domingo, março 08, 2009

bem-vindos ao deserto do real

Aluguel temporário de apartamentos definitivamente é coisa para turista gringo. Os preços estão sempre em dólar e as imobiliárias têm exigido uma comissão abusiva que corresponde ao valor de um mês de aluguel. A coisa fica assim inviável: vivemos três meses aqui e pagamos quatro, mais um depósito também no valor de um mês de aluguel que serve como garantia contra qualquer dano causado à propriedade e que será supostamente devolvido ao final. É desse modo que qualquer vislumbre do que seria uma boa oportunidade acaba tão logo a gente senta a bunda na cadeira das corretoras.

Nas andanças, conhecemos uma senhora estranha chamada Lida que apresenta nuances e variações no humor que me deixam perplexo e a fazem parecer um ser quase lynchiano. Nas duas vezes em que estivemos em seu escritório, dirigiu-se a nós de forma muito amável, conversou muito, falou dos filhos que vivem no Brasil, esforçou-se - junto com seu funcionário bonachão e também meio absurdo, Pancho - para encaixar-nos em alguma boa oferta. Empenhou-se, enfim, em demonstrar uma compaixão para com a nossa situação peregrina e ansiosa. Não obstante, tão logo visitamos os apartamentos e demonstramos interesse pelos mesmos, Lida revelou-se uma negociadora voraz, expondo condições, desfiando cálculos e tomando nota de nomes e dados relativos a documentos com a clara intenção de começar a redigir contratos. Desatou a falar em datas e mesmo em depósitos de reserva com uma velocidade inadmissível. Como não somos (tão) bestas, nas duas ocasiões tivemos tempo de ensaiar uns cálculos em meio ao falatório todo e perceber a inviabilidade da operação para o nosso orçamento.

Com a nossa recusa, declinando da operação, nas duas vezes a fala de Lida subitamente se transmutou, assumindo um traço exagerado de acidez e de abuso no seu tom de voz supostamente maternal, enquanto ela nos dizia, vingativa como uma matriarca que se ressente pelo não-reconhecimento dos seus esforços, que fazia tudo que era possível e que nós é que diríamos se seria suficiente ou não. Depois da fala agressiva, em uma segunda mudança repentina de tom ela se despediu e nos convidou a voltar, colocou-se à disposiçao e nos deu um beijo "afetuoso" enquanto nos dirigíamos à saída para recomeçar - do zero - a nossa busca. Embaixo do tampão de vidro de sua mesa, pudemos ver por diversas vezes o recorte de um quadrinho de jornal onde o personagem dizia: "la realidad no es responsable por la pérdida de sus ilusiones". Lida, afinal, tem um senso de humor sutilmente perverso e sentencioso, um comportamento que me pareceu tão opaco e ambivalente quanto tudo mais o que tenho visto por aqui.

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