Post anterior: texto escrito no ano passado, acho, e uma pequena tentativa de falar a respeito de uma questão muito conhecida de todos... Dor física, enfermidades, cor, dimensões, aparência e estética, deficiências - corpo. Carne.
Adoraria lembrar, mas não me recordo mais, de uma interessantíssima fala do personagem do ator Betito Tavares na peça Karma... Só lembro que ele começa a descrever o ser humano, “dois olhos, um nariz, uma boca, dois ouvidos, um tronco que sustenta membros, cada membro superior com duas mãos, cada mão com cinco dedos, totalizando dez dedos...” e por aí vai... Isso para dizer, pelo que entendi, que os homens eram seres semelhantes, irmãos. Então, se bem me recordo, outro personagem aponta para alguém na platéia e pergunta algo do tipo: “Porque, então, ele é tão diferente de mim?” ao que o personagem de Betito responde: “É karma!”
Bom, com todo meu ceticismo, seria brincadeira dizer que vejo as coisas dessa forma. Mas, à parte qualquer tentativa de explicação mística ou existencial, a verdade é que tal descrição serve para a grande maioria da humanidade, e no entanto diz muito pouco. Além disso, uma grande verdade é também que não se pode negar o quanto as simples peculiaridades físicas, genéticas, raciais, já influenciaram a história da humanidade e influenciam, ainda hoje, cada ser humano, em particular. A discriminação racial; as limitações das pessoas que têm algum tipo de deficiência física; as vidas que de repente são viradas de cabeça para baixo pelo diagnóstico de uma enfermidade, mudando tantos planos; a aparência física e a beleza como fatores determinantes dos próprios relacionamentos, das formas de convívio social...
Trata-se de um assunto difícil: muitos consideram mediocridade admitir que a beleza, por exemplo, influencia o próprio nível de tolerância às pessoas e aproximação entre as mesmas, na sociedade, na vivência coletiva diária, na vida profissional, ou também e, principalmente, na vida amorosa. Estes criam frases bonitas, dizem que “o que importa é a alma”, ou algo do tipo... Mas, ora, não se trata de assumir como naturais valores imbecilizantes ou mercadológicos de sociedade, mas de reconhecer determinados fatores que subjetivamente motivam ou dificultam a aproximação, o aceitamento e o entendimento entre as pessoas.
Não quero com isso, portanto, defender valores fúteis, nem assumir uma postura fatalista, afinal, as pessoas superam deficiências, enfermidades, preconceitos, e são notórios os casos daqueles que superam tais “limitações” ou adversidades, tornando-se muito mais fortes, humanos e - o mais importante de tudo – felizes. Muito pelo contrário, é justamente o reconhecimento dessas diferenças, a solidão com que temos que lidar com essa condição de cada um, individualmente, e, enfim, a possibilidade de admitir a existência de tais diferenças que nos torna, acredito, mais humanos, mais tolerantes, mais solidários.
Enfim... Em plena época de intolerância racial, discriminação, segregação social, culto à forma física em detrimento da consciência humana (não me sinto à vontade pra falar na existência de uma suposta “alma”, no sentido religioso do termo), não é de endoidar qualquer um pensar que algo tão independente de nossas escolhas, como o é esse nosso “ser físico”, acaba determinando tantos aspectos da nossa vida? E da mesma forma, não é igualmente impressionante que seja por meio desse mesmo “ser físico” que vivenciamos tantos prazeres como, por exemplo, sentir a indescritível sensação de dar um longo mergulho no mar, ou demonstramos nosso afeto, ou criamos nossa própria linguagem, seja ela escrita, falada, ou apenas demonstrada pelo olhar...
Pode ser um tema difícil, mas é um bom desafio para os religiosos e uma motivação e tanto para quem não perde a oportunidade de pensar na morte da bezerra... :P
Para ouvir: Alpha Petulay
sexta-feira, agosto 27, 2004
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