quarta-feira, junho 01, 2005

Post motivado por um não-acontecimento recente, pelas manhãs de segunda e pela musica de Buena Vista Social Club.


De como funciona a tristeza em dias de produtividade e chuva

Por sob tudo percorre um silencio, um incomodo lamento oco de pensamentos decantados no sono, renovados e fortalecidos ao despertar. O impulso que ergue é puro automatismo de compromisso e obrigação; na musica que toca para se esquecer e consolar, cada nota é a lembrança dolorida da ausência, e quase não se agüenta essa saudade inusitada que - tão múltipla! – é de tantos.
“A própria dor é uma felicidade”, houve quem algum dia dissesse... Essa falta aguda, então, talvez seja também lembrança boa, feliz sentimento que se tem pelo que se gosta. E, no entanto, dói. Porque se espera próximo o que às vezes é distante, e a saudade que sentimos muitas vezes é a frustração do inconcluso, verdadeiro apenas na ânsia e na expectativa nunca concretizada.
Na minha manhã ficou a tua mudez e tua imponência, tua independência e desapego, tua distante indiferença. Em mim, a vontade de calar-me, suavemente não ser nada, na hipótese inútil de não mover-me mais, ter todo o tempo do mundo para remoer nossa impossibilidade e, apenas na minha hora, na que eu decidir que é a certa, finalmente sarar, aberto as coisas do dia já nascido, alto, que reivindica, insistente, a minha tão rara objetividade.
Mas amanhece e a vida não espera. Nem pelos lamentos, pelas lembranças, pelas expectativas frustradas, pelo medo, pela melancólica certeza do que é inevitável... nem ao menos pelo tempo de me recompor. É segunda feira e a tristeza tem hora, uma outra que não essa: o tempo, hoje, é do trivial, do prático. É preciso sair, trabalhar, seguir com os horários, os compromissos; mesmo sem planos, mesmo inapto, mesmo naquela vontade inconsolável de não acordar, ficar quieto, ouvir mais uma musica, pensar mais um pouco, negar tudo um pouco, infantil, intransigente. Mas é segunda feira, e então mesmo que chova, mesmo com a incongruência de uma cidade que não abarca tudo que desaba nesta manhã, é uma vez mais a mesma roupa passada, o mesmo ônibus, as mesmas horas, a mesma paciência fingida. Há, no entanto, por sob tudo, o subtexto da certeza que corre fina pelos meus olhos e me aponta o que está por vir. Portanto, embora eu saiba que hoje nada se espera, haverá ainda a noite, as minhas verdadeiras horas, essencialmente inúteis, e é na necessária confusão destas que verdadeiramente me abrigo, penso um pouco e, aos poucos, cansado, esqueço o dia.

2 comentários:

Da Mata disse...

Minha identificação com o post foi total, triste e consciente.
Será que existe algum verso que resuma a tristeza que se sente diante do impossível... e pior, diante do previsível?

fabio disse...

Tu sabe, ne, Natha? Tu sabe...