Noites em Recife, capital do Brasil com o maior número de homicídios entre jovens de 18 a 24 anos... Se o medo nos faz temer as ruas, a vontade de desfrutar de um momento de introspecção compartilhada nos motiva ao livre caminhar. Com a arrogante indiferença dos jovens, que desdenham da vida e da morte, saímos, ainda, pelos bairros, ruas e avenidas desta cidade em busca de um pouco de humana insanidade, de voluptuosos colóquios e do pesar que repousa em cada reflexão contida. Nessas noites que um dia lembraremos, um acordo tácito, silenciado, nos leva a sutilmente ignorar as convenções e a sensatez cômoda dos que se perderam e, tão ocupados com a vida, esqueceram de viver.
As ruas podem estar desertas e o espaço, hostil, mas não sentimos receio e dançamos, rimos, alegremente falamos, mantendo viva a boemia que nos impulsiona, ainda que anacronicamente, a construir nossa zona, nosso meio-fio, nossa inflamada liberdade, nossa poética e ingênua crença no afeto e na cumplicidade fraterna daqueles que se permitiram o encontro.
"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome."
Hélio Pellegrino
sexta-feira, junho 11, 2004
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