terça-feira, dezembro 18, 2007

do apego

Porque eu não aprendi a perder assim. O que eu sempre quis e não tive era tão abstrato, imaterial, que se tornava muito fácil, depois de um tempo, depois da vontade, rejeitar como ilusório ou mero engano. Mas – e este é o perigo das experiências concretas – neste específico caso eu pensei que era tudo tão certo e se encaixava tão perfeitamente, mostrando-se tão melhor ou mais bonito do que eu poderia esperar, que fui insistindo, acreditando, até um ponto em que estava depois do jogo, fora do fato, sem perceber que me transformava no vilão psicopata que continua negando, insistindo, fingindo esquecer que faltava algo - uma outra vontade, a exata contrapartida da minha. E então para negar a derrota eu inventei defeitos, chamei de ordinário, fútil e desleal ao que era absolutamente correto. Acusei de narcisismo sem perceber que apontava para o meu próprio reflexo. Evoquei Nêmesis para punir os excessivamente afortunados, sem saber que era a mim que poderia ser cobrada a fatura. Mas foi quando eu vi que tudo que eu fazia só piorava a situação, só me tornava mais errado e indigno, que algo estalou por dentro e vi que era hora de deixar pra lá...

“And the hardest part
Was letting go not taking part
Was the hardest part

And the strangest thing
was waiting for that bell to ring
It was the strangest start

I could feel it go down
Bittersweet I could taste in my mouth
Silver lining the clouds
Oh and I
I wish that I could work it out”

E quando uma amiga me falava de apegos materiais desmedidos, perguntei ansioso a respeito daqueles que se apegam a sentimentos, mesmo os mais inapropriados, reconhecidamente fadados a decair. Sua resposta não poderia ser mais correta. “Porque talvez elas tenham medo de não ter nada o que colocar no lugar...” E então acho que é nessa hora que eu recorro ao meu lado mais antiquado, old-fashioned, e sinto uma nova vontade, incipiente (talvez um pouco encenada, não sei, mas, afinal, não somos nunca perfeitos...). Let it go! Melhor desejar uma bonita e duradoura felicidade a quem - suponho agora, mais amolecido - deve merecer o melhor.


Para ouvir:
The hardest part- Coldplay


p.s. E pesquisando um pouco sobre sentimentos old fashioned na internet (hahaha), achei um blog em que uma garota postava simplesmente assim: “Eu nunca sei a hora de bater em retirada”. Pois bem, este é o nosso consolo no mundo: sempre existem outros como nós. =)

p.s.2 Botei pra quebrar agora: pieguice máxima. Mas dêem um desconto: é fim de ano, o blog também precisa ser purificado, então estou "dando um fechamento" às coisas mais melosas de 2007. Bom, pelo menos o blog que citei é mesmo ótimo!

domingo, dezembro 02, 2007

previsões levemente imprecisas

Acho que está para ser feito o inventário dos costumes de previsão e destino aos quais vez por outra recorrem até as mais céticas das criaturas. Eu confesso que acho engraçado ler horóscopo de jornal - embora raramente o faça, de fato -, talvez por seu caráter assumidamente lúdico. É como se a exatidão, a pretensão e a especificidade que são próprias à idéia de profecia (penso que, por definição, a profecia tem de ser específica e bem direcionada para que seja minimamente crível) encontrasse a aleatoriedade dos jogos de palavras e sentenças combinadas. Que sorte caiu para o signo de escorpião, hoje? Uma versão, reconheço, já meio fora de moda da hoje mais pop today's fortune orkuteana. A lógica, no entanto, é a mesma: uma aleatoriedade brincando de acertar a seqüência dos fatos; um remendo (forçado) de destino brincando de antecipar o acaso. Pois bem: os escorpianos do mundo todo devem estar em um de seus dias menos nublados. Afinal, vejamos:

Vênus transita pela sua casa de mundos ocultos, segredos e labirintos, trazendo com a sua luz suave, paz e calma para os lugares mais penumbrosos do seu psiquismo. Vitória da Bela sobre terríveis dragões das dores e ressentimentos, vitória da calma sobre furiosas angústias.

Transcrita a mensagem dos astros, posso chegar enfim à justificativa de por que raios eu resolvi falar de um tema desses! Foi não apenas pelo tom místico e kitsch da linguagem exotérica - que às vezes se torna até engraçado - mas, acima de tudo, por esta pérola: "os lugares mais penumbrosos do seu psiquismo"(!)

No quesito assunto, acertou em cheio! Se tem alguma coisa que tem tomado o primeiro plano e se tornado o centro dos conflitos, atenções e interesses nestes últimos tempos são esses tais lugares penumbrosos, que definitivamente emergiram com seus temas, emoções e sentidos, trazidos todos à luz. Na minha previsão, no entanto, a luz não assume contornos tão bonzinhos: a última coisa que deixa é calma e traquilidade.

Dores, resssentimentos, furiosas angústias. Uau! Dessa vez posso dizer que me li no horóscopo estilo "filosofia- gráfica-rápida" do jornal de domingo. No entanto, tenho a impressão de que foi outra coisa o que Vênus trouxe para essa cabecinha penumbrosa. Quero dizer: o astrólogo acertou o objeto, mas errou feio na previsão.

segunda-feira, novembro 26, 2007

em duas linhas

"É no tempo-espaço da deriva urbana que reside o nosso tanto de adolescente permanente".
Ítalo Moriconi

quarta-feira, novembro 21, 2007

reel around the fountain

Mais uma do momento "songs that saved your life"...

"It’s time the tale were told
Of how you took a child
And you made him old

It’s time the tale were told
Of how you took a child
And you made him old
You made him old

Reel around the fountain
Slap me on the patio
I’ll take it now
Oh ...

Fifteen minutes with you
Well, I wouldn’t say no
Oh, people said that you were virtually dead
And they were so wrong

Fifteen minutes with you
Oh, I wouldn’t say no
People said that you were easily led
And they were half-right
They ... oh, they were half-right"

The Smiths

sábado, novembro 17, 2007

o movimento contrário

Eu admiro a integridade dos bichos que, quando doentes ou machucados, recolhem-se em um cantinho para lamber suas feridas. Mas não sei se por inexperiência, ansiedade ou mesmo por pura falta de jeito, sempre me sobra uma necessidade inconveniente de explodir aos olhos dos outros. Talvez pela pura impossibilidade de me conformar com o fato de que minha tristeza seja ignorada. Talvez pela recusa a simplesmente implodir e ter de arcar sozinho com este fardo: ser parte dos espólios e resíduos que representam aqueles que de algum modo não deram certo. Como naquela música do Ave Sangria em que o sujeito, em seu último ato de alegria perversa, ateia fogo ao próprio corpo, causando horror aos transeuntes. “Dorido, dolorido, colorido e sem razão. Ou não”.

(Mas quem, nessa época de grandes tragédias, ainda se admiraria com uma pequena e inócua explosão?).

Só sei que, talvez por isso, resta a incômoda necessidade de fugir de casa como quem foge do apagamento, como quem insiste e aposta – embora sabendo, de antemão, da derrota – no que a bagunça das ruas poderia trazer. Mas o movimento para fora é só uma muleta - artifício de bicho desprovido de sua virtude instintiva - que, com algum esforço, talvez se possa descartar. Porque, parafraseando uma outra música, Recife não mora mais em mim, e a cidade agora sequer me seduz com suas promessas.

Creio que finalmente desistimos um do outro.

quarta-feira, novembro 07, 2007

preguices de fim-de-semana

Uma leitura (muito) aberrante

No site da Prefeitura do Recife, a notícia era: Mês do servidor é encerrado com grande festa.
Eu, enquanto falava no msn, li: Mãe do servidor é enterrada com grande festa.

Ainda bem que não cheguei a perder muito tempo pensando porque a coitada da velha era tão odiada...

Uma questão de ênfase ou redundância

No cinema, pouco antes do início do filme:
- Ceci, você já colocou o celular no silencioso?
- Já! Mas peraí, vou colocar mais...
- ???

sexta-feira, novembro 02, 2007

o observador (des)atento

Eu gosto de ficar espreitando as coisas, para esperar que elas aconteçam. É um erro, eu sei. Em todos os aspectos. Mais fácil seria ficar despreparado, fazer-se de desentendido, como quem não está vendo, como quem mal sabe que algo pode acontecer, lalalala... Mas que posso fazer se eu, sempre em vigília – embora ao mesmo tempo, contraditoriamente distraído – estou sempre esmiuçando tudo, escondendo-me nos cantos, pronto para armar o flagra – ahá! – que, no entanto, nem sempre acontece...

