Com a certeza de que nem toda viagem é aventura, improviso e álcool, arrumo as malas dessa vez com a esperança de encontrar, talvez, aquele lugar ainda não descoberto a que me referi anteriormente... Sim, nem tudo é celebração, algumas vezes existem também acertos de contas, retornos, momentos de exposição crua... Reduzir a velocidade, repensar, deixar-se impregnar por um pouco de outras realidades, já quase abandonadas... Pois há sempre o que não se pode abandonar... Não existe muita expectativa, confesso, mas algo pode acontecer... Pelo menos o tempo de se recompor uma persona...
Eles me acompanharão na viagem:
“Perco a consciência, mas não importa, encontro a maior serenidade na alucinação”.
Clarice Lispector, Perto do coração selvagem
“No entanto, ele amou, quis viver, viu-se morrer; é quanto basta para fazer todo um homem”.
Jean-Paul Sartre, As palavras
sexta-feira, junho 25, 2004
Clichês à parte:
A felicidade é, acima de tudo, um estado de espírito, isso todos sabemos. É, no entanto, o tipo de constatação que nunca esgota suas possibilidades de descoberta. Refletir sobre o fato de que a diferença entre um momento de alegria ou de tristeza reside, essencialmente, em nós mesmos é, no mínimo, curioso. Daí surgem sentimentos paradoxais que nos fazem acreditar, por exemplo, ser fácil encontrar a simples satisfação momentânea, apesar de, ao mesmo tempo, lembrarmos sempre que a nossa mente pode ser o que há de mais difícil para se controlar. Apenas algumas conclusões são definitivas, uma delas, a de que viajar é uma das ações que nos tornam mais leves, abertos e despertos, desvencilhados do efeito anestésico do cotidiano...
Restaurantes de beira de estrada; banhos frios em banheiros duvidosos, sem cabides ou porta-toalhas; alojamentos improvisados em escolas, associações ou pousadas baratas; sacos plásticos para roupa suja; filas de refeitórios igualmente improvisados, com farta ou escassa distribuição de pratos feitos; cabelos penteados sem espelho; macarrão com salsicha ou cuzcuz com carne-moída, quando nós é que temos que cozinhar; lugares comuns ou a ermo ou turísticos ou em nós mesmos ainda não descobertos; horas escassas de sono; muita bebida ou muita política ou ambos ou o ócio ou algo indefinível... Viajar dificilmente não valerá a pena...
Quem já quis um fim-de-semana diferente com os amigos, um momento vivido a dois ou um aprendizado, quem já fez ou faz movimento estudantil ou simplesmente é universitário, quem não se conforma com a mesmice, não gosta de televisão ou tem mochila e colchonete... Enfim... Dificilmente alguém não conhecerá, intimamente, a sensação proporcionada por uma nova perspectiva geográfica...
Perdoem-me, mas não me refiro aqui às viagens de avião, aos hotéis, aos roteiros comprados, só falo da realidade que conheço... :P
A felicidade é, acima de tudo, um estado de espírito, isso todos sabemos. É, no entanto, o tipo de constatação que nunca esgota suas possibilidades de descoberta. Refletir sobre o fato de que a diferença entre um momento de alegria ou de tristeza reside, essencialmente, em nós mesmos é, no mínimo, curioso. Daí surgem sentimentos paradoxais que nos fazem acreditar, por exemplo, ser fácil encontrar a simples satisfação momentânea, apesar de, ao mesmo tempo, lembrarmos sempre que a nossa mente pode ser o que há de mais difícil para se controlar. Apenas algumas conclusões são definitivas, uma delas, a de que viajar é uma das ações que nos tornam mais leves, abertos e despertos, desvencilhados do efeito anestésico do cotidiano...
