quinta-feira, dezembro 21, 2006

catarses coletivas, singelas cortesias globais

Em um certo dia, há pouco mais de dois anos, quem passasse pela estreita Rua do Lazer - lugar que agrega diversos estandes e barracas de alimentação e amplamente freqüentado pelos universitários que circulam pelos prédios e instalações da Universidade Católica de Pernambuco - testemunharia um inusitado evento certamente vivenciado em diversas outras partes da cidade e do país, tanto nos espaços públicos quanto no aconchego de milhões de lares brasileiros. Um público eufórico e radiante, digno dos grandes espetáculos desportivos de Copa do Mundo, se acotovelava, aglomerado, em frente aos televisores dos pequenos estabelecimentos dispostos pela rua, assistindo ao que seria o mais recente mega-acontecimento da grande mídia brasileira: um acerto de contas regado a muita porrada entre ninguém menos que Laura e Maria Clara, personagens arquetípicas (ou seriam estereotípicas?) que ocupavam os postos de “vilã” e “mocinha” na pedante novela Celebridade.

Aos gritos, urros e outras interjeições de euforia e espanto, os passantes disputavam, ávidos, cada centímetro quadrado em frente aos aparelhos, diante dos quais apenas vez por outra olhavam para os lados, mas sempre sorrindo, fazendo comentários, vibrando, quiçá desfiando apostas e palpites. Em uma experiência estranhamente coletiva, por meio da qual compartilhavam problematicamente seus desejos de superioridade e suas noções moralistas do bem e do mal, os presentes explicitavam seus códigos duvidosos de justiça em uma diferente roupagem, amparada em uma nova versão das convenções maniqueístas das narrativas nacionais, dessa vez assumindo alegremente a convicção de que os bonzinhos tinham mesmo era que sentar a porrada nas maléficas criaturas vilãs que habitam o caricatural reino do Projac.

Muito distante do ultrapassado conceito da mocinha ingênua e desafortunada que sofre quieta até o fim, a protagonista pop, fashion e umbiguista Maria Clara Diniz - do alto do poder já sugerido pelo seu ostensivo duplo-nome-próprio-e-sobrenome - mostra as suas garras e, para delírio do público, parte para o inusitado acerto de contas – por algum motivo obscuro do qual não cheguei a tomar conhecimento. Nesse encontro meticulosamente arquitetado pelos operários-padrão do mundo fantástico da Rede Globo – estes que, juntos, ajudam a incutir no imaginário popular a noção de um cotidiano delirante regado a praias, Leblon, pequenos luxos, grandes intrigas e uma inacreditavelmente pequena dose de trabalho e responsabilidade – não havia espaço para defesa, tampouco para uma disputa equilibrada: a atitude revanchista e descaradamente moralista de punir a diabólica personagem de Cláudia Abreu implicava na imobilização do alvo, na sucessão vertiginosa de golpes e, por fim, na demonstração ostensiva de poder que se caracterizaria como clímax da catarse coletiva, na qual nos é apresentada a imagem da cambaleante e surrada vilã, realçada com todas as cores fortes que uma violência selvagem e punitiva desenha no rosto de suas vítimas. Cláudia Abreu, de olho roxo e boca rasgada, sai de cena com a sensação de mais um dia cumprido.

Como no universo de valores e sentidos mercadologicamente legitimados tudo o que dá certo é reproduzido à exaustão, o pega-pra-capar novelístico que bateu recordes de audiência deu origem a um sem-número de acertos de contas produzidos em série e cada vez mais alimentados pela máquina auto-referente de programas televisivos, noticiários e impressos da indústria do fútil, tão próspera em nossas terras. Esta semana, eu estava no trânsito quando o rádio noticiou mais uma sessão de espancamento em horário nobre, cortesia do mestre dos barracos globais Manoel Carlos. Em breve, o locutor dizia, o mosca-morta Alex iria esbofetear a desumana – no sentido mais ridículo do termo – personagem de Lília Cabral. Assim, o momento-porrada que foi sempre ansiosamente aguardado e desfrutado por boa parte do público global se transformou em elemento obrigatório das novelas, repetido ad infinitum a cada nova produção. Nada disso chega a ser novo, de fato: a baixaria e a valorização do olho por olho são lugares-comuns em certos discursos midiáticos. A novidade é que, dado o seu grau de eficácia, a coisa se alastrou por todos os núcleos das novelas, de modo que até mesmo os coadjuvantes agora têm direito ao seu merecido duelo.