Mas, quando se realiza, que discreto prazer nos dá! Até as coisas mais insignificantes, quando acompanhadas desde seu vir-a-ser até o posterior e merecido esquecimento, e quando percebidas em todos os seus detalhes, têm sua graça: um comentário, uma mensagem qualquer, um encontro entre terceiros do qual não participo - quando descobertos não com ajuda do pressentimento, mas pelo puro esforço incansável e doentio de desvendar a ação obscura dos fatos e revelá-los. Na verdade, qualquer insight ou manifestação de sexto sentido se chamaria outra coisa; teria outra graça e outro mérito. Que fique claro, então: o sucesso de um observador obsessivamente atento, é disso que falo agora.

No entanto, como falei em contradição, reafirmo agora que o paradoxo está posto: ansioso pelo tecido de ações que vai descobrir, o observador acaba por cair em delírio fantasioso, sonhando com o que vai encontrar. Eis quando a surpresa dá a volta e o pega desprevenido, mostrando-se, como sempre, muito diferente. Ridicularizado, então, fica o observador desatento e suas manias. Bem feito. Normal é que isso não é...

segunda-feira, outubro 15, 2007

agora é assim...

... à maneira dos (desde sempre) deslocados.

"Take me out tonight
Where there's music and there's people
Who are young and alive
Driving in your car
I never never want to go home
Because I haven't got one anymore

Take me out tonight
Because I want to see people
And I want to see life
Driving in your car
Oh please don't drop me home
Because it's not my home, it's their home
And I'm welcome no more

And if a double-decker bus
Crashes into us
To die by your side
Is such a heavenly way to die
And if a ten ton truck
Kills the both of us
To die by your side
Well the pleasure, the privilege is mine..."

There is a light that never goes out, The Smiths

sexta-feira, outubro 12, 2007

o dentro e o fora

Sensação semelhante deve haver experimentado o primeiro ser que, depois de muita estranheza, descobre-se forasteiro, à margem do seu hábitat. E qual não é a surpresa e a perplexidade ao constatar que durante tanto tempo esteve em caminho absolutamente errado, aprendendo a acostumar-se, apesar das suspeitas, e perguntando-se: mas seria só isto mesmo, a vida?

Não que a iluminação duvidosa tenha de súbito resolvido o problema. O hábitat é delineado por sólidas paredes de vidro e resta saber – questão de ponto de vista – se ele próprio seria alguém dentro do aquário, sonhando com o ambiente em que respiraria pela primeira vez de acordo com as possibilidades de sua natureza mamífera, ou se estaria até o presente momento fora da redoma, sonhando adentrar este pequeno mundo e desempenhar o papel do feliz peixe, preenchendo o minúsculo e prazeroso espaço em desajeitadas voltas.

Cedo ou tarde, no entanto, o problema pode se mostrar despropositado ou insolúvel: no fim das contas, dos dois lados do vidro parece haver sempre

o mesmo aquário.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Palavras de incentivo (?!)

“Sabe quando você tem, assim, umas dezessete Gisele Bündchens e então resolve apostar as suas fichas em uma, digamos, Nair Belo? Pois é, neste caso fez toda a diferença”.

Frase dita por uma pessoa em um sonho que tive esta noite.

E fiquei pensando que talvez o primeiro passo seja a Nair reconhecer que nunca chegará a Gisele, e então ver o que pode fazer a respeito...

terça-feira, outubro 02, 2007

um post que resista...

Que há fases em que a gente está com uma persistente e prolífica necessidade de escrever, enquanto em outras nosso humor está nas ruas e nos gestos, mais do que nas reflexões, isso eu já sei faz tempo. Mas, entre uma e outra, parece cada vez mais claro que, por vezes, se forma uma zona nebulosa de transição, em que o sujeito acumula rascunhos, textos não-iniciados ou simplesmente insights que dificilmente resistem ao dia seguinte. No fim do último domingo, mesmo, eu tinha algo a dizer, mas que logo depois já parecia um pouco como aquela música do No porn, "o clima/ é dramático e fake/ fake fake fake..."
Nesse meio termo obscuro em que mal se vive e pouco de produtivo se pensa - mas que tampouco é de letargia, pois é meio como alguém esperando às 4 da tarde por algo que tem uma possibilidade de acontecer, mas que nem é dia, nem é noite, nem é certo que aconteça - acho que, enfim, nesse caso a única coisa que frutifica é a musica, que é como um concentrado de emoções que você começa a tomar logo cedo pra potencializar um monte de sentimentos que quer explorar até o fim, só pra ver aonde levam.
É como uma pílula que continuamos tomando: às vezes faz um bem danado, às vezes deprime, mas nos leva a algum lugar. A um novo insight, à letargia ou à rua.

Para ouvir:
Nouvelle vague - Heart of glass

quinta-feira, setembro 20, 2007

bessie smith

Minha companhia querida nestas últimas noites, antes de dormir...

sábado, setembro 15, 2007

na bolha

qual a distância entre o antes e o depois?

quarta-feira, setembro 05, 2007

voltando àquele assunto...

Creiam: eu vi no cinema, por esses dias, uma senhora encontrar e aniquilar o seu Outro - neste caso, um reflexo idealizado simpaticamente distorcido de algo perdido em um passado lírico (ou seria tempo paralelo imaginário?), tornado mais feliz pela distância. Foi uma linda solução pensada para esse embate terrível ao qual às vezes se reage com uma certa resignação ou auto-complacência. Mea culpa.

Esta, claro, é apenas uma interpretação muito pessoal dentre as muitas idéias e reflexões possíveis de se descobrir - ou criar - na película polissêmica de Cassavetes, Noite de estréia. Eu sei, tem toda aquela história da beleza, da chegada da velhice, do teatro – ah, que bonita forma de filmar o teatro! –, mas isso qualquer sinopse traz. Neste momento, o que mais me chamou a atenção mesmo foi a força e a vitalidade desta surra bem dada nas idealizações que oprimem e nas falsas correspondências “certas” com as quais a vida supostamente nos obriga. Saí do cinema pensando em quanto de responsabilidade nos cabe em (re)inventar nossa vida, ao invés de apenas aceitar o dever ser que cada idade, circunstância ou contexto social nos impõe como molde, como condição natural.

Bom, foi assim que o vi. E que maravilha quando um filme aparece em um determinado momento como uma espécie de interlocutor, como uma possibilidade de diálogo e uma resposta direta às reflexões mais persistentes do nosso momento presente! De qualquer forma, ainda pretendo revê-lo. Afinal, há muito a descobrir...

sábado, agosto 25, 2007

a prova dos nove

"If you sing when you're high and you're dry as a bone
Then you must realise that you're never alone
And you'll sing with the dead instead..."

terça-feira, agosto 21, 2007

under a blanket of blue

Recife está tão boazinha com suas chuvas, seu sucos de sabores exóticos, seus eventos fraternos, seus brigadeiros de ervas finas, seus cigarros, cafés e leituras noturnas, seus artigos e suas discussões foucaultianas ao telefone, suas madrugadas escrevendo, escrevendo, seu pó de guaraná e suas promessas, que eu até não me incomodo tanto com as outras coisas suspensas, esperando pra ver se vão acontecer... Que eu até penso que posso brincar de recém-chegado, achando que descobri como se inventa o cotidiano com as coisas que temos à mão...

terça-feira, agosto 14, 2007

a incitação aos discursos

“Desde o séc. XVIII o sexo não cessou de provocar uma espécie de erotismo discursivo generalizado. E tais discursos sobre o sexo não se multiplicaram fora do poder ou contra ele, porém lá onde ele se exercia e como meio para seu exercício; criaram-se em todo canto incitações a falar; em toda parte, dispositivos para ouvir e registrar, procedimentos para observar, interrogar e formular. Desenfurnam-no e obrigam-no a uma existência discursiva. Do singular imperativo, que impõe a cada um fazer de sua sexualidade um discurso permanente, aos múltiplos mecanismos que, na ordem da economia, da pedagogia, da medicina e da justiça incitam, extraem, organizam e institucionalizam o discurso do sexo, foi imensa a prolixidade que nossa civilização exigiu e organizou. Talvez nenhum outro tipo de sociedade jamais tenha acumulado, e num período histórico relativamente tão curto, uma tal quantidade de discurso sobre o sexo. Pode ser, muito bem, que falemos mais dele do que de qualquer outra coisa: obstinamo-nos nessa tarefa; convencemo-nos por um estranho escrúpulo de que dele não falamos nunca o suficiente, de que somos demasiado tímidos e medrosos, que escondemos a deslumbrante evidência, por inércia e submissão, de que o essencial sempre nos escapa e ainda é preciso partir à sua procura. No que diz respeito ao sexo, a mais inexaurível e impaciente das sociedades talvez seja a nossa”.

