terça-feira, junho 22, 2004

Vi o depoimento do cineasta Win Wenders no documentário Janela da Alma, que afirmava ser necessário optarmos por quais imagens estamos dispostos a presenciar, uma vez que, segundo ele, essas imagens continuam, depois, a viver dentro de nós, e lembrei-me do filme Irreversível, que causou polêmica ao mostrar uma cena de estupro de nove minutos, sem cortes e com grande (e cruel) realismo.
O questionamento de ser ou não, o filme de Gaspar Noé, uma obra válida, leva-nos a outro tipo de indagação: seria a agressividade, de alguma forma, válida? Existe algum tipo de agressão que possa ser considerada boa? Chega-se, portanto, a uma questão conceitual.
Considerando-se a perspectiva de que faz-se necessário, às vezes, sacudir as pessoas de sua aparente passividade, instigando-as à reflexão, detemo-nos na questão fundamental da agressão como instrumento para se atingir esta desejável criticidade... E tal questão torna-se mais complexa, considerando-se que a agressão causada por um filme como Irreversível é quase física: nele, sons, imagens, edição, fotografia, tudo causa mal estar, fere os sentidos, maltrata... Agressão propositalmente física, vale ressaltar. Este foi, deliberadamente, o caminho escolhido pelo diretor. Assim, chegamos a outra questão, que pode ser considerada até mesmo ética, se compararmos esta situação à dos pais que usam o castigo corporal como forma de estimular a análise conscienciosa em seus filhos e incitar uma postura crítica diante de seus próprios atos. É mais ou menos essa que Noé afirma ser a intenção de seu filme: levar a sociedade à reflexão, por meio do choque.
Não me sinto à vontade para negar a validade de Irreversível, uma vez que considero a expressão, principalmente a artística, sempre importante, necessária. No mais, também sei que o raciocínio exposto aqui é por demais forçado, e creio que pode constituir-se em um perigoso sofisma. Mas o fato é que Irreversível não foi o primeiro filme a usar o argumento de “mostrar a violência para criticar o excesso de violência e sua banalização” (?!). Também obras como Réquiem para um sonho, Violência gratuita, Assassinos por natureza, dentre outras, quiseram chocar com este intuito, e sempre o que vemos são mais diretores aparecendo dispostos a ultrapassar os limites com a intenção de chocar, e cada vez mais as pessoas presenciando estarrecidas tais cenas, não raro acostumando-se a elas, e sempre o público esperando pelo que virá a seguir...
A propósito, o que virá agora?

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