Cabem aqui duas questões. Em primeiro lugar, nos resta saber até quando os espectadores irão ver alguma graça nestes momentos-catarse em que empregados ofendidos, populações massacradas, cornos indignados e outros seres com motivos para revolta se sentirão verdadeiramente vingados ao testemunhar a “surra aos malvados” encenada em seus televisores. A segunda pergunta, mais sombria: o que virá depois, para saciar este senso de justiça que leva o acerto de contas para a esfera do privado e alimenta discursos fundamentalistas sobre bons e maus, definindo o tratamento destinado a estes últimos por cada indivíduo, em seu moralismo duvidoso que conecta justiça e desforra?

A lógica da repetição, fundamentada na reprodução das fórmulas de sucesso e potencializada pelas políticas de baixo risco que permeiam as tentativas no mercado televisivo de agradar ao seu público consumidor, transformam os eventos espetacularizados do horário nobre em uma sucessão de clichês fabricados e “grandes acontecimentos” redundantes. Estes continuam a render até que, por sua própria obviedade e natureza descartável, acabam por cansar até o mais passivo dos espectadores, sempre sedento por novas remessas de catarses coletivas. É assim que a fábrica global de compensações cria, recria e veicula suas fórmulas exaustivas - e, não raras vezes, sexistas -, desafiando a indulgente cumplicidade de seus fiéis interlocutores e transformando tudo em mercadorias de emoção barata: até uma “boa” surra.

7 comentários:

Anônimo disse...

lembra de que tu me falou sobre as mudanças sutis no teu jeitinho de escrever no blog? aí fiquei curiosona. eu vou confessar que fazia tempo que nao vinha aqui, mas também digo logo que nunca mais faço isso ( meu filho, que maravilha foi aquile post 'a-historico'? valha-me nossa senhora!!! uahuahua).

* ah, há quem diga assim,também, ó :' meu Deus, por que nao me abandonas ?'

agora vou deixar meu depoimento piegas-manoel-carlos:
quantos momentos bombásticos de novela eu e meu pastelzinho malacabado já acompanhamos naquele pedaço de mundo tao bem descrito por tu uahuahauahua.
lá vi 'tumé e tubia' ( de uma novela igual a sinhá moça, só que com outro nome) serem assassinados.uma mulher se arrepiou de emoçao, fô-oi. ( meu pastel desceu estranho uahuhauh)

essa da malu eu perdi, mas vi no outro dia a própria debochando do estrago que tinha feito em cláudia abreu: ' mostra a janelinha, mostra!' aí claudia abreu mostrava o dentinho pintado de matutinha de quadrilha.

marta vai brigar com o marido, eh? acho que mainha e voinha devem estar na maior ansiedade de suas vidas... vou perguntar.
fabio, ia ser massa se regina duarte se metesse na briga e levasse uma 'gravata' da marta naquele pescoço molengo uahauhuaauh.


tá bom ,tá bom. jah parei de leseira.uahau

olha, teu blog continua ótimo. escreva bem muito.
:*

Anônimo disse...

hauhauhauhauhauhauhahauaa... (indefinidamente...)
só tu mesmo!!!! :P

adorei o "por que não me abandonas?" - faz muito, muito sentido... e quanto aos comentários sobre os momentos novelísticos na rua do lazer, eu estou incapacitado de comentar agora... hauhauhauhuaa. as vezes eu demoro a acreditar que tu pensa nessas coisas assim, na lata... hauhauhauhua. mas é isto: esperemos que até o fim da novela alguem dê um jeito no pescoço tronxo de regina casé... hauhauhauhaua.