Trecho de A história da sexualidade I: A vontade de saber, de Michel Foucault

quinta-feira, agosto 09, 2007

a rave do crioulo doido

Eu quero que minha vida seja um mp3 player onde toque indiscriminadamente samba, electro, pop e também, claro, um pouco de wilson & soraya - pra relaxar, entende?

sexta-feira, agosto 03, 2007

a promessa

Todo mundo, sem que se possa identificar exatamente em que circunstâncias, no seio de que idéias, recebe da sociedade uma promessa. A imagem feliz e delirante de um momento, de uma fase ou uma vida – curta – na qual se brilha radiante com o descompromisso, com a fugaz libertação. The time of your life! If you get the chance

Os “quinze minutos de fama”, o “instante único”, as “pequenas epifanias”: não importa como se tenha chamado ao longo dos anos, este é o momento em que Sísifo larga a pedra e sente nos músculos o alívio transcendental de uma trégua possível, entre muitos sacrifícios. Não importa se profundo ou superficial, austero ou fútil, discreto ou chamativo, todo mundo já sonhou com um desprendimento assim, esse “não levar-se a sério”, esse “se jogar”, e lamentou o não-cumprimento da promessa, perguntando-se o que deveria ser feito; que despojamentos seriam necessários; que ingenuidades, esquecimentos ou desconhecimentos seriam exigidos para o indivíduo que aspira à leveza, a ser raso e imediato como são os prazeres mais passageiros. (Quanta coisa que se exige não saber ou esquecer para alcançar a leveza fútil!).

De longe, calado, o indivíduo convive com a imagem terrível desta promessa não-cumprida, escravizado que se torna por um modelo impossível, ferido pelo estereótipo que é inalcançável, porque é sempre apenas uma parte da verdade – a mais fácil, a mais visível.

terça-feira, julho 31, 2007

duas perdas

Quando ouvi hoje pela manhã a notícia do falecimento de um grande diretor de cinema, pensei logo que se tratava ainda de mais uma nota sobre a morte do diretor sueco Ingmar Bergman, ocorrida ontem. Logo vi, no entanto, que a coisa era pior: Antonioni também saiu de cena hoje. Claro que eu não vou aqui fazer a linha da "comoção pública" tão comum na ocasião da morte de grandes ídolos. Até mesmo porque o tom não cabe neste caso.

Mas é tocante, sim, a morte dos dois, não apenas porque eram dois diretores pretensiosos, abusados e que se interessavam por temas difíceis e universais – e, portanto, parte de uma espécie em vias de extinção - mas, particularmente no caso de Bergman, por se tratar de um homem que sempre pensou com tanto interesse a vida e a morte.

Bom, acho que o melhor que me ocorre hoje é relembrar uma cena que está sempre presente em minha cabeça: a atriz Elizabeth Vogler, estarrecida, sem palavras, observando na televisão a cena de um manifestante atear fogo ao próprio corpo, em plena rua. A atriz muda, o diretor mudo. Diante de alguns fatos, diante da vida, da realidade, a arte se cala. A única coisa que existe é a perplexidade. A atriz que encara o mundo e, diante dele, não tem palavras, é uma representação imagética certeira para como muitos de nós nos sentimos diante de fatos inomináveis. Neste sentido, posso dizer que Bergman traduziu em imagens nosso desatino.

Depois de Persona, eu nunca mais vi filmes da mesma forma. E só por este, acho, Bergman já pode ser considerado um gênio. Mas ele fez muito mais. Afinal, ele era mestre em evocar sentimentos e atmosferas densas em seus filmes. Quem duvida, basta ver Gritos e sussurros. O sofrimento da mulher que agoniza e a angústia dos familiares que têm um parente morrendo len-ta-men-te, para um espectador mais sensível, que se deixa envolver, chega a ser insuportável.

Poucos como ele nos mostraram como traduzir idéias em imagens. Ele prescindiu das palavras em muitas cenas antológicas, embora também soubesse usá-las, como poucos, nos diálogos carregadíssimos de seus filmes. E no repertório visual que deixou como seu maior legado, claro que há uma imagem certeira para o dia de hoje: a dança da morte, onde aqueles que chegaram ao fim de sua partida de xadrez vão embora, de mãos dadas, rumo a algo que ainda não conhecemos. Ainda.

Nossa, fui funesto, agora, hein? É a influência desse velho sueco.

quarta-feira, julho 25, 2007

como diria a regina...

O que é a sem-vergonhice e o descaramento de um ser humano, não é mesmo, minha gente?

sexta-feira, julho 20, 2007

indivíduos desconexos

“Nas sociedades industrializadas, urbanizadas e densamente habitadas, os adultos têm muito mais oportunidade, bem como necessidade e capacidade, de ficar sozinhos, ou pelo menos de ficar a sós aos pares. Escolher por si entre as muitas alternativas é exigência que logo se converte em hábito, necessidade e ideal. Ao controle do comportamento pelos outros vem juntar-se um crescente autocontrole em todas as esferas da vida. E, como não raro acontece, os atributos da composição humana positivamente avaliados na escala de valores sociais são estruturalmente vinculados a outros que recebem avaliação negativa. Um desses atributos do lado positivo é o orgulho que têm as pessoas altamente individualizadas de sua independência, sua liberdade e sua capacidade de agir por responsabilidade própria e decidir por si. Por outro lado, temos seu maior isolamento mútuo, sua tendência a se perceberem como dotadas de um eu interior inacessível aos outros, e toda a gama de sentimentos associados a essa percepção, como a sensação de não viver a própria vida ou a de uma radical solidão”.

...

“Lado a lado com o desejo de ser alguém por si, ao qual a sociedade dos outros se opõe como algo externo e obstrutivo, frequentemente existe o desejo de estar inteiramente inserido na sociedade. A necessidade de se destacar caminha de mãos dadas com a necessidade de fazer parte”.


A sociedade dos indivíduos, Norbert Elias

quinta-feira, julho 19, 2007

do outro lado da linha

- Hola?
- Silvia Prieto?
- Soy yo, quién habla?
- Silvia Prieto.

...

quinta-feira, julho 05, 2007

nêmesis equivocada

Pelo que consta nos escritos, Nêmesis foi encarregada de punir Narciso. Bom, ainda não entendi se ela está do meu lado ou contra mim, afinal. Devo ter receio ou comemorar?

domingo, julho 01, 2007

contrariando o tom

Vou te contar, viu? Parece que sempre é bem mais possível ser feliz sozinho.

quinta-feira, junho 28, 2007

adeus, autismo

pronto, me arretei! o blog agora está horrível, mas pelo menos - eventualmente - comentável. algum dia descubro como melhorar isso.

terça-feira, junho 26, 2007

o Outro invertido

Algum dia eu conto aqui a história de um indivíduo que encontrou o seu Outro – não o seu complemento, um correspondente harmônico, mas um Outro cruel, espécie de espelho invertido mostrando-lhe tudo que ele não poderia ter ou ser. Um Outro polimorfo, sem rosto definido, pulverizado, fragmentado, líquido, fugidio, mostrando-se em pequenos detalhes e grandes recorrências. Um Outro absurdamente falso e estereotipado que é capaz, no entanto, de causar as angústias mais verdadeiras, apenas pela menção de sua possível existência.

Um dia eu conto essa história. É, sem dúvida, uma história apaixonada: permeada de ressentimento, negação e esperas frustradas, mas também cheia de uma irrefreável tentação.

sábado, junho 23, 2007

embaços de sábado à noite

elevator beat disse:
tô aqui escrevendo e baixando música do pink floyd

amandita disse:
hahahaha

elevator beat disse:
minha maior alegria na noite de são joão vai ser na hora da pausa do artigo ir ouvir música

amandita disse:
e a minha vai ser ir atrás de uma canjica

amandita disse:
mas só :(

elevator beat disse:
hahahaha

elevator beat disse:
minha irmã deixou uma pamonha pra mim :/

amandita disse:
vou ver se eu vejo algum filminho...

