quarta-feira, agosto 11, 2004

Eu já tinha escrito algo para postar hoje, mas alguns pensamentos e preocupações me levaram a colocar aqui um texto que fiz há um tempo atrás, em um momento em que reflexões semelhantes às de hoje me motivaram a questionar determinados comportamentos.
Não por acaso, talvez, tenha visto o poema de uma amiga hoje falando do poder, da disputa pela obtenção desse poder e da perplexidade dos homens diante da situação de permanente disputa e agressão que eles mesmos criam.
Enfim, espero que entendam minha intenção ao escrever isto.



Os transgressores*

Como indivíduos socialmente atuantes, empenhados em questionar, inverter e transformar, uniram-se em torno de seus objetivos e fundaram seus grupos. Encontravam-se, discutiam, formulavam... Juntos, em longos encontros, certos de sua lucidez, decidiam conflitos humanos, reprovavam posicionamentos e destituíam poderes. Detentores de uma nova verdade, lutavam para desconstruir pensamentos burgueses e mesquinhos de individualismo. Eram tão melhores, suas propostas...
Estavam cheios da revolta, da urgência e da necessidade de agir, impulsionados pelo súbito senso de responsabilidade e embriagados pela beleza de mudar o mundo. Assim, decidiram que seriam os lúcidos entre todos os outros e tomaram para si o privilégio de personificar a imagem de uma minoria salvadora. Detinham o conhecimento, os meios e o esclarecimento para tal; cabia-lhes trazer a luz. Eram os iluminados.
Em segredo, tramaram seus encontros, em que destrinchariam táticas, teorias e ideologias incertas, concedendo e conciliando, porque a revolução também tinha dessas coisas! Deveriam estar reunidos e juntos sentiam o dever de desmascarar uma elite apodrecida, ainda mais apodrecida em contraste com a massa de alienados, massa tão sofridamente alheia que seu gemido era quase um rangido de máquina, de tão instintivo e mecânico. Cabia-lhes expor toda a mediocridade dos pragmáticos, cuspir em seus valores e debochar de suas patéticas atitudes burguesas.
Eles não! Não eram eles, os burgueses. Eram apenas espertos. Sabiam que na vida tudo se levava no jeito, e o equilíbrio e a parcimônia eram uma virtude. Eram revolucionários, ora, não eram bárbaros! Qual o problema em tomar seu cappucino e comer suas torradinhas com patê confortavelmente acomodados em sua poltrona de couro e em frente à sua TV a cabo de 140 canais? Não eram rebeldes sem-causa, afinal, e o que importava eram as idéias!
De todo modo, isto era em casa, onde muito pouco adiantava o romantismo de fingirem-se oprimidos e marginalizados. Não rua, não havia espaço para moderação e tolerância com os confortos. Lá eram cavaleiros do apocalipse, armados com muita ousadia, munidos com palavras duras e dispostos a qualquer agressão não-física, que não lhes ameaçasse a boca tão cheia de dentes.
Eram, nestes momentos, os transgressores, os que iriam mudar o mundo. Afirmar-se-ia, no entanto, e com certa razão, que estavam logo ao lado dos piedosos e sua distribuição de migalhas, tendo como elemento de identificação entre ambos a prepotência de serem salvadores.
Enquanto isso, poder-se-ia encontrar ainda, bem ali, ao lado, despretensiosos e leves, os que na espontânea forma de encontrar o próximo, de reconhecê-lo e amá-lo, não haveriam de mudar, ainda, o mundo, mas aprenderiam a viver nele, e nele construiriam um resquício de fraternidade. Certeza, não tinham; respostas, muito poucas; apenas uma inquietação, uma curiosidade que lhes atiçava as idéias e desordenava as prioridades de suas vidas. E era assim, fiéis a essas prioridades e misturados aos demais, que estes últimos arriscariam muito, desprovidos de compromisso com rótulos e certos de sua fragilidade, mas com uma grande propensão ao aprendizado e à vivência que constrói e muda, solidamente, posturas seriamente refletidas e longamente gestadas.

*Feito ao longo de um dia de poucas utopias e ânsia pela vivência, lembrando e unindo retalhos de Milan Kundera, André Techine, Fernando Sabino e Fred Zeroquatro. Muito pouco aí é meu, talvez apenas a forma mal-acabada que dei a tantas boas idéias, de tanta gente. De qualquer forma, é um gemido legítimo, não-mecânico.


...


Em nome de objetivos diversos, manipula-se, intriga-se, destrói-se, enfim... E é no mínimo lamentável que a semente de tudo isto, de tanta desavença, seja plantada bem cedo, às vezes ainda na juventude. Na política, mesmo, vê-se de tudo: há desde os que criam para si uma persona de oprimido só para legitimarem suas ações, agirem em nome do povo, usarem o respaldo da coletividade em nome de interesses próprios e criarem uma imagem de "revolucionários", até os que acreditam no capitalismo humanizado, na responsabildiade social das empresas como forma de diminuição das desigualdades e no assistencialismo como modo de distribuição de renda.
Pode, no entanto, parecer romantismo, falso altruísmo ou pura pretensão , mas acredito sim na ação política movida pela simples vontade de atuar coletivamente, pela busca da fraternidade, do engrandecimento humano, do convívio com o outro e, acima de tudo, da transformação de mentalidades e da geração de alternativas sociais.

2 comentários:

Anônimo disse...

Felipe:

Balão, que tal "Os Transgressores" no Olha Só??

fabio disse...

Ouxi, sai dessa...
hehehehehehe