Restaurantes de beira de estrada; banhos frios em banheiros duvidosos, sem cabides ou porta-toalhas; alojamentos improvisados em escolas, associações ou pousadas baratas; sacos plásticos para roupa suja; filas de refeitórios igualmente improvisados, com farta ou escassa distribuição de pratos feitos; cabelos penteados sem espelho; macarrão com salsicha ou cuzcuz com carne-moída, quando nós é que temos que cozinhar; lugares comuns ou a ermo ou turísticos ou em nós mesmos ainda não descobertos; horas escassas de sono; muita bebida ou muita política ou ambos ou o ócio ou algo indefinível... Viajar dificilmente não valerá a pena...
Quem já quis um fim-de-semana diferente com os amigos, um momento vivido a dois ou um aprendizado, quem já fez ou faz movimento estudantil ou simplesmente é universitário, quem não se conforma com a mesmice, não gosta de televisão ou tem mochila e colchonete... Enfim... Dificilmente alguém não conhecerá, intimamente, a sensação proporcionada por uma nova perspectiva geográfica...
Perdoem-me, mas não me refiro aqui às viagens de avião, aos hotéis, aos roteiros comprados, só falo da realidade que conheço... :P
quinta-feira, junho 24, 2004
Se, para mim, existe uma musa no meio musical, esta musa é Cerys Matthews. A ex-vocalista do Catatonia exerce o que se pode chamar de uma “atração peculiar”. Já havia lido sobre a banda em meados de 2001, acho, quando então vi na MTV (na época em que ainda havia algo que prestasse na emissora) o clip da música International Velvet, cujas estrofes cantadas em galês, idioma tradicional do País de Gales, local de origem da banda, conduziam a um refrão que explodia em alto e bom som: “Everyday when I wake up I thank the Lord I’m welsh”. Cerys, de salto alto, vestido rosa brilhoso, com sua boca grande e sua voz melosa, suas curvas volumosas, seus cabelos levemente desgrenhados e seu rebolado ébrio, era a mulher mais libidinosa da música pop. Ponto.
A paixão foi imediata. Não existia, no entanto, um só CD do Catatonia lançado no Brasil. Acostumado, no entanto, ao dilema de gostar de bandas e músicas menos, digamos, acessíveis, e motivado pela curiosidade de conhecer aquela banda popular e de qualidade, além de, claro, estar certo de contar com a grande ajuda do finado Audiogalaxy (que Deus o tenha, quanta falta nos faz... :P), lancei-me à Internet e, várias semanas depois e muitas horas de sono a menos (conexão discada é uma molecagem!!), tinha 74 mp3 da banda: todos os quatro álbuns de carreira e montes de B-sides.
A constatação foi imediata: a banda era mais controversa do que se poderia supor. Cada música de um álbum seguia um estilo, eram completamente diferentes entre si. A comparação com o Pato Fu, outra banda de pop bem-humorado, de músicas sempre distintas, algumas de certo modo experimentais e por vezes grotescas, foi inevitável. Os B-sides, então, eram estranhíssimos. Gostei de tudo, claro, mesmo reconhecendo que meu gosto poderia ser mais duvidoso do que se poderia supor.
Cerys já foi chamada de tudo. De “bêbada gente fina” a “Barbie da música pop”, passando até por um concurso que a elegeu a mulher mais mal-vestida do Reino Unido (não me perguntem a relevância disso, deve ser coisa de crítico de moda...). Sua voz é um caso a parte: melosa, quase infantil, mas mudando às vezes de tom, soando mais áspera, ou simplesmente sussurrada. Em alguns momentos, lembra uma Björk vocalmente mais inventiva; em outros, beira a desafinação, de tão afetada... Vale mencionar, ainda, o sotaque...
Cerys não é necessariamente bonita (em fotos mais recentes, do período de gravação de seu CD solo, Cockahoop, está feia de doer, na verdade), mas seu jeito de cantar e sua sensualidade levemente vulgar chamam a atenção...