Eu sei, eu sei, não tem graça. Mas a questão é justamente essa. Depois de hoje eu decidi que vou fazer um pacto de sangue (comigo mesmo) pra nunca mais deixar nada nessa vida pra última hora.

quarta-feira, junho 20, 2007

a arte derrubando preconceitos

Em 1999, Almodóvar nos apresentou a Agrado, um travesti dedicado e amoroso cuja missão a que se tinha atribuído na vida havia sido “agradar as pessoas”. Em um momento, Agrado rouba a cena, literalmente, ao aproveitar o espaço de uma apresentação teatral cancelada para mostrar que realmente ela tinha algo a dizer. Narrando a história de sua vida, o cuidado em apresentar cada uma das modificações corporais pelas quais passou, cada pequena intervenção cirúrgica realizada, era muito mais do que mera demonstração orgulhosa do que lhe proporcionava grande felicidade e satisfação. Significava, acima de tudo, que era impossível compreendê-la ignorando este percurso pelo qual ela, como muitas outras pessoas, intransigentemente vão ao encontro de si, constroem suas identidades e atribuem sentido às suas vidas. Clara, assim, ressoa a frase final de sua apresentação: "como dizia, sou uma mulher muito autêntica. Porque mais autênticos somos quanto mais parecemos com aquilo que sonhamos".

Com esta afirmação, Agrado diz muitas coisas. Primeiro, que a auto-determinação humana passa, sem dúvida, por um processo de conhecimento do próprio corpo, e que as identidades - sejam culturais, sexuais, políticas - são construídas e reconstruídas neste processo de emancipação, de afirmação das diferenças e de reconhecimento. É, em suma, uma criação. Ensina-nos também, então, que os argumentos tolos de que tais comportamentos e sexualidades não seriam naturais ignoram algo intrínseco ao ser humano: sua condição como um ser cultural, que desde seu surgimento (ao menos na forma como é concebido hoje pelas ciências humanas) está entendido e reconhecido como um ser que transforma a realidade, que age sobre a natureza e a transcende de muitas formas - seja por sua religião, suas crenças, seus hábitos, seu labor. Negar a legitimidade destas sexualidades múltiplas e que reconfiguram as noções de gênero é atribuir aos homens e mulheres uma condição menos que pré-histórica - afinal, desde lá o homem já transformava seu entorno, já produzia arte e significado sobre as coisas do mundo. Significa ignorar que a sexualidade, o desejo, o prazer, são subjetivos e, como tais, envolvem sentimentos, valores e experiências. Nem a estreiteza do determinismo biológico, nem a ingenuidade da consciente e voluntária “opção”: sexualidade, corpo e prazer são elementos indissociáveis à própria trajetória de uma vida e, como vida, nem sempre controláveis – embora de modo algum pré-determinados.

Agrado evoca a dimensão do sonho para nos falar do valor de – mesmo sob as condições mais adversas e contra as forças normalizantes – se tornar aquilo que se é. E, com este filme, Almodóvar nos ajuda a entender um pouco melhor esta outra perspectiva, nos mostra o autêntico e o sensível e nos comove, ao mesmo tempo em que nos faz pensar nas dificuldades e cicatrizes deixadas por este percurso que envolve, quase sempre, um enfrentamento direto com mentes que anseiam pelo homogêneo e, em suas limitações e abusos, oprimem e combatem as diferenças. Permitindo-nos conhecer o ponto de vista de Agrado, fazendo-a subir ao palco e contar sua história, a arte nos propicia este reconhecimento. Subverte, dando voz aos desvios, e mostra a legitimidade das motivações que justificam o silicone. Com isso, derruba alguns preconceitos.

Levando esta proposta bem mais longe, os atores do Coletivo Angu de Teatro sobem ao palco para falar diretamente à “sociedade recifense” com a peça Ópera. Na contramão dos muitos discursos que procuram obstinadamente combater o preconceito a partir da negação dos estereótipos e da defesa da igualdade, da idéia de que o homossexual deve “ser aceito e reconhecido como qualquer outro ser humano”, a proposta do espetáculo assume uma estratégia bem diferente. Contra a postura do politicamente correto que acaba por resvalar em opiniões pseudo-tolerantes mas que travestem um ímpeto inegavelmente homogeneizador – do tipo “ele é gay, mas é discreto” – Ópera escancara sua bichice e sobe ao palco munida de plumas, cores, sungas vazadas e salto alto para subverter moralismos a partir de uma diferença não-pasteurizada, não-diluída, e por modos de vida pautados por valores, relacionamentos e estéticas que não se enquadram no hegemônico. Modos de vida permeados por dores, adversidades, solidões e desencontros - como tantos - mas também de certo modo mais alegres, mais irreverentes: mais gay.

Resumir a peça à temática homoerótica seria reduzi-la. As formas a partir das quais as histórias nos são contadas apresentam em si um grande atrativo, ao trabalhar esteticamente as linguagens da radionovela, da fotonovela, da telenovela e da ópera. Difícil, no entanto, não se deter à questão da sexualidade, seja pela temática comum aos contos encenados, pela concepção estética do espetáculo, pela ênfase em assuntos comuns a este universo ou mesmo a forte presença do sexo – falado ou encenado – no palco. E, neste âmbito, a atenção especificamente voltada, em muitos momentos, para as questões do corpo e como ele está relacionado à construção das identidades pode-se justificar pelo fato de que talvez poucos estejam tão suscetíveis à crítica, à discriminação e marginalização quanto aqueles que não apenas se dedicam a práticas sexuais não estabelecidas pelo cânone como também sua própria auto-afirmação passa pela reconfiguração de seu corpo, e cuja vivência plena depende dessa corporeidade cambiante.

Assim, Pedro quer ser Petra e se reconhece como mulher desde criança, não obstante alguns “detalhes” de sua anatomia e a complicação que tal situação assume na chegada da puberdade. O que, para ele, seria a confirmação de sua feminilidade, chega de forma inusitada mas, ainda assim, torna-se motivo para uma alegria radiante. Do mesmo modo, a participação de Andrea Close cantando “we are beautiful, no matter what they say” deixa claro esta satisfação, esta felicidade subjacente à capacidade de conseguir emancipar-se ao ponto de, enfrentando a intolerância, dar ouvidos primeiramente à vontade obstinada de ser “plena”. Sentido semelhante assumiria, a propósito, o bordão “sou bela e feminina”, brincadeira afetada e recorrente do Las bibas from Vizcaya, um outro projeto que busca - nesse caso tendo como principal ferramenta a internet – associar uma estética do grotesco, do exagero, da subversão e da celebração gay ao universo midiático da música eletrônica e do ciberespaço.

A síntese das conexões (e até mesmo quebra) entre esta dualidade homem-mulher está representada no momento do espetáculo em que um ator apresenta um número musical com a técnica bastante conhecida e comum de promover um corte em sua caracterização, assumindo em um dos lados do corpo o cabelo, a maquiagem e a roupa de uma mulher e, no outro, os traços de um homem. A alternância dos lados de acordo com a música – quando o homem canta, quando a mulher canta – no melhor estilo “duetos” desemboca em um momento no qual o ator, virado frontalmente para a platéia, apresenta a um só tempo os dois lados diferentemente caracterizados, enquanto as vozes se sobrepõem no clímax da canção. Bastante significativo, pois deixa de haver alternância: são homem e mulher em um só corpo, e como papéis representados pelo mesmo homem/ator.

Mas nem tudo é tão simples. Não se trata apenas de inverter os valores, convocando a sociedade para uma apoteose do travestismo e da afetação. Recorrer a isso seria cair em um erro comum a muitos “militantes da causa” de simplesmente reconstruir os discursos sobre a sexualidade preservando sua pretensão totalizante. A relevância da peça consiste justamente em dar visibilidade a essa ampla gama de sexualidades possíveis. Não se trata de clamar pela supremacia gay: significa, antes, colocar essas categorizações em cheque.

