segunda-feira, outubro 25, 2004

No divã, delírios lynchianos

- Um episódio sem importância, mas ilustrativo? Eu deveria mencionar um? O que seria? Creio que não há nada que ateste essa minha, digamos, imersão em pensamentos desligados da realidade... Nada que me caracterize como uma pessoa que fantasie o que me rodeia... Mas há um fato talvez relacionado a isto a que você se refere... É sobre o que acontece nessa época do ano comigo... Nesse mês, há frutos nas árvores da cidade amadurecendo, caindo...
- Sim, fale um pouco mais sobre isso.
- Então... Daí eu ando na rua e tem aqueles... aqueles frutos...
- Sim... prossiga.
- Você sabe... Aqueles frutos amadurecidos, caídos no chão, de cor púrpura...
- Jambos...
- Isso! Jambos... E eles estão em toda parte, amassados, pisados, e para mim, não importa quantas vezes os veja, sempre parecem pequenos animais mortos... sabe? Morcegos atropelados ou pisados, no chão... Ou pequenos pássaros, seus corpos dilacerados na queda e no movimento da rua, pessoas pisando, carros passando... Às vezes parecem... como posso dizer? Você já viu pequenos passarinhos que ainda estão por nascer, quando de repente quebramos a casca do ovo? Eles se retorcem, agonizam num desespero mudo, asfixiados, seu corpo ainda não preparado para esse contato prematuro, forçado, com o mundo... E eles morrem, ressecam e ficam assim, de cor púrpura, retorcidos, a pele seca, apodrecendo... É isso: como pequenos embriões não nascidos, jogados nas calçadas, apodrecendo... Fetos! Nossa, parecem mesmo fetos... Ou às vezes, ainda, parecem pequenos membros, decepados, desfigurados, restos humanos jogados em calçadas..
- ...
- Isso é grave, doutor?

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