terça-feira, dezembro 21, 2004

Eu queria escrever uma história. Uma história que começasse agora, sem um grande marco inicial nem um evento decisivo, definido, característico da mudança ou determinante na quebra temporal que possibilita o início. Seria apenas um instante, mais um ponto na cronologia de fatos consecutivos e incertos, mas um ponto repleto de vontade e certeza, não a certeza idealizada do que vai acontecer, mas do que hoje é. Para este começo, não far-se-ia necessária sequer uma ação, apenas uma atitude, um olhar diferente, uma sensação que nem se sabe de quê entreabrindo leveza e vontade novas, insuspeitas, reveladoras e que sutilmente transformam.
Nessa história, alguns instantes denotariam um gosto duvidoso, talvez, já que nem tudo o que seria contado teria muito nexo. Seriam fatos improváveis, atitudes destoantes, centenas de milhares de movimentos bruscos desembocando na mais fina imobilidade, no mais rígido silêncio e quietude. Fatos sem clímax, revelações sem propósito, reviravoltas levando a lugar algum que não a manhã seguinte...
Diria ainda que meus personagens não teriam muita credibilidade; dispensariam qualquer admiração persistente, qualquer aparência equivocada, qualquer calma superficial ou suposta inteligência; a sensibilidade aguçada também seria desmentida em seus atos, na medida em que teriam preguiça, anestésicos e mesquinhez, medo e paradigmas; desmentiriam também sua refinada emoção com lágrimas piegas e crises rasteiras; rejeitariam inconscientemente seu suposto talento, sua convocada sorte, seu destino prometido; mas seriam verdadeiros.
Também digo que seriam bons. Bons, humanos e ousados, porque garanto que os construiria sem modéstia e os faria detentores de uma loucura só comprovável pela sua insistente crença nos sentimentos, na poesia, na estética, no amor, e por aquela estupidamente ingênua persistência em escavar um pouco mais sua dor à procura de algo de extraordinário em suas vidas.
E digo mais: construi-los-ia com tamanha vontade que seriam eles capazes de atitudes impensáveis. Então daria à história tons de fábula: porque eles seriam tolerantes com diferenças, espontâneos na sua forma de agir, pródigos em sua assumida imprudência, eternos em sua inquieta juventude, sinceros na sua raiva e cautelosos em todos os julgamentos. Um pouco fracos de espírito, admito. Todos meio sem vontade, alheios, e o próprio enredo de suas vidas perdendo-se, por vezes, em seus objetivos, criando significados inconsistentes, dando voltas, idas e vindas, a narrativa estagnando, de quando em quando, para logo depois se reerguer, num sobressalto.
Escancarariam suas incongruências, suas fraquezas, desmentiriam com seus atos a reconfortante porém equivocada admiração alheia e perceberiam que com isso a cada dia ficariam mais leves, porque prometeriam menos, e deles não muito poder-se-ia esperar.
Assim construiria uma história, e não seria diferente da história de qualquer ser humano. Mas seria, ainda assim, uma nova, esperançosa e urgente tentativa de pensar o indecifrável sentimento de liberdade e avulso pertencimento.

2 comentários:

oculto disse...

Olá! Lembra-se de mim? Continuo a visitar o seu blog embora não comente. Gosto da sua maneira concisa de escrever apesar de, na maior parte das vezes, não atingir o alcance das suas palavras. Hoje decidi comentar para lhe dar os parabéns por terminar o seu curso com êxito e também para lhe desejar um feliz natal e que 2005 lhe concretize todas as expectativas.

fabio disse...

Olá!! Que bom saber que você ainda aparece por aqui, de vez em quando. :p Obrigado pelos parabéns, elogios e tudo mais. Não sou tão bom para essas coisas, mas também gostaria de desejar-lhe uma boa, sincera e surpreendente história em 2005, ok? ;) Abraço.