Lembremos Madame Satã, a grande obra de Karim Ainouz. Em determinado instante, o personagem-título brada: “sou bicha porque quero, e não deixo de ser homem por isso”. Negar ao indivíduo que se interessa por pessoas do mesmo sexo a possibilidade de afirmar-se enquanto homem é um efeito ideológico comum. Seguindo esta linha de raciocínio, ser homossexual, bissexual ou afins implicaria renunciar à masculinidade. Mas, repetimos, nem tudo é tão simples. O elogio à discrição não poderia ser simplesmente combatido com a louvação ao estardalhaço, e Ópera não ignora este ponto. Logo após a performance da transexual Andrea Close, os atores que anteriormente haviam povoado o palco em cima de saltos e cobertos de plumas retornam ao mesmo e se despem, desfazendo-se de seus apetrechos, para vestir suas roupas - cada uma com seu estilo, mas todas perceptivelmente “masculinas”, ou seja, remetendo ao vestuário que, como elemento simbólico, representa este gênero. O próprio ato de despir-se e vestir-se frente ao público remete a esta questão das identidades, à construção de papéis socialmente compartilhados, como estes são assumidos, trabalhados e combinados em cada indivíduo. A mensagem parece indubitável: podemos ser mulheres, podemos ser homens, e podemos também ser muitas outras coisas além disso. Assim, a contemplação de sexualidades “fora dos padrões” não necessariamente implica uma renúncia à identidade masculina; pode, antes, estendê-la, reconfigurá-la, transbordá-la. Do mesmo modo, a explicitação de uma cultura e um modo de vida gays não precisa descambar para o exotismo, para a encenação ridicularizante, desumanizadora, que desrespeita as nuances. Neste sentido, o espetáculo é político, se posiciona. O que rejeita, na forma como se coloca, é a reverência com que se cultiva, em outros espaços e com certas idéias limitadoras, a “seriedade”, a sisudez.

Como dito, trata-se antes de colocar as categorizações em cheque. Sabemos que há um amplo impulso social para a explicitação das práticas sexuais – vide o empenho de Foucault em estudar os processos e mecanismos pelos quais se dá a incitação aos discursos – e que a “vontade de saber” convoca os indivíduos a “dizerem a sua verdade”, embora, para tanto, sejam levados a definir-se a partir dos termos socialmente estabelecidos. Assim, são enquadrados em categorias rígidas e atomizadas, nas quais as subjetividades são reduzidas às concepções vagas, homogeneizantes e questionáveis do que implicaria ser heterossexual, homossexual, bissexual. Os próprios movimentos que tratam desta questão parecem ter-se dado conta disso, uma vez que o que era gls virou lgbtt – e tudo leva a crer que novas letrinhas venham somar-se as já “categorizadas”.

Talvez se trate menos de escolher as letras – ou, o que é pior, alinhá-las em uma sigla, por “ordem de prioridade” – mas conceber a discussão da diversidade realmente a partir desta idéia, a diversidade, ou seja, vendo-se cada indivíduo como único, múltiplo, e admitindo que, embora seja reconhecida a importância dos movimentos aglutinadores, estes não podem perder-se em seu discurso e, na ânsia de combater preconceitos, reproduzir uma “ética heterossexual” – recorrendo a uma outra idéia de Foucault - com um discurso invertido, de defesa intransigente da estética do arco-íris. A favor desta concepção mais sensível das subjetividades que compõem a sexualidade, recordemos que algumas formas de vida socialmente rechaçadas no passado hoje são mais bem aceitas e que o que hoje é tabu amanhã poderá ser encarado com maior naturalidade. Não se trata apenas, então, das estratégias de defesa de uma única e determinada “categoria”, mas de rever os próprios mecanismos sociais que geram intolerância. Se a autenticidade reside na forma como nos aproximamos dos nossos sonhos, convém buscar menos respostas, conviver melhor com as incertezas, com o subjetivo, com o diferente. Afinal, os sonhos não são categorizáveis.

quinta-feira, junho 14, 2007

amantes constantes

É sobre liberdade, acho. E a sensação inexplicável de que deveria haver algo mais na vida, pelo que lutar e pelo que viver, e que, não sendo encontrado, só deixa vazio, uma falta que nem o suposto amor preenche. Porque ao lado do amor está uma procura que não cessa. Ou porque o amor é sempre outra coisa. Ou porque, como diz a mocinha quando olha bem nos nossos olhos em pleno cinema e nos fuzila, "a solidão que existe no coração de cada homem é inacreditável".
Philippe Garrel nos faz crer - de verdade - que a ressaca de 68 deve mesmo ter sido horrível, e que a ânsia daquela juventude só poderia mesmo transbordar, parcialmente sufocada. Ok, Sr. Garrel! Mas nestes dias em que não parece restar nem sombra daquelas barricadas, e em que a ânsia, a insatisfação e o desconforto são para os tolos; enfim, onde tudo é cinismo e "narcisismo desvairado", há muitos que também precisam de ópio...

quarta-feira, junho 13, 2007

selma rules

O que será que a grande e magnânima Selma teria a nos dizer em dias como ontem e hoje, hein? Ó, Selma, eu que sou teu fiel discípulo, em face dos últimos acontecimentos te suplico: dai-me sabedoria e perspicácia para manter a serenidade e continuar com meus aprendizados selmísticos, sem jamais fraquejar!

... Discípulos de Selma, uni-vos!

sábado, junho 09, 2007

uma mudança não muito sutil

Eu, como diria Fernando Sabino, estou igual àquele anúncio de remédio: "E eu era assim; cheguei quase a ficar assim; mas graças ao Elixir de Inhame, hoje eu sou assim".

domingo, junho 03, 2007

centrojá

Há um projeto chamado Bajofondo Tango Club, que mistura tango com música eletrônica e - principalmente no seu segundo trabalho, o Supervielle – um monte de outras coisas. Este projeto, que se não me engano é de um uruguaio e um argentino, é provavelmente a coisa mais linda que eu vou ter o prazer de ouvir este ano, particularmente por uma música, Centrojá.

Há pessoas que conhecem e entendem de música, e para quem a qualidade desta vem de uma certa competência melódica, de composição e execução nas obras, dentre muitas outras qualidades que podem passar despercebidas a ouvidos menos treinados. Estas são poucas, e sabem do que estão falando. Para outros, a música é como uma trilha sonora, boa não tanto pela qualidade técnica, mas pelo que despertam, pelo modo como se encaixam e passam a “pertencer-lhes”, musicando determinados momentos ou fases vividas. Um pano de fundo indispensável para os dias, um remédio, uma cápsula milagrosa que faz imergir em sensações e que, eventualmente, pode armazenar sentimentos, sempre retomados em futuras audições – o que pode ser muito agradável, mas também extremamente melancólico (e por vezes perigoso). Eu me encaixo fácil, fácil na segunda categoria. Não ousaria, então escrever uma palavra sequer para falar de música. Mas falo do que sinto. As músicas do Bajofondo são meio híbridas, urbanas, alternadamente intimistas e empolgantes, cheias de referências – de jogos de futebol a rádios populares – e, por tudo isso, modernas e cheias de possíveis sentidos.

E Centrojá, para mim, é linda.

anomia

Somos interpelados de muitas formas. Até nas mais pequenas coisas somos levados a nos expressar, a dizer o que pensamos e somos, mesmo quando não temos clara idéia do que possamos ser ou devemos pensar, de fato. Vivemos em mundos múltiplos e desconexos e respondemos por ações e palavras que não se completam, mas tentamos juntar estes pedaços de vida e sentido e atribuir-lhes o nosso nome. Buscamos saber - e dizer - o que somos, e não raramente nos surge a dúvida se podemos de fato ser nomeados de modo singular, monolítico.

Vivemos de forma fragmentada, vendo tudo a partir de molduras, recortes e enquadramentos que nem sempre se encaixam. Em um mundo de tantas formas esquizofrênico, dedicamos nossa emoção e afeto a algumas coisas, defendemos com convicção política (ou com uma certa falta dela) outras, elaboramos racionalmente nossos pensamentos de uma terceira forma, e as ações, essas simplesmente não obedecem muito ao imaterial mundo das idéias e sonhos. Perdidos no meio dessa bagunça tentamos saber quem somos, no que acreditamos de fato e, sobretudo, no que vale a pena acreditar, com a esperança de descobrirmos a forma certa de viver, mesmo sabendo racionalmente que a forma certa parece não existir de fato.

