quinta-feira, outubro 07, 2004

Há algo de muito errado com o mundo... Não sei bem ainda o que é, mas que tem, tem...

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Esqueci de comentar aqui, mas revi recentemente o filme Persona, de Ingmar Bergman (pela terceira vez). Achei que vendo uma vez mais o entenderia quase que totalmente, mas é incrível como, no fim, acabei foi “desentendendo” tudo que tinha entendido antes. Aquele filme é uma loucura, simplesmente, não dá pra tentar entender nada ao pé da letra.
Bom, mas porque lembrei dele agora? Enfim... Continuo gostando dele, mesmo que me pareça que Bergman e seu filme são um poço de pretensão, que as explorações psicológicas do roteiro de Persona são pra lá de herméticas e confusas e que eu nunca vou conseguir entender psicanálise a ponto de analisar o conteúdo desse filme (é notória a influência da psicanálise nos filmes de Bergman, e isso não sou quem digo, e sim os grandes entendidos em cinema e na obra desse cineasta).
Acho, no entanto, que a força de certas imagens e de certas idéias comunicadas por meio de uma película, de uma cena, não podem ser expressas em palavras, explicadas ou entendidas tão racionalmente. E é isso: as imagens de Persona às vezes representam tão bem certos sentimentos e certa visão de mundo, o que, como disse no post anterior em que escrevi sobre esse filme, acredito que é um dos objetivos da arte, afinal, que não consigo deixar de gostar desse filme.
Há algo, sim, de errado com o mundo. Tenho estudado História recentemente, e essa semana, em especial, li a respeito da Segunda Guerra Mundial, dos regimes totalitários e dos crimes políticos de Stálin. E acho que nada tem representado melhor a minha perplexidade diante desses grandes conflitos e dessa barbárie quanto a cena em que a atriz Elisabeth Vogler, perplexa, assustada, depara-se com a cena no noticiário de um manifestante ateando fogo ao próprio corpo, no meio da rua, em protesto. Nessa cena está representada toda a impotência de um indivíduo perante a violência, o desrespeito e a ganância, e também a impotência do próprio artista, que sente-se incapaz de transformar a sociedade, tem sua sensibilidade peculiar ferida pela dureza de interesses absurdos e percebe a dor das pessoas, a revolta, o desespero, mas nada pode fazer a respeito, simplesmente fica mudo, sem palavras.
Não foi, no entanto, essa história toda de Segunda Guerra Mundial, nazismo, fascismo e guerra que me fez escrever esse post. Esses fatos nós já conhecemos, e a desilusão por conhecê-los, de certo modo, já foi sofrida e um pouco assimilada. O que me faz realmente pensar em quanto erro, quanto desarranjo existe por aí é a falta de rumo que percebo em tantas pessoas, sem saber o que priorizar na vida, valorizando escolhas que não as suas, optando por valores que não os satisfazem, convenções que não põem ordem em absolutamente nada, só confundem ainda mais a todos, e elegendo como meta fundamental na vida o acúmulo, o poder, o engrandecimento social, que satisfaz mais aos outros que a si mesmo. Pessoas que não enxergam poesia nenhuma na vida, vivem por inércia e nem sequer percebem isso, pois acham que estão apenas sendo determinadas, fortes, decididas, quando na verdade estão sendo mecânicas, direcionadas, anestesiadas.
É dessa miopia individual que, em um contexto global, surgem as grandes tragédias humanas. É assim que acolhemos um pouquinho, dentro de cada um de nós, a semente dessa barbárie que, quando amplificada, parece tão insana e inexplicável. E talvez seja da tentativa de combater essa semente e da busca difícil de um sentido maior, que esteja acima deste engrandecimento insatisfatório, que surge a infelicidade. Porque quem está anestesiado não sente, nem percebe que é infeliz, e apenas quem tem a grande ambição de encontrar uma motivação mais verdadeira tem que lidar, todos os dias, com as conseqüências da sua frustrada busca.

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