As composições do Catatonia, então, podem fazer rir e melhorar o humor de qualquer um, mas também podem ferir com a sutileza das ironias ou a melancolia de alguns momentos introspectivos desses galeses. Tão distintas, as letras vão desde banalidades como o pop tosco e radiofônico Mulder and Scully (“I’d rather be jumping shit, I find myself jumping straight in… Things are getting strange I’m starting to worry, this could be a case for Mulder and Scully…”) a pérolas como a melancólica e introspectiva Whale (“It's hard to reflect when your world is sighing, You could never catch it, and there's no use trying, I blew it…”). Nomes estranhos, aliás, não faltam às composições: I am the mob, Part of the furniture, Strange glue, Goldfish and Paracetamol, Bulimic beats… O que predomina, sempre, é a originalidade… E um certo nonsense, é preciso confessar. Entender letras como “The ad begs ‘Buy bottled water’ but we know that it tastes of piss, Should be getting our tampons free, DIY gynaecology” (da música She’s a millionaire) pode mesmo ser um problema. O bom humor, no entanto, é quase onipresente. Algumas são hilárias, como a suposta preocupação de Cerys com seu relógio biológico e a maternidade, em You’ve got a lot to answer for (“You said I got the looks, well I got the means, Let's get together mix each others genes, Can't buy myself a future, my DNA'll be past it's sell by date”).
Se há, no entanto, alguma dúvida sobre a seriedade da banda, basta ouvir músicas como Dimbran, cantada toda em galês e simplesmente fantástica!
Infelizmente, o que é bom dura pouco: o grupo Catatonia acabou ainda em 2001, depois que Cerys, insatisfeita com a banda e fragilizada pelo excesso de álcool, buscou uma clínica para se recuperar de suas famosas bebedeiras. Surgiu em 2003 com um álbum solo, de estilo alternative folk, gravado na América. Não deu muito certo, pois faltou a espontaneidade e a graça da antiga banda. A música Caught in the middle, no entanto, remete aos bons momentos de Gales.
Para atestar o sucesso da banda, cito apenas que o hit Road rage foi escolhido como a melhor música de 1998 por boa parte dos críticos do Reino Unido e o álbum International Velvet, desse mesmo ano, está hoje em várias listas de melhores da década. No mais, danem-se os intelectualóides. Catatonia pode até ser uma droga, o que não concordo, mas vicia! E dá o maior barato...
Para ouvir:
Dimbran – Catatonia
Don´t need the sunshine – Catatonia
Game on – Catatonia
Infantile – Catatonia
Londinium – Catatonia
Whale – Catatonia
Some half baked ideal called wonderful – Catatonia
A paixão foi imediata. Não existia, no entanto, um só CD do Catatonia lançado no Brasil. Acostumado, no entanto, ao dilema de gostar de bandas e músicas menos, digamos, acessíveis, e motivado pela curiosidade de conhecer aquela banda popular e de qualidade, além de, claro, estar certo de contar com a grande ajuda do finado Audiogalaxy (que Deus o tenha, quanta falta nos faz... :P), lancei-me à Internet e, várias semanas depois e muitas horas de sono a menos (conexão discada é uma molecagem!!), tinha 74 mp3 da banda: todos os quatro álbuns de carreira e montes de B-sides.
A constatação foi imediata: a banda era mais controversa do que se poderia supor. Cada música de um álbum seguia um estilo, eram completamente diferentes entre si. A comparação com o Pato Fu, outra banda de pop bem-humorado, de músicas sempre distintas, algumas de certo modo experimentais e por vezes grotescas, foi inevitável. Os B-sides, então, eram estranhíssimos. Gostei de tudo, claro, mesmo reconhecendo que meu gosto poderia ser mais duvidoso do que se poderia supor.
Cerys já foi chamada de tudo. De “bêbada gente fina” a “Barbie da música pop”, passando até por um concurso que a elegeu a mulher mais mal-vestida do Reino Unido (não me perguntem a relevância disso, deve ser coisa de crítico de moda...). Sua voz é um caso a parte: melosa, quase infantil, mas mudando às vezes de tom, soando mais áspera, ou simplesmente sussurrada. Em alguns momentos, lembra uma Björk vocalmente mais inventiva; em outros, beira a desafinação, de tão afetada... Vale mencionar, ainda, o sotaque...
