domingo, fevereiro 19, 2006

“- O meu carnaval sem nenhuma alegria!...”

Carnaval deveria ser algum tipo de plano emergencial que a gente aciona sempre que precisa e unicamente quando – e isso é o mais importante – ele for conveniente. Alguém bate o pé, uma batucada mais animada, uma vontade de festa e pronto, corre todo mundo, ajeita o carnaval que agora é hora! Mas não, ele chega sempre assim, data marcada em calendário, feriado concedido e pronto: é de vocês, divirtam-se, celebrem a vida e estejam imbuídos do espírito de confraternização – tudo assim, intransigentemente. E não há coisa mais desoladora para o ser humano do que a alegria compulsória, esfregada na cara e diluída em excessos.
E eu me pergunto onde estão as pessoas que fazem meu carnaval; em que esquina montaram o nosso bloco e esqueceram de me avisar; que misteriosa felicidade inventaram, essa, que comporta uma expressão tão insossa, uma inconclusão de despedida às pressas, com bilhete e na surdina; quem ignorou o suor farto das ladeiras e pontes e nos deixou, direto, esse suor frio de ressaca de cinzas.
Talvez por essa contradição insolúvel das grandes festas de rua, não são poucos os poetas que nos sentiram o carnaval em versos, e lembro que ano passado o que me ficou cristalizado como memória e referência foram os “Poemas da negra”, de Mário de Andrade, que falavam de um inesquecível carnaval pernambucano, com seus mangues, grilos, brisas, erotismo, madressilvas e cais. Esse ano... Sei não, mas se a promessa sedutora do modernista, no último carnaval, já não se cumpriu, esse ano eu já me sinto bem mais pro carnaval melancólico de Manuel Bandeira.
Mas vamos todos, sim, continuar, como Schumann, compondo nosso carnaval – porque ele, na verdade, ainda está por vir.

sábado, fevereiro 11, 2006

intervalo anticomercial #2

"Os homens inventaram um jeito batata de regular a máquina do fodido. O corpo do fodido ta desarranjado dum jeito que sente com a cabeça, pensa com a barriga e caga pelo coração.”

Jussara Pé de Anjo, uma das putas assalariadas, na Ópera do Malandro.

sábado, fevereiro 04, 2006

intervalo anticomercial #1

“Nas formas primitivas da sociedade, quando a maioria dos indivíduos vivia em dependência da terra de onde tiravam a própria subsistência, a experiência do fluxo do tempo estava estreitamente ligada aos ritmos naturais das estações e ao ciclo do nascimento e da morte. À medida que os indivíduos foram gradualmente sendo atraídos por um sistema de trabalho fabril e urbano, a experiência do fluxo do tempo foi se associando cada vez mais aos mecanismos de observância do tempo em sincronização com as horas de trabalho e com a organização dos dias da semana. Logo que o tempo começou a ser disciplinado pelos objetivos de aumentar a produção das mercadorias, houve uma certa troca: os sacrifícios feitos no presente eram trocados pela promessa de um futuro melhor. A noção de progresso, elaborada pelas filosofias iluministas da história e pelas teorias sociais da evolução, foi sendo experimentada no dia-a-dia da vida como o enorme hiato entre a experiência passada e presente de um lado, e os horizontes continuamente mutáveis das expectativas associadas ao futuro, de outro.
A experiência do fluxo do tempo pode estar mudando hoje. À medida que o passo da vida se acelera, a terra prometida para o futuro não se torna mais próxima. Os horizontes das expectativas sempre incertas começam a desmoronar, à medida que vão se encontrando com um futuro que continuamente fica aquém das expectativas do passado e do presente. Torna-se cada vez mais difícil persistir numa concepção linear da história como progresso. A idéia de progresso é um modo de colonizar o futuro, é uma maneira de subordinar o futuro aos nossos planos e expectativas presentes. Mas à medida que as deficiências desta estratégia se tornam mais claras dia após dia, e o futuro repetidamente confunde nossos planos e expectativas, a idéia de progresso começa a perder força entre nós.”

John B. Thompson. A mídia e a modernidade – Uma teoria social da mídia.