Eu fiz esse texto em maio deste ano, quando ainda nem tinha um blog, e confesso que nunca pensei realmente em postá-lo. Tive, no entanto, boas notícias nesse fim-de-semana que me fizeram lembrar um pouco dele. Ainda bem que a saudade às vezes recebe um alento, e os olhos podem chorar, também, pela mais autêntica felicidade...
Os olhos da minha avó
Quando criança, costumava pensar no semblante dos mais velhos como uma inerte expressão da experiência, dos anos... Qualquer sinal de alteração em seus traços era por mim tomado como próprio da idade, e nada tinha a ver com circunstâncias concretas, do momento.
Era, pois, um mistério decifrar o que comunicavam as linhas da face, olhos e lábios não mais tão terminantes, repletos do efeito do tempo. Optava, então, por considerar essa hipótese de uma falsa lenda por mim criada de que os velhos não tinham o mesmo controle que eu de suas feições, e ao passo que eu conseguia disfarçar a pior das tristezas com um sorriso amargo, para eles me parecia impossível resistir aos caprichos de músculos e tecidos que não respeitavam as emoções neles refletidas.
Foi assim que minha avó, sutilmente, alimentou minha falsa percepção do mundo quando um dia, pondo-se a lembrar de um filho que há muito partira e do qual hoje não se sabia notícia, a não ser que estava completamente solto, em uma cidade de abandonados, deixou-se encher os olhos d’água, que se percebia por sob as lentes dos seus óculos de grossa armação. Observando aquela cena com uma indiferença de quem carece de emotividade, perguntei de forma quase casual:
- Você está chorando, vó?
- Não, meu filho, é a idade... Quando a gente fica velho, os olhos começam a ficar assim, correndo água...
E deixou-se ficar imóvel, por um momento, até que prontamente ergueu um pouco seus óculos e enxugou sua tristeza. Mais não lembro, apenas suponho que a conversa foi invadida pelo trivial, enquanto sentimentos eram mais uma vez submergidos na introspecção da experiência.
Naquele dia, prontamente acreditei que aqueles olhos fundos e sempre tão brilhantes choravam por acaso, pois a dor da saudade e da distância não tinham ainda, para mim, grandes dimensões, de modo que parecia razoável que uma lembrança sumisse assim, leviana, de uma conversa, sem causar nenhum abalo.
Tal distanciamento entre meus poucos anos e a maturidade que se me apresentava diminuiu, quebrando a equivocada idéia de que os adultos eram sempre previsíveis, sérios, irredutíveis e quase gélidos em sua praticidade. Mas naquela ocasião parecia, então, que só os imaturos sofriam diante do inevitável.
Terna lembrança de uma época de ingenuidade, em que acreditava que os mais velhos não choravam, e qualquer evidência de uma lágrima não era mais que uma simples e pura manifestação natural de um corpo não mais tão certo de si.
06 de Maio de 2004
segunda-feira, outubro 25, 2004
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