Cerys não é necessariamente bonita (em fotos mais recentes, do período de gravação de seu CD solo, Cockahoop, está feia de doer, na verdade), mas seu jeito de cantar e sua sensualidade levemente vulgar chamam a atenção...
As composições do Catatonia, então, podem fazer rir e melhorar o humor de qualquer um, mas também podem ferir com a sutileza das ironias ou a melancolia de alguns momentos introspectivos desses galeses. Tão distintas, as letras vão desde banalidades como o pop tosco e radiofônico Mulder and Scully (“I’d rather be jumping shit, I find myself jumping straight in… Things are getting strange I’m starting to worry, this could be a case for Mulder and Scully…”) a pérolas como a melancólica e introspectiva Whale (“It's hard to reflect when your world is sighing, You could never catch it, and there's no use trying, I blew it…”). Nomes estranhos, aliás, não faltam às composições: I am the mob, Part of the furniture, Strange glue, Goldfish and Paracetamol, Bulimic beats… O que predomina, sempre, é a originalidade… E um certo nonsense, é preciso confessar. Entender letras como “The ad begs ‘Buy bottled water’ but we know that it tastes of piss, Should be getting our tampons free, DIY gynaecology” (da música She’s a millionaire) pode mesmo ser um problema. O bom humor, no entanto, é quase onipresente. Algumas são hilárias, como a suposta preocupação de Cerys com seu relógio biológico e a maternidade, em You’ve got a lot to answer for (“You said I got the looks, well I got the means, Let's get together mix each others genes, Can't buy myself a future, my DNA'll be past it's sell by date”).
Se há, no entanto, alguma dúvida sobre a seriedade da banda, basta ouvir músicas como Dimbran, cantada toda em galês e simplesmente fantástica!
Infelizmente, o que é bom dura pouco: o grupo Catatonia acabou ainda em 2001, depois que Cerys, insatisfeita com a banda e fragilizada pelo excesso de álcool, buscou uma clínica para se recuperar de suas famosas bebedeiras. Surgiu em 2003 com um álbum solo, de estilo alternative folk, gravado na América. Não deu muito certo, pois faltou a espontaneidade e a graça da antiga banda. A música Caught in the middle, no entanto, remete aos bons momentos de Gales.
Para atestar o sucesso da banda, cito apenas que o hit Road rage foi escolhido como a melhor música de 1998 por boa parte dos críticos do Reino Unido e o álbum International Velvet, desse mesmo ano, está hoje em várias listas de melhores da década. No mais, danem-se os intelectualóides. Catatonia pode até ser uma droga, o que não concordo, mas vicia! E dá o maior barato...
Para ouvir:
Dimbran – Catatonia
Don´t need the sunshine – Catatonia
Game on – Catatonia
Infantile – Catatonia
Londinium – Catatonia
Whale – Catatonia
Some half baked ideal called wonderful – Catatonia
terça-feira, junho 22, 2004
No trabalho, as músicas sempre me encontram particularmente disposto a ouvi-las. Uma que me lembra algumas pessoas e uma situação específica:
Kamikaze - Zé Ramalho
Eu nunca que me dediquei
Muito na arte política
Eu nunca pude ser playboy
Nem sequer me adiantar
No tempo em que eu me separei
Numa razão tão mística
Um cavaleiro nunca
Um cowboy
Um verdadeiro kamikaze
Um avião destruidor de lares
Um passeio pelos ares
Um megatom de poucas esperanças
Bombas e lembranças
E quando eu de lá voltar
Não sei se poderei ficar
Ali onde beijei você
Deixando tudo pra viver
Kamikaze - Zé Ramalho
Eu nunca que me dediquei
Muito na arte política
Eu nunca pude ser playboy
Nem sequer me adiantar
No tempo em que eu me separei
Numa razão tão mística
Um cavaleiro nunca
Um cowboy
Um verdadeiro kamikaze
Um avião destruidor de lares
Um passeio pelos ares
Um megatom de poucas esperanças
Bombas e lembranças
E quando eu de lá voltar
Não sei se poderei ficar
Ali onde beijei você
Deixando tudo pra viver
Vi o depoimento do cineasta Win Wenders no documentário Janela da Alma, que afirmava ser necessário optarmos por quais imagens estamos dispostos a presenciar, uma vez que, segundo ele, essas imagens continuam, depois, a viver dentro de nós, e lembrei-me do filme Irreversível, que causou polêmica ao mostrar uma cena de estupro de nove minutos, sem cortes e com grande (e cruel) realismo.