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Anônimo disse...

ahhhhhh, teu depoimento sobre os momentos emocionantes com o pastelzinho (é aquele de 1,20 - 1,00 de massa e 0,20 de recheio? hauhauhahauuaa. eu comia tanto!!!), enfim, o depoimento deveria começar assim: "vou te contaaaar", e terminar com uma bossinha orquestrada de fim de capítulo... hahauhauahua. só acho que manoel carlos não iria selecionar não, ele gosta de coisas mais bombásticas, como aquele da véia que... enfim, deixa pra lá. ahuahuahuahuahua.
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Anônimo disse...

ownnn.. uahuahau 'tartarugadapontemente'falando, tu embaralhou regina casé e regina duarte, nossa pobre camponesa de nobre coração, versão brasileira. tenho uma proposta: no dia em que o pescoço dela fizer pelo menos 70 graus com um dos ombros, tu vai comigo pra rua do lazer pra gente puxar uma ôla bem linda?
eu sei, eu sei... assunto mais que exaurido. passemos ao próximo.

fiquei pensamenteando sobre esse negócio de "pensar coisas na lata" uahuaha. tu não eh o primeiro que fala isso e eu nunca consigo entender o que querem dizer, aí fico complexada. :s
tenho outra proposta: põe em prática aquele plano diabólico de tomar emprestada as 'obras completas de freud'e me empresta também, pr'eu tentar descomplexar?

acaso nao te explicaram que existe uma promoção naqueles pastéis? é parecida com a promoção do bilhete dourado da fantastica fabrica de chocolates. só que o cobiçado prêmio é o recheio, bobinho.eu sempre comi com a maior fé em nossa-senhora-do-óleo-requentado, mas nunca ganhei essa brincadeira . tu achou 0,20 cents de queijo? tu eh um dos felizardos... reivindique já seu direito de ir conhecer a pastelaria do beiçola.

eu ia falar ainda da 'véia' ( eu nao posso acreditar que tu assistiu no dia do 'côncavo e do convexo'), mas tu já ta aí com essa cara feia de cala-a-boca-menina. oxe, eu só comentei de novo pra ficar 2x2. auhuahau.

bj, mestre (Ê-ê)

p.s. Socorro chorou aos 00:01 dos 05:01 sugeridos por tu. ( quá-quá, diz o pato)

Anônimo disse...

eita, ato falho. hauhauhahauahauahhau. deve ser a vontade de dar um tabefe em regina casé tb por emporcalhar a periferia tão desavergonhadamente naquele programa ridículo dela... huahuahahuha. qto a ôla a regina casé, ops, de novo, digo, duarte, pode contar comigo...

qto ao côncavo e ao convexo, eu infelizmente não vi, mas claro que fiquei sabendo, né? como estudioso dos fenomenos midiaticos tenho que ficar informado das coisas.. e a proposito, achei uma comunidade hilaria sobre isso... vou te mandar o link (vai pro hall das comunidades trash que eu garimpo no orkut.. hauhauhaua)

que mais? o pastel... bom, o queijo eu nao achei, mas a aguazinha do queijo eu juro que sempre fica dentro do meu... hauhauhauhauhaua. (essa piada da aguazinha do queijo no pastel da pizzaiolo, a gloriosa pizzaria da vizinhança da torre, não sei se voce conhece, mas enfim...)

eita, mais uma: agora vou me vingar pra valer... vc foi tirar onda das bochechas do meu sobrinho dizendo que "kiko chorou", agora aguente as conseqüencias... toda vez que vc fizer alguma coisa bem bonitinha dessas que vc sempre faz eu vou dizer: "eita, socorro chorou". hauhauhauahahua.

a proposito, essa sua freqüencia no meu blog tá tão legal, tão legal, tu ta tao assidua, to me sentindo tão lido e comentado com isso que... pense!!!
ê-êin, socorro chorou, viu! hauhauhauhaua.

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Anônimo disse...

balaozinhooo my lovee!!!

pra vc nao ficar por fora.. olha o depoimento da veia no you tube http://www.youtube.com/watch?v=bYMSOVED4kU
ve la... shaushausha

beijos pa tu
ei, como foi ontem.. dia 28?
xero no coracao.. que to com saudade da gota serena de tu!

Anônimo disse...

laaaavis looove!!!! hauhauhauhaua.
eita que esse you tube é o satanás, né? tem de tudo...
pena que minha conexão não aguenta essas peripécias não, mái lóvi.

mas ei, eu juro que tentei lembrar, mas o que é que tem o dia 28, hein?
ontem pelo menos, que eu lembre, foi um dia normal, mas... confesso que nem lembro muito o que fiz ontem... hauhauhauaa. porra, fiquei até preocupado agora, minha memória tá uma porcaria, deve ser o álcool, viu? (ou seria "algo mais"? hauhauhauahua) preciso rever meu estilo de vida urgente!!!

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