Persistimos nesse esforço para que um grande número de contradições, conflitos, vontades e convicções se encaixem e então possamos dizer: - “Está aqui: este sou eu! É este universo delimitado que responde pelo meu nome”. Porém, como eu é uma fantasia, uma ficção, sempre há algo que sobra, não se encaixa na fórmula, e quase sempre isso que sobra é a parte obscura ou incerta que não queremos que entre no inventário de nossas particularidades. Mas digo quase sempre porque, às vezes, o eu se rebela - anarquia do querer e do saber ser - e viramos um monte de partes desconexas sem qualquer hierarquia: não sabemos mais o que prevalece, o que pôr em primeiro plano e o que descartar ou esconder.

Sou muitas pessoas que não dialogam entre si, não se entendem e sequer conhecem a frágil ordem de uma fila indiana.

sexta-feira, maio 18, 2007

thought he had a

mission , Dave the Moonman , to prove to everyone that no-one had ever landed on the moon . But that wasn't it at all . He was telling everyone all this stuff he'd learned cause he was hoping someone could prove to him it was wrong, and it wasn't just a hoax . Cause dreaming was so much harder otherwise . And it was so much harder to find the belief to get things done - lying out on the lawn at night , drunk , with the dew soaking through the back of your jacket . And all that distance between here and there . And he really wanted to believe that people had travelled to the moon in that crazy rocket , that looked as if it was made out of tin-foil and cardboard . He really wanted to believe that they'd managed to get it there , just by strapping enough fuel on , even though today you probably wouldn't trust it to get you down the shops

sábado, maio 12, 2007

valor arcaico reloaded

Depois dos problemas de acessibilidade, de volta.

quarta-feira, abril 04, 2007

a medida das coisas

As pessoas ansiosas sabem o quanto custa esperar. Os incorrigíveis sabem o quanto custa sua falta de parcimônia, as renúncias que fazem por culpa do seu eterno "em cima da hora". As descompensadas sabem as penalidades que sofrem por não saber agir de outro modo a não ser com o coração suspenso e a respiração presa, esperando o próximo minuto, no eterno ato de fazer mil e um planos sem, no entanto, medir a alegria, a tristeza, a possibilidade em outro ritmo senão no imediato, na rapidez do agora.
Eu queria um tempo que se expandisse para todos os lados, um passado que se fizesse bonito apenas por se deixar guardar em forma de vida, em forma de sentimentos resolvidos, e um futuro sereno o bastante pra se reconhecer como chance e risco. Queria também não só esse tempo vertical, mas um mais sensível, que se alarga, se expande em todas as direções possíveis.
Eu quero um tempo bonito como o da música, que é único sem ser reto - vivido próprio ritmo em que se faz acontecer. Mas, acima de tudo, eu quero um tempo que me leve até aquilo que desejo, mesmo eu não conhecendo sua forma, mesmo que eu não saiba chamar-lhe pelo nome.
Eu quero essa coisa bonita e preciosa que não faço a menor idéia do que seja.


"Tempo tempo mano velho
Falta um tanto ainda eu sei
Pra você correr macio
Como zune um novo sedã
Tempo tempo tempo mano velho
Vai, vai, vai...
Tempo amigo seja legal
Conto contigo pela madrugada
Só me derrube no final"

sábado, março 24, 2007

para que não esqueça...

Todos nós temos pendências, assuntos não-resolvidos, e há muitas conversas que eu também gostaria de ter, muitas oportunidades de me explicar, de agradecer, de lamentar e pedir desculpas. Mas, para mim, há uma em especial. Na verdade é quase uma dívida, e ela só será quitada quando as circunstâncias permitirem que tudo seja bem entendido. Aí sim poderei reafirmar importâncias e afetos, corrigir as inúmeras falhas cometidas e esperar, sinceramente, que possa agir à altura de toda a beleza que me foi mostrada. Por isso chamo de dívida - porque o mínimo que precisamos fazer é merecer o que recebemos.
Mas, por enquanto, ainda espero. Porque há conversas muito difíceis, como se disse naquele diálogo final de um belo filme de Almodóvar:

- Algún dia usted y yo deberíamos hablar.
- Sí, y será más sencillo de lo que cree.
- Nada es sencillo... Soy maestra de ballet, e nada es sencillo...

quarta-feira, março 14, 2007

glossário do amor líquido

abrir relacionamento: uma espécie de agendamento de chifre, sabe?

coisa fina, como vocês podem ver...

contra o amor líquido

Tristeza pra quê? Quando está tudo certo, quando tudo é promissor, bonito, novo e cheio de entusiasmos, a tristeza não poderia nunca entrar. Então por isso é que evocaremos todos os sentimentos totalitários, intransigentes, ditatoriais e perversos para fazer valer a nossa vontade e mandar essa indesejável presença embora. Como toda limitação imposta, claro que tamanha sanção tem lá suas violências: pensamentos inoportunos, recaídas infames e pequenas reações adversas são previstas – mas esperamos que perfeitamente combatidas, com toda a munição que conseguirmos carregar.

Tomaremos então mais algumas cervejas, falaremos da vida e sorriremos muito – mesmo que em descompasso com uma certa inquietação por dentro -, porque temos uma vida para viver e nossa maior beleza a gente tem por dentro e guarda (uma beleza que é como aquele tecido do episódio do Chapolin – lembram? - que só os inteligentes é que podiam ver); está protegida contra a mesquinhez e só será mostrada para quem a gente bem entender – e desde já enfatizamos que temos o pleno direito de não a mostrarmos nem tão cedo, pois cada um tem suas pequenas feridas e todo ser humano do mundo merece, pelo menos de vez em quando, acreditar que não deve baixar a guarda e que ninguém é merecedor de tamanho voto de confiança: revelar a beleza escondida nos nossos mais esperançosos e delicados sentimentos.

Assim, até que as mágoas, os traumas de infância – causados talvez pela danada da Aurora, aquela pedófila! huahauhua – e as ressacas morais vão embora, continuaremos sendo apenas loucos correndo pelas ruas devidamente munidos de uma boa garrafa debaixo do braço (para beber ou tacar no dente dos insolentes, não é verdade?), lamentando a fluidez da nossa modernidade, surpreendendo-nos com a transitoriedade dos nossos sentimentos, remoendo nossa persistente - porém consciente - solidão e celebrando a amizade, que é nossa melhor resposta à incerteza desses amores líquidos que os acasos, atalhos e inconstâncias dos nossos caminhos nos reservam.

p.s. Para Lavínia e Joana, em doses iguais de afeto, copos cheios e cartas sobre o futuro nas mesas. (E porque desânimo besta a gente mata acompanhado, em noites de sushi e de bar :p).

***


These things I've found,

This girl,

These sounds,


These days are alright,

These days,

These nights.


These things almost make me smile,

These things almost make me smile,

These things

Almost make me smile.


These walks in this town,

These things,

I've found,


And this girl, she's alright

For these days

And these nights.


These things almost make me smile,

These things almost make me smile,

These things

Almost make me smile.


Seinfeld, and IQU,

New York

And Beck too,


South Park, and space men,

And this girl

Who's my friend.


These things almost make me smile,

These things almost make me smile,

These things

Almost make me smile.

facilitando desfechos

Sabe aquela coisa de querer sempre o inconcluso e aprender a valorizar e a amar bem as nuances? Pela primeira vez na vida eu discordo: um pouco de pragmatismo faz bem, um mínimo de lucidez é necessário e, além disso, penso que é uma lição de vida aprender a fazer uso dos pontos finais - aprender a enterrar de uma vez a bezerra, ao invés de ficar chorando indefinidamente todas as suas inúmeras mortes.

sábado, março 10, 2007

fragmentos de viagem

Andando por lá eu lembrei que uma das coisas que muito me agradam naquela terra é que praticamente em qualquer um dos pontos da cidade se pode olhar para o horizonte e ver as serras que cercam a região. E engraçado é que eu só comecei a reparar nisso depois de um tempo, quando comecei a dar mais valor a essas coisas que acontecem quando a gente muda o olhar – jogando-o pra frente, pra fora, pra cima.

Claro, olhar pra frente sempre ajudar a enxergar melhor certas coisas que vão um pouco além das nossas fuças.

***

Também nessa história de olhar é que eu fiquei mais uma vez com a impressão de que as fachadas das casas são sempre muito parecidas, de como é curioso que depois de tantos anos elas ainda me parecessem estranhas e que, olhando-as isoladamente, – em uma fotografia, por exemplo, ou sem ter seguido com os olhos o caminho percorrido para saber onde se encontram – eu provavelmente não saberia dizer a que rua ou bairro pertencem.