O questionamento de ser ou não, o filme de Gaspar Noé, uma obra válida, leva-nos a outro tipo de indagação: seria a agressividade, de alguma forma, válida? Existe algum tipo de agressão que possa ser considerada boa? Chega-se, portanto, a uma questão conceitual.
Considerando-se a perspectiva de que faz-se necessário, às vezes, sacudir as pessoas de sua aparente passividade, instigando-as à reflexão, detemo-nos na questão fundamental da agressão como instrumento para se atingir esta desejável criticidade... E tal questão torna-se mais complexa, considerando-se que a agressão causada por um filme como Irreversível é quase física: nele, sons, imagens, edição, fotografia, tudo causa mal estar, fere os sentidos, maltrata... Agressão propositalmente física, vale ressaltar. Este foi, deliberadamente, o caminho escolhido pelo diretor. Assim, chegamos a outra questão, que pode ser considerada até mesmo ética, se compararmos esta situação à dos pais que usam o castigo corporal como forma de estimular a análise conscienciosa em seus filhos e incitar uma postura crítica diante de seus próprios atos. É mais ou menos essa que Noé afirma ser a intenção de seu filme: levar a sociedade à reflexão, por meio do choque.
Não me sinto à vontade para negar a validade de Irreversível, uma vez que considero a expressão, principalmente a artística, sempre importante, necessária. No mais, também sei que o raciocínio exposto aqui é por demais forçado, e creio que pode constituir-se em um perigoso sofisma. Mas o fato é que Irreversível não foi o primeiro filme a usar o argumento de “mostrar a violência para criticar o excesso de violência e sua banalização” (?!). Também obras como Réquiem para um sonho, Violência gratuita, Assassinos por natureza, dentre outras, quiseram chocar com este intuito, e sempre o que vemos são mais diretores aparecendo dispostos a ultrapassar os limites com a intenção de chocar, e cada vez mais as pessoas presenciando estarrecidas tais cenas, não raro acostumando-se a elas, e sempre o público esperando pelo que virá a seguir...
A propósito, o que virá agora?
O questionamento de ser ou não, o filme de Gaspar Noé, uma obra válida, leva-nos a outro tipo de indagação: seria a agressividade, de alguma forma, válida? Existe algum tipo de agressão que possa ser considerada boa? Chega-se, portanto, a uma questão conceitual.
Considerando-se a perspectiva de que faz-se necessário, às vezes, sacudir as pessoas de sua aparente passividade, instigando-as à reflexão, detemo-nos na questão fundamental da agressão como instrumento para se atingir esta desejável criticidade... E tal questão torna-se mais complexa, considerando-se que a agressão causada por um filme como Irreversível é quase física: nele, sons, imagens, edição, fotografia, tudo causa mal estar, fere os sentidos, maltrata... Agressão propositalmente física, vale ressaltar. Este foi, deliberadamente, o caminho escolhido pelo diretor. Assim, chegamos a outra questão, que pode ser considerada até mesmo ética, se compararmos esta situação à dos pais que usam o castigo corporal como forma de estimular a análise conscienciosa em seus filhos e incitar uma postura crítica diante de seus próprios atos. É mais ou menos essa que Noé afirma ser a intenção de seu filme: levar a sociedade à reflexão, por meio do choque.
