenhum psiquiatra se ocupou em particular de mim, deixando sem leito a imensa capacidade de transferir que me caracteriza e que me tem levado a diversas formas de dependência de médicos de toda laia, incluídos os dentistas, os ginecologistas e, sobretudo, os curandeiros da mais variada espécie: santeiros, xamãs e 'mestras' que fizeram de mim corpo de limpeza. Com ramos de menta e magericão, fumegos de mirra e incenso, com alhos, loções, teixos de côco, oráculos e outras técnicas de sorte, alguns tentaram curar meu mal e salvar-me dos feitiços e em ocasiões conseguiram-no, porque não deve haver terreno mais fértil para as curas que meu corpo e minha alma".

quarta-feira, julho 09, 2008

cabeça no mundo

Pois é, nada como uma boa viagem pra espairecer. Estou indo fazer uma pequena aparição pública, tentar aprender algo novo, encantar-me com outros rumos, fazer algum contato e, sobretudo, "desintoxicar-me" de Recife um pouquinho, pra ver se eu volto menos abusado.

E eu tinha pensado agora em fazer uma listinha de intenções - lugares a conhecer, coisas a fazer - mas tenho preguiça, e minha principal companheira de viagem é ninguém menos que Amanda, então sei que tudo será como uma surpresa, algo a ser decidido de última hora. Da última vez em que viajamos (fomos pro Rio), só na noite de sábado nós começamos com o plano de ir à Lapa, depois cogitou-se uma ida a um baile funk, depois quase chegamos a conhecer a Mangueira, até que por fim terminamos numa casa noturna de Copacabana dançando electro e ouvindo muito rock (sugestão minha, claro!). Ou seja, toda noite é uma noite em aberto e somos pessoas sem rumo. Que ótimo, não?

Só que dessa vez acho que nem vou ficar tão indócil pra ir pras baladonas, tentando usar todo o meu poder de persuasão pra convencer a "comitiva pernambucana". Na verdade, juro que o único lugar que eu quero ir com certeza é a Liberdade. Não me perguntem porquê, mas só penso nisso desde que começamos a articular nossa ida.

Bom, então depois eu conto se deu certo ou não, se eu conheci a Liberdade ou não, se fui em algum dos lugares que nos indicaram ou não. Até a volta!


Para ouvir:
Sonhei que viajava com você - Itamar Assumpção

quarta-feira, julho 02, 2008

interstício

O mês de julho me encontrou assim naquele estágio que a gente fica às vezes e para o qual a única coisa que eu encontro e que seja capaz de descrevê-lo é aquela palavrinha em espanhol lida outro dia: duermevela. Algo assim como uma semivigília: a pessoa permanece suficientemente consciente do entorno, mas sem a força ou a autodeterminação que só a mente desperta permite. As coisas acumulam-se - começadas apenas pelo ímpeto vazio de serem começadas - causando aquele efeito de escombro e sucata na nossa rotina que pode ser literal ou simplesmente figurativo.

Três romances, três leituras não-terminadas, outros tantos livros de teorias e ensaios lidos somente até a metade (ou pouco menos) mais um sem-número de outros ainda por começar, e por fim - e ainda mais importante - um texto a escrever travando logo no início. Um texto que não avança porque parece que tudo que possa ser escrito é multiplicação desenfreada de signos dispensáveis – e já há tantos!

As sensações que dizem respeito a questões mais propriamente pessoais, não-produtivas, não são menos desanimadoras: ressaca emocional e abuso completo. Da cidade, da gente e das coisas daqui que eu sei que são todas ótimas, mas que por enquanto só despertam desconforto. Foi Clarice que disse que todo lugar é lugar e o que mais importa é ser você mesmo, onde quer que seja? Bom, acho que isso significa que não adianta levantar o acampamento pra vizinhança mais próxima e esperar com isso encontrar algum tipo de graça. De qualquer forma, esse acampamento aqui não irá muito longe tão cedo. E mesmo todas as coisas mais promissoras à vista – viagens em breve, pessoas a reencontrar, histórias por acontecer – não parecem merecer sequer uma manifestaçãozinha mais efusiva. (Nem o cinema tem sido um refúgio que pareça funcionar como antes).

