domingo, janeiro 08, 2006

canclini

“Há duas maneiras de interpretar o descontentamento contemporâneo provocado pela globalização. Alguns autores pós-modernos se concentram nos setores em que o problema não é tanto a falta, mas o fato de o que possuem tornar-se a cada instante obsoleto ou fugaz. Analisaremos esta cultura do efêmero quando nos ocuparmos da diferença de atitude entre espectadores que selecionavam os filmes pelo nome dos diretores e dos atores, pela sua situação na história do cinema, e videófilos interessados unicamente em estréias. Muito do que é feito atualmente nas artes é produzido e circula de acordo com as regras das inovações e da obsolescência periódica, não por causa do impulso experimentador, como no tempo das vanguardas, mas sim porque as manifestações culturais foram submetidas aos valores que ‘dinamizam’ o mercado e a moda: consumo incessantemente renovado, surpresa e divertimento. Por razões semelhantes a cultura política tornou-se errática: desde que se tornaram raros os relatos emancipadores que viam as ações presentes como parte de uma história e procura de um futuro renovador, as decisões políticas e econômicas são tomadas em função das seduções imediatistas do consumo, o livre comércio sem memória de seus erros, a importação afobada dos últimos modelos que nos faz cair, uma e outra vez, como se cada uma fosse a primeira, no endividamento e na crise da balança de pagamentos.
Uma visão integral, porém, deve dirigir o olhar em direção aos grupos em que se multiplicam as carências. A maneira neoliberal de fazer a globalização consiste em reduzir emprego para reduzir custos, competindo entre empresas transnacionais, cuja direção se faz desde um ponto desconhecido, de modo que os interesses sindicais e nacionais quase não podem ser exercidos. A conseqüência de tudo isto é que mais de 40% da população latino-americana se encontre privada de trabalho estável e de condições mínimas de segurança, que sobreviva nas aventuras também globalizadas do comércio informal, da eletrônica japonesa vendida junto a roupas do Sudeste Asiático, junto a ervas esotéricas e artesanato local, em volta dos sinais de trânsito: nesses vastos ‘subúrbios’ que são os centros históricos das grandes cidades, há poucas razões para se ficar contente enquanto o que chega de toda parte se oferece e se espalha para que alguns possuam e imediatamente esqueçam.”
Trecho do livro “Consumidores e cidadãos – conflitos multiculturais da globalização”, de Nestor García Canclini

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