sexta-feira, agosto 20, 2004

É quase sem querer que percebemos, às vezes, o momento em que os planos que no início eram orientados pelos familiares e que depois haviam passado a ser feitos conjuntamente com eles começam, de repente, a ser apenas comunicados aos mesmos.
Não foi sem espanto que minha mãe, por exemplo, descobriu que terá novamente um filho vestibulando, que eu já estava inscrito e tudo mais. “Você e sua irmã agora estão assim, fazendo tudo primeiro pra falar depois...” Só então me dei conta do que tinha feito e reagi com estranheza, inclusive, ao fato de que tomei tal decisão, enfrentei todo tipo de dúvida e reflexões sem compartilha-las com aqueles aos quais mais atribuo confiança e consideração. E se eu fico ainda tão perplexo com certas idéias que passam pela minha cabeça, imagina aqueles que vêem todas as perspectivas serem subvertidas, refeitas de uma hora para outra?
Realmente não deve ser fácil entender uma mente sempre tão volúvel, e mais difícil ainda é ver uma pessoa pela qual torcemos tanto, nos dedicamos e sacrificamos, à custa de tantas privações, do esforço excessivo, do desgaste, da preocupação, etc, simplesmente nos deixando tontos a cada dia com suas inconstâncias, revelando aos poucos que tudo que foi construído repousa sobre uma superfície tão tênue que não se sustenta, sem desmoronar...
A verdade é que tal decisão só causa espanto porque tudo, até hoje, foi remoído por mim em silêncio, aos poucos se solidificando a certeza da inadequação e o descontentamento com um curso, uma possível carreira e um modo de vida impraticáveis, incompatíveis com uma personalidade ainda em (des)construção.
O fato é que há decisões que cabem unicamente a nós mesmos. Para resolver o que faremos, o quanto estamos dispostos a arriscar e o que priorizamos, não há possibilidade de ajuda e muitas vezes não há muitos que nos dêem conforto...

Lembrei, no entanto, nem sei porquê, de uma história, que pouco tem a ver com esse assunto mas que serve de contraponto a esta solidão que sentimos, às vezes, quando o “destino gira em nossos dedos”. Uma vez estava no ônibus, viajando para Juazeiro, era uma época em que estavam ocorrendo muitos assaltos na estrada e o último realizado a um ônibus daquela empresa tinha, inclusive, deixado como vítima um motorista – faleceu com um tiro na cabeça. Com isso, aqueles que enfrentavam a estrada diariamente estavam tensos, tendo que trabalhar tomados pela preocupação de que fato semelhante voltasse a ocorrer. O rapaz que ia ao meu lado conhecia boa parte dos motoristas da empresa, eram amigos do seu pai, e a certa hora, quando um deles foi deitar-se para descansar e dar lugar ao outro, dirigiu-se ao rapaz e falou: “depois vá lá na frente conversar um pouco conosco... Ultimamente estamos viajando muito tensos, e é sempre bom ter alguém ao lado... Não nos deixa mais protegidos, mas é bom para dividir o peso, às vezes... Juntos, o peso fica um pouco menor”.

Apesar da inconstância, do silêncio, da estranheza, fui mais uma vez apoiado, incentivado, minha família renovando em mim, com palavras, a certeza da sua confiança e a sua crença no meu sucesso... Crença que nem eu mesmo posso ter muito, haja vista que conheço meus pensamentos... De minha parte, sei que não acabou ainda; a cada dia, situações vão tornando-se mais claras, tudo que não foi dito se evidenciando e ganhando aspecto de acontecimento súbito. E serão eles os que ficarão ao lado, dividirão o peso, mal disfarçando a reprovação e a preocupação, talvez, mas se for o caso, dando um sorriso comovido e ajudando a manter a tênue estrutura que não está bem certo se desaba ou não...

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