terça-feira, agosto 15, 2006

asas do desejo

Nós, que somos humanos, temos medo do fim, medo do efêmero, da conseqüência irreversível dos nossos atos sempre mudando o que é frágil, sempre prometendo “conseqüências sem volta”. Medo.
Os anjos nos sonham, sonham os homens e mulheres e suas possibilidades, sonham o agora em vez do para sempre e da eternidade, desejam dizer apenas um oh! ou um ah! em vez de um amém!. Os anjos, porque são anjos, vivem nossos sonhos e sonham nossas vidas, esperando sentir o gosto do sangue, o calor das mãos, a realidade no desejo e a incerteza da mortalidade. Os anjos, coitados, não vivem e não morrem. Apenas são. E nos acompanham e ajudam, por muito de misericórdia e bondade mas, também, – eu desconfio -, pra viver em nós um pouco de nossas vidas. Habitam os lugares silenciosos, ouvem nossos pensamentos e, ao contrário das almas dos espíritos dos malassombros e das aparições, não nos trazem medo, porque não aparecem - apenas estão, sempre.
Antes de vê-los na televisão eu já pensava que eles devem estar sempre nas bibliotecas, porque lá é o lugar do silêncio, lugar em que estamos sozinhos e o nosso pensamento se faz mais alto: para eles, para nós, para ninguém.
Eles sabem que para as crianças não existe morte, porque a preocupação ainda é pequena e todo momento é único. E, como crianças, querem a curiosidade e a vivacidade em cada instante, porque no tempo em que as crianças são crianças elas se interessam por tudo, e não apenas pelo que envolve trabalho.
Ela, Hannah Arendt, resumiu bem a distinção entre a imortalidade e a eternidade: o homem, porque mortal, faz a imortalidade em suas obras, seus feitos, suas palavras; mas só é eterno quando atinge o indizível, quando descobre a possibilidade da contemplação, a mais sublime atividade humana. Foi ela quem disse: “é isto a mortalidade: mover-se ao longo de uma linha reta num universo em que tudo o que se move o faz num sentido cíclico”. O homem é mortal, faz-se imortal pela ação e aspira ao eterno em seus sonhos, embora sempre sabendo da sua última hora. Por isso também quando Patrícia, em Acossado, de Godard, pergunta ao escritor: “qual a sua maior ambição?”, ele responde: “tornar-me imortal e, depois, morrer”.
Os anjos que são eternos nos sonham. Coitados dos anjos, não podem morrer. Mas fiquei na dúvida: seriam eles como as crianças? Afinal, os anjos perguntam?

“Quando a criança era criança,
Era a época dessas perguntas:
Por que eu sou Eu
E não Você?
Por que eu estou aqui e
por que não lá?
Quando começou o tempo
E onde termina o espaço?”

o anjo e a trapezista