Que mofo! Mas eu bem sei, embora não possa garantir, que é nessa hora em que se inventa um pensamento bem bom ou o plano mais infalível ou a brincadeira mais maligna e arriscada pra conseguir colorir essas horas feíssimas.


Para ouvir:
Here (Doctor L remix) – Salif Keita Remixes from Moffou

terça-feira, julho 01, 2008

nome próprio

Acabo de ver Nome próprio, de Murilo Salles, e se tivesse que resumir em uma linha a minha opinião, diria: filme legal, literatura ruim.

Não posso opinar a respeito dos livros da Clarah Averbuck pois não os li, mas pelo que já conheço do seu blog, posso dizer que achei seus textos bem fraquinhos. Sinceramente, acho seu tom confessional-adolescente bastante cliché, pueril até. Também acho um pouco irritante essa sua irritação (sim, deve ser algum tipo de efeito de contágio) com a idéia de ser asssociada a uma literatura blogueira. Tudo bem que deve ser mesmo um saco ter que ficar o tempo todo falando em nome de um tal "fenômeno da blogosfera" (e convenhamos, que assuntinho mais fora de moda esse), mas a impressão que fica para mim é que tal irritação se deve muito mais a uma noção implícita de rebaixamento existente no atrelamento da denominação de blogueiro(a) à de escritor(a).

Tudo bem, concordo que blog é antes de tudo um suporte. Exemplo mais óbvio é o fato de existirem blogs dos mais diversos tipos: de crítica cultural, de esportes, de gastronomia e também, claro, de literatura. (Tem até os blogs sobre nada, como o deste que vos escreve, ou seja, os blogs anotações-do- crioulo-doido-que-pensa-com-os-dedos-no-teclado). Mas essa coisa de bater o pé e dizer que livro é livro e não tem nada ver com blog, como se o modo de escrever, o estilo, as referências e o universo temático fossem diferentes e não permeassem a escrita de ambos, soa mais a uma ânsia de reconhecimento como Literatura (assim com L maiúsculo). E convenhamos: se como blog o texto já deixa a desejar, que dirá então como "alta literatura".

Enfim... Mesmo com temática tão limitada, Salles consegue tornar o filme na maior parte do tempo algo envolvente, gerando uma certa identificação no espectador, mesmo a partir de um universo tão auto-centrado - e com dilemas muitas vezes tão triviais. Isso porque o filme consegue o que a escrita da autora não chega a fazer: a partir de acontecimentos próximos e experiências vividas - elementos que, em maior ou menor grau, pode-se dizer que compõem o substrato de praticamente toda literatura - consegue dar um salto rumo a um conjunto de questões e sentimentos que ultrapassam a limitada esfera individual e localizada dos fatos.

E é exatamente por isso que, na minha opinião, o filme tem seus momentos mais problemáticos justamente quando a narração apresenta passagens dos textos elaborados pela personagem principal, Camila (alterego da escritora). Ao delegar o relato à sua fonte, o texto escrito, o filme sucumbe às deficiências deste, quando tal revêrencia nem seria necessária - afinal, o filme é apenas uma adaptação livre, como a escritora fez tanta questão de ressaltar, afirmando que o filme não era dela - o livro sim (ver no blog oficial do filme aqui). De fato, o filme não é dela, nem é unicamente do diretor, e talvez por isso tenha funcionado. É coletivo, claro, (afirmação óbvia!) e dentre as contribuições que se somam em sua realização, está a de Leandra Leal, linda e se garantindo muito na atuação.

Mas voltando ao diretor: este ainda tem fôlego para contornar boa parte dos problemas, inclusive este de como inserir a instância da escrita, ponto de partida da obra, no seu universo audiovisual. No filme, as palavras são signos que se desdobram na tela, sobrepõem-se aos planos, inscrevem-se no chão, nas paredes, nos corpos. Salles, então, é quem parece resolver melhor a questão do suporte postulando que, quando a escritura se constitui como veículo para afirmação da vida, energia criadora, não se faz tão necessário diferenciar livro, diário, blog, filme, carta, etc., porque a palavra transborda todas estas instâncias, e tudo está impregnado de sentidos inventados ou ressignificados pelo ato de escrever a própria história, de ficcionalizar a experiência.