Morreu o Fernando Sabino. Recebi a notícia um pouco atrasada, tão ausente do cotidiano que estive durante este fim-de-semana e feriado. No carro, ontem, de volta a Recife, recebi uma mensagem comunicando-me de sua morte. Primeiro susto. Cerca de uma hora depois, ainda na estrada, a lembrança: ontem seria o dia do seu aniversário! Segundo susto. O que significa morrer às vésperas do seu aniversário? Nada, talvez, mas o momento final de alguém sempre tão encantado pelos mistérios da vida, religioso que era e com uma fascinante interpretação metafísica do cotidiano, não poderia mesmo estar ausente de uma curiosa coincidência como essa.
Curioso também é notar que Sabino, que sempre demonstrava uma grande vontade de preservar a criança que havia dentro de si, nasceu no dia das crianças. Conforme afirmou em seu livro “O menino no espelho”:
"Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam:
-Que é que você quer ser quando crescer?
Hoje não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino."
Este livro, então, representa esse desejo de ser criança, de preservar a pureza e a inocência infantis, de modo que, de tão simples e ingênuo que é, chega a ser simplório, valendo mais pelo seu simbolismo, ou seja, por representar da melhor forma possível essa vontade de ser criança eternamente, de não perder o humor, o otimismo, a simplicidade e a capacidade de encantar-se pelas coisas simples.
Não sou tão apaixonado pela obra de Sabino como a minha admiração pelo escritor pode sugerir. Ele, na verdade, foi criticado muitas vezes por ter optado por gêneros mais “simples e fáceis”, como as crônicas e os contos, em vez de dedicar-se a obras mais ousadas e profundas como foi O encontro marcado, seu livro mais conhecido. Esta é uma crítica com a qual de certa forma concordo. Posso dizer, no entanto, que para mim bastaria que este mineiro tivesse escrito unicamente este romance para que eu o admirasse e nutrisse por ele aquela gratidão meio abstrata que sentimos pelas pessoas que nos ajudam a crescer emocional, espiritual e intelectualmente.
A leitura de suas cartas (do livro Cartas na mesa – Aos três parceiros, meus amigos para sempre, em que ele publica sua correspondência com os três companheiros de toda a vida, Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende) veio aumentar, posteriormente, esta admiração que cresceu ao longo do tempo.
Não colocarei aqui, hoje, nenhum trecho do livro O encontro marcado. Já o citei muitas vezes, e não seria novidade dizer que tudo o que está escrito no livro fala por mim, me representa, diz o que não consigo dizer e expressa não só boa parte do que era quando o li pela primeira vez, em 2001, mas também muito do que eu gostaria de ser, da visão de mundo que eu gostaria de preservar, do que ainda sou e do que me transformei desde então, e enfim, do que considero também como ideal e busco sempre, embora muitas vezes não alcance.
Vou terminar esse post, portanto, com uma idéia bem simples, expressa no livro O tabuleiro de damas. Segundo Fernando Sabino, “o tabuleiro não é nem branco com quadrados pretos, nem preto com quadrados brancos, mas de outra cor, com quadrados pretos e brancos”. A busca dessa outra cor, do que está escondido nos fatos, nas pessoas e nos acontecimentos e o encantamento com esse mistério da vida é que me fascinam. Também vejo tudo, inclusive a mim mesmo, como esse tabuleiro, que traz algo escondido e que está além da obviedade do que se vê, do que é explícito. Também busco reconhecer na vida esse mistério, essa cor de difícil percepção, e Fernando Sabino ajudou-me, como deve ter ajudado a muitos, não a encontra-la, mas pelo menos a reconhecer a sua existência e a importância de persistir nessa procura ousada.
quarta-feira, outubro 13, 2004
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3 comentários:
nossa Fábio, que belo post, apesar desse triste motivo.
quando eu soube da morte do Fernando Sabino a primeira pessoa em que pensei foi você, lembrei daquela conversa que tivemos semana passada e de vc ter comentado sobre o livro "Encontro marcado". é uma pena que eu só tenha começado a conhecer o Fernando Sabino agora...mas de qualquer forma, foi-se o corpo dele, ficaram suas obras, suas palavras, seus sentimentos...isso aí não vai morrer. :)
ahh, adorei a inscrição que ele resolveu colocar na lápide: "Aqui jaz Fernando Sabino. Nasceu homem, morreu menino".
:)
eu, fascinada por crianças/infância, não poderia ter achado algo mais bonito (e tão simples).
bjão fábio!! =))
Patsy! Muito bom esse epitáfio que ele escreveu. E o engraçado é que só o vi depois que fiz o post. É que, como tava incomunicável durante esses dias, só tô tendo informações aos poucos a respeito da morte dele... Mas acabei falando desse sentimento dele em ser sempre criança, pq é algo que ele afirmava muito e sempre me chamou a atençao...
Enfim, como vc disse, os livros dele ficarão... ainda bem!
Bjao.
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