quarta-feira, julho 02, 2008

interstício

O mês de julho me encontrou assim naquele estágio que a gente fica às vezes e para o qual a única coisa que eu encontro e que seja capaz de descrevê-lo é aquela palavrinha em espanhol lida outro dia: duermevela. Algo assim como uma semivigília: a pessoa permanece suficientemente consciente do entorno, mas sem a força ou a autodeterminação que só a mente desperta permite. As coisas acumulam-se - começadas apenas pelo ímpeto vazio de serem começadas - causando aquele efeito de escombro e sucata na nossa rotina que pode ser literal ou simplesmente figurativo.

Três romances, três leituras não-terminadas, outros tantos livros de teorias e ensaios lidos somente até a metade (ou pouco menos) mais um sem-número de outros ainda por começar, e por fim - e ainda mais importante - um texto a escrever travando logo no início. Um texto que não avança porque parece que tudo que possa ser escrito é multiplicação desenfreada de signos dispensáveis – e já há tantos!

As sensações que dizem respeito a questões mais propriamente pessoais, não-produtivas, não são menos desanimadoras: ressaca emocional e abuso completo. Da cidade, da gente e das coisas daqui que eu sei que são todas ótimas, mas que por enquanto só despertam desconforto. Foi Clarice que disse que todo lugar é lugar e o que mais importa é ser você mesmo, onde quer que seja? Bom, acho que isso significa que não adianta levantar o acampamento pra vizinhança mais próxima e esperar com isso encontrar algum tipo de graça. De qualquer forma, esse acampamento aqui não irá muito longe tão cedo. E mesmo todas as coisas mais promissoras à vista – viagens em breve, pessoas a reencontrar, histórias por acontecer – não parecem merecer sequer uma manifestaçãozinha mais efusiva. (Nem o cinema tem sido um refúgio que pareça funcionar como antes).

Que mofo! Mas eu bem sei, embora não possa garantir, que é nessa hora em que se inventa um pensamento bem bom ou o plano mais infalível ou a brincadeira mais maligna e arriscada pra conseguir colorir essas horas feíssimas.


Para ouvir:
Here (Doctor L remix) – Salif Keita Remixes from Moffou

Um comentário:

Anônimo disse...

*medo* da brincadeira...