Dessa vez, no entanto, reparei em algo surpreendente para quem viveu por lá durante dezessete anos (mais algumas visitas permeando os outros percursos iniciados depois): das calçadas eu me lembro, claramente! Fui andando e pensando: “por aqui vivia aquela menina da escola. Mas onde? Todas as casas parecem iguais...” Só no tracejado das calçadas eu achava: um canto de parede, uma grade de ferro, uma calçada de um certo jeito, elevada, e o esgoto margeando – “opa, é esta!” Foi aí que percebi que devo ter passado mesmo muito tempo da minha vida observando o caminho dos pés, olhando pra dentro. Os desenhos das calçadas, conheço-os todos, e se é verdade que me perderia observando casas, horizontes e ruas, digo por outro lado que, pelos traços dos caminhos, certos buracos, falhas, elevações, variações de mosaicos e cores, eu sempre me acho; recupero algumas andanças e relembro outros dias.

***

Essa foi engraçada! Bom, minha avó é feirante, trabalha aos sábados e segundas em duas cidades distintas, próximas à nossa, vendendo suas coisas – coisas meio de interior mesmo, muitas delas Made in Caruaru. Pois bem, disso eu sempre soube, e tenho ótimas lembranças dos dias em que cheguei a acompanhá-la no que na época eram verdadeiras aventuras: acordar às 3h30(!!) da manhã, o cheiro do café, pegar o caminhão às 4h30, montar a banca, o almoço, as pessoas, as conversas... Pois bem, o que eu nunca soube é que em uma dessas cidades – cuja feira acontece aos sábados – a banca da minha avó ficava na frente do necrotério. E agora nem lembro... Como soube disso? Ah, sim, era algo como uma conversa sobre a necessidade de não apenas estudar com afinco, mas de realmente se esforçar para que as coisas aconteçam – conselhos importantes que sempre recebo. Minha avó se admirava de como sempre havia estudantes e médicos cubanos que se picavam lá de Cuba pras nossas bandas só pra ver os defuntos fresquinhos. “Coisa de quem se interessa mesmo, né?” Ela, por outro lado, nunca precisou se esforçar muito: sempre podia ver ali pertinho os que chegavam aos sábados – ia olhar todos!

Disso eu juro que nunca soube. Bom, acho que deveria ouvir mais as histórias da minha família...

terça-feira, fevereiro 27, 2007

the life pursuit

O que resta depois de um descomeço? Vontade de concha, ou de um casco. Conclusão óbvia: as tartarugas é que são felizes. Eu hoje invejo as tartarugas, os caracóis e as emas, por essa sua felicidade estúpida.

"Oh, if I could make sense of it all!
I wish that I could sing
I'd stay in a melody
I would float along in my everlasting song
What would I do to believe?"

E sim, eu queria viver em uma melodia. Somente.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

autismo virtual forçado

Algumas almas bondosas já me avisaram que o meu blog tá uma merda: ninguém comenta porque não pode, e a tendência é continuar assim, autista, já que eu não faço a menor idéia de como se conserta. Por enquanto ele continua assim, pairando na liberdade solitária anunciada no post anterior. Neste sentido, ele não está muito diferente do "tempo real".
Ora, vejam: a internet também imita a vida.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

o que faz bem para a alma

"Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."


"you were only waiting for this moment to be free..."

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

sapupara limão clube

Eita, lá vem mais um. Adeus à comoção dos poemas da negra do “modernoso” paulista e ao carnaval sem nenhuma alegria de Manuel Bandeira. Esse ano é proibido pensar na morte da bezerra: nada de comoções.

Veremos se a equação “gosto de liberdade + sapupara = bagaceira” está correta ou se algum espírito melancólico-carnavalesco vai colocar a perder a nossa arruaça. Com a graça de todos os Recifes e de todas as Olindas, não. Mas, vejamos.

Agora só quarta.


Deixe o frevo rolar
Eu só quero saber
Se você vai brincar
Ah! meu bem sem você
Não há carnaval
Vamos cair no passo e a vida gozar

***

Na alta madrugada
O coro entoava
Do bloco a marcha-regresso
Que era o sucesso
Dos tempos ideais
Do velho Raul Moraes
Adeus, adeus, minha gente
Que já cantamos bastante...
E Recife adormecida
Ficava a sonhar
Ao som da triste melodia...

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

a negação e a legitimidade de alguns sentimentos

Eu compartilho do sentimento de perplexidade e revolta que toma conta de tantas pessoas, diante das recentes atrocidades das quais temos tomado conhecimento nestes últimos dias. Eu também me sinto desolado. Acredito, no entanto, que diante de tais fatos convém repensar e fortalecer as bases sobre as quais estão estabelecidas as relações de convivência e as instâncias a partir das quais se funda a vida em sociedade.

De nada nos serve o clima irracional de caça às bruxas. Afinal, a parcialidade de uma mídia que decide qual crime hediondo será motivo de comoção nacional e quais passarão em branco é no mínimo suspeita e nos leva a questionar sob que critérios se busca formatar a nossa revolta, e a partir de que perspectiva. Parece-me claro que, por mais brutal que um crime possa parecer, as formas de reagir a ele estão condicionadas a questões como o tipo de indivíduo que o comete, com que propósitos e, acima de tudo, sobre quem recai este ato. Resumindo em uma pergunta: que concepções políticas, posturas e crenças estão implicadas neste “recorte” a partir do qual a opinião pública enxerga os fatos e define sua forma de posicionar-se, reagir e contra-atacar?

Na entrevista "exclusivíssima" concedida ao Fantástico, no último domingo, pelos pais do garoto morto no Rio, o formato exibido, o teor de algumas perguntas e a ênfase em determinadas falas e respostas, como aquela proferida pela mãe do garoto e repetida à exaustão de que "eles" (os criminosos) "não têm sentimento", "não têm coração", demonstram como o grau de atenção e seriedade posto em cada um desses eventos chocantes varia e está condicionado a fatores que não devem ser ignorados, inclusive interesses diversos.

Eu sei o quanto é delicado fazer este tipo de crítica em um momento em que as pessoas estão convencidas de que a revolta é necessária, de que todos os limites foram quebrados e de que se faz necessário questionar o grau de perversidade e o caráter irrecuperável de certas pessoas. Sim, eu também fiquei chocado e considerando a possibilidade de que alguns indivíduos são extremamente danosos à sociedade e - porque desprovidos de amor e de um mínimo de espiritualidade - talvez sejam também irrecuperáveis. Apenas chamo a atenção para um ponto importantíssimo: o depoimento da mãe, por mais comovente e justificável que seja, dado o momento e as circunstâncias, é equivocado. Porque eles, os criminosos, têm sentimentos sim: sentem ódio, indiferença, desencanto, dentre muitos outros. Um ódio de classe de tal modo rancoroso que não se trata apenas de tomar aos outros o que lhes falta. Trata-se, sim, de praticar atos perversos contra os diferentes: os que possuem uma vida melhor, mais feliz e cheia de possibilidades que as suas. Daí também porque a atitude aparentemente injustificável de matar mesmo aqueles que não apresentam reação, de agir com perversidade mesmo quando isso é absolutamente desnecessário, de matar uma criança mesmo quando objetos de valor, dinheiro e carro já foram entregues, se repete com freqüência vertiginosa. A causa é o ódio: um sentimento forte e, ao contrário do que se busca argumentar, muito humano.

Assim, está claro que, por mais comovidos que possamos ficar com a brutalidade cometida contra este ser inocente e indefeso, não podemos esquecer que esta barbárie não é mais novidade para ninguém e acomete crianças e jovens em todos os lugares, sobretudo nas periferias, nas margens dos grandes centros. Igualmente impossível de ignorar é o fato de que o crime foi cometido por menores pobres contra uma criança de classe média – tudo isto em um momento em que as elites, cientes dos efeitos desastrosos da desigualdade e cada vez mais encurraladas e ameaçadas em sua ilusão de felicidade – clamam pelo confinamento absoluto dos marginais, como a última tentativa de se obter um sossego impossível. A redução da maioridade se apresenta, assim, como mais um efeito paliativo de “higienização social” que busca segregar e isolar os excluídos. Estes últimos, por sua vez, parecem cada vez menos dispostos à resignação e mais desacreditados com relação aos princípios legais e morais sobre os quais a coletividade busca se estabelecer.

É evidente que a legislação precisa ser revista e que a Justiça, em nosso país, anda muito mal das pernas, desde sempre. Trata-se, no entanto, de fortalecê-la, cobrando sua efetiva capacidade de estabelecer a ordem e garantir o convívio - jamais aprofundar os mecanismos que geram as desigualdades e os artificialismos de uma tranqüilidade fundamentada na "ética global". Neste sentido, recorro às idéias de Beatriz Sarlo em seu livro "Tempo presente: notas sobre a mudança de uma cultura", surpreendemente apropriadas ao tema:

“Os meios de comunicação colocam-se ao lado das vítimas, pois elas, as vítimas, não estão interessadas na construção de um caso judicial baseado em provas e que dê todas as garantias processuais e probatórias aos suspeitos de delinqüir; pedem, simplesmente, um castigo direto e sumário. E expressam isso quando afirmam, diante das câmeras de televisão, que os delinqüentes são animais e, portanto, não têm qualquer direito. Esse discurso é compreensível quando parte das vítimas. Elas sentem a dor da perda ou a humilhação da violência sofrida e seu discurso não é baseado na perspectiva da existência de um princípio de justiça para todos. Só mesmo de longe, à distância dessa dor, é possível garantir a imparcialidade do julgamento. No entanto o julgamento tem sido feito pelos meios audiovisuais de acordo com os costumes dos regimes não-republicanos: sumariamente. Por sorte, eles não são instâncias judiciais verdadeiras. A pior Justiça, a mais lenta e mais torpe, é preferível a um veredicto populista, no qual a dramatização demagógica do crime resulta em uma ausência total de garantias. A Justiça deve sempre se basear em garantias, e os meios audiovisuais são, na prática e na teoria, contrários às garantias. Comportam-se como vítimas, e não o são. Uma reação compreensível quando vem de vítimas indefesas passa a ser agitação antiinstitucional quando parte dos meios de comunicação.

As vítimas exigem do Estado o que este deve dar – segurança – e exigem como podem. Os meios de comunicação tendem a colocar-se no lugar imaginário de uma das esferas do Estado, a da Justiça, e não podem nem distribuir justiça nem garantir segurança. Além do mais, não cumprem sua tarefa de informar razoavelmente”.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

e nana dança...

Duas cenas têm sido recorrentes em meus pensamentos, nos últimos dias – algo como uma tradução imagética para alguns sentimentos. Coincidentemente, ambas são protagonizadas por mulheres. A primeira delas é recente: Hermila e sua amiga se refrescam à porta da geladeira no novo filme de Karim Ainouz, O céu de Suely. No entanto, nada mais óbvio: que recifense pobre não tem sentido vontade de literalmente entrar em uma geladeira nesses dias de calor infernal?

A outra é de um filme de Jean-Luc Godard, dividido em doze atos. Em um deles, a prostituta Nana, que acompanha seu cafetão em um encontro, durante o seu “dia livre”, está entediada. Vai até a radiola de ficha e coloca uma música: ela sabe que precisará se divertir sozinha. O nome da cena? Se não me engano, algo como “a felicidade não é engraçada”.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

trinta

Em uma coisa, pelo menos, eu concordei com o Banco do Brasil: seu marketing de fim de ano, que está construído sobre a idéia de que “a vida é feita de pequenas contagens regressivas”. Aliás, não deixa de ser uma ironia que eu tenha dado o ar da graça por estes dias trajando uma camiseta com estes dizeres oficiais, no meu trabalho. A minha contagem começou oficialmente, hoje, e vai de 30 a 1. Depois disso, para o bem ou para o mal, muita coisa muda em minha vida, e é com muito otimismo que eu penso que, talvez, só por essa possibilidade que nos é dada de mudar o que está colocado em nosso entorno - as nossas condições de vida - precisamos celebrar a vida. A possibilidade da mudança, da libertação, do novo; o medo e a felicidade de descobrir o nosso poder de fazer grandes ou pequenas destruições, de saber que nossos gestos surtem efeitos mais ou menos perceptíveis e que, exatamente por isso, somos tão responsáveis por cada um deles.

Há bastante tempo eu deixei de rezar, mas há uma prece que eu nunca abandono: uma prece leiga, laica e torta que pede, a cada nova reviravolta, que elas não cessem nunca, que eu jamais encontre apenas o previsível, o esperado, a temível e sedutora “estabilidade”. E sei que há um preço alto a pagar por essa possibilidade das rupturas e recomeços: pois toda época tem algo de bom e de ruim, e não há nenhuma garantia de que o bem permaneça e que somente o indesejável se afaste. Podemos mesmo, vez por outra, perceber o tempo funcionando como uma peneira ao contrário, detendo o que nos fere e levando furtivamente o que nos é precioso. Mas faz parte do risco e da graça, para quem sabe jogar: pôr à prova o que há de bom, esperando o que está por vir e apostando no que é diferente, acreditando-o melhor. É também um ato de confiança e generosidade, este: renegar o indivíduo que somos hoje acreditando na nossa capacidade de sermos melhores; que o mundo nos trará novos presentes e não nos deixará de mãos vazias.

Engraçado mesmo, nisso tudo, é também perceber como tudo parece mais entusiasmante, fantástico e cheio de promessas quando imaginado em pleno desespero. Sim, pois os louros da vitória nunca são tão perceptíveis e gritantes quanto em nossos planos e fantasias: quando conseguimos mal podemos acreditar, e é tudo tão leve e sutil que, com um pouco menos de atenção e cuidado, quase podemos deixar passar em branco e esquecer o quanto nos custou e o quanto é importante. O medo e o condicionamento a que nos submetemos são tantos que só se pode explicar a vertigem e a cautela com que celebramos esta energia vital que surge das mudanças por meio das metáforas, como àquela a que recorreu Mari, ao lembrar dos bois que, mesmo depois de libertos, continuam andando em círculos ao redor do moinho que faziam movimentar, no filme Abril despedaçado. Estão soltos, mas só sabem andar em círculos, e lhes custa olhar para os lados e imaginar que podem fazer diferente, que só lhes basta mudar o passo.

A adrenalina de tomar uma decisão importante e saber que a responsabilidade é toda sua é uma espécie de “estresse bom”, como disse um amigo: a preocupação com as conseqüências que sobrevém a uma escolha definitiva; o friozinho e a vertigem que sentimos quando abrimos mão de algo importante e precisamos fazer valer a pena a escolha; e, acima de tudo, o imperativo pela criação de novas alternativas que façam frente às que irremediavelmente deixamos para trás.

Sim, não há dúvida: é o ano novo bem ali, logo depois do carnaval, mas desde já e sempre, em cada dia.

domingo, janeiro 07, 2007

o melhor do ano



Se em 2005 o melhor filme que eu vi nos cinemas foi aquele atentando terrorista chamado Caché, no ano passado eu penso que a melhor coisa que passou por aqui foi o novo filme de Wong Kar-Wai, 2046, que deixou muita gente embriagada de amor e suspirando pelos cantos, nos cinemas, nas ruas, nos bares e nos quartos, com sua própria viagem a um espaço/tempo distante e bem particular onde as memórias e as sensações amorosas estão vivas.
Eu tenho a impressão de que, da mesma forma que me coloquei em maus lençóis ao fazer de forma tão veemente a propaganda do filme de Haneke e mobilizando pessoas para irem ao cinema assistir - e colhendo as reações mais diversas depois - também poderei ter problemas com este aqui. Então aviso logo aos destemidos que as películas desse chinês estão sempre à beira da pieguice: é algo como uma embriaguez amorosa mesmo, uma exasperação dos sentidos, com direito até mesmo a algumas idéias repetidas à exaustão - como aquela do segredo soprado no buraco da danada da árvore - o que pode aporrinhar a paciência dos menos suscetíveis ao romantismo sem limites.
Vale ressaltar também que essa obra pode ser péssima para a saúde, principalmente se você está tentando largar o cigarro. Em 2046, fumar é uma experiência quase estética, acho - assim como em seu filme anterior, "Amor à flor da pele".
Na verdade, os filmes de Wong Kar-Wai são como um bom brega daqueles das antigas: ou você embarca na dor de cotovelo ou acha um exagero só, tudo aquilo. A maior prova disso é a presença inusitadíssima da música "Perfídia", na trilha do filme.
Não é pra qualquer um não, viu? É coisa pesada: bonita e romântica de doer.
Ai, ai...

sábado, janeiro 06, 2007

apelo

LAVÍNIA, COME BACK!

WE LOVE YOU!