Não me sinto à vontade para negar a validade de Irreversível, uma vez que considero a expressão, principalmente a artística, sempre importante, necessária. No mais, também sei que o raciocínio exposto aqui é por demais forçado, e creio que pode constituir-se em um perigoso sofisma. Mas o fato é que Irreversível não foi o primeiro filme a usar o argumento de “mostrar a violência para criticar o excesso de violência e sua banalização” (?!). Também obras como Réquiem para um sonho, Violência gratuita, Assassinos por natureza, dentre outras, quiseram chocar com este intuito, e sempre o que vemos são mais diretores aparecendo dispostos a ultrapassar os limites com a intenção de chocar, e cada vez mais as pessoas presenciando estarrecidas tais cenas, não raro acostumando-se a elas, e sempre o público esperando pelo que virá a seguir...
A propósito, o que virá agora?
quinta-feira, junho 17, 2004
Como aquelas decisões tomadas em um susto, escolhi, de repente, a tranquilidade, o método. Pena que essas mesmas decisões são sempre esquecidas, como que em um cochilo...
A calma e a serenidade que nos confere a certeza de que o dia tem 24 horas rapidamente se esvai, atingida pelo medo da perda, pela angústia e urgência de provar a vida... Conceituando responsabilidade, evitando associá-la, a todo momento, à obrigação da seriedade, percebi, quase por acaso, que o movimento é válido, que a trivialidade, o descompromisso, não são problemas, problemas são as posturas que nos traem, nos acomodam no terreno seguro da inatividade... Conciliar a ação constante à tranquilidade, eis o desafio de uma vida...
Vale mencionar, aqui, duas pessoas que muito têm contribuído, quase sem querer, para esse momento de entusiasmo... Pessoas que, como eu, como tantos, estão soltas, movendo-se nesse arriscado espaço em que os caminhos são muitos, as certezas muito poucas e as conquistas, sempre relativas... Ambas não conheço muito bem, uma delas, quase nada, e esta última, por sinal, acho que nem sabe que existo, mas como não penso e sinto fundamentado em coerências, deixo-me influenciar por essa relação tão tênue de respeito e por essa velada identificação...
Espero que possa conquistar a proximidade, a possibilidade da convivência... São raras as oportunidades de compartilhar momentos como esse, e tão poucas, às vezes, as pessoas que nos fazem ser, mesmo à distância, menos avulsos...
A calma e a serenidade que nos confere a certeza de que o dia tem 24 horas rapidamente se esvai, atingida pelo medo da perda, pela angústia e urgência de provar a vida... Conceituando responsabilidade, evitando associá-la, a todo momento, à obrigação da seriedade, percebi, quase por acaso, que o movimento é válido, que a trivialidade, o descompromisso, não são problemas, problemas são as posturas que nos traem, nos acomodam no terreno seguro da inatividade... Conciliar a ação constante à tranquilidade, eis o desafio de uma vida...
Vale mencionar, aqui, duas pessoas que muito têm contribuído, quase sem querer, para esse momento de entusiasmo... Pessoas que, como eu, como tantos, estão soltas, movendo-se nesse arriscado espaço em que os caminhos são muitos, as certezas muito poucas e as conquistas, sempre relativas... Ambas não conheço muito bem, uma delas, quase nada, e esta última, por sinal, acho que nem sabe que existo, mas como não penso e sinto fundamentado em coerências, deixo-me influenciar por essa relação tão tênue de respeito e por essa velada identificação...
Espero que possa conquistar a proximidade, a possibilidade da convivência... São raras as oportunidades de compartilhar momentos como esse, e tão poucas, às vezes, as pessoas que nos fazem ser, mesmo à distância, menos avulsos...
quarta-feira, junho 16, 2004
Um imponente teatro, um regente, uma orquestra e a missão de executar uma sinfonia de Gustav Mahler. No entanto, se o compositor era o alvo das reverências, parecia, ainda assim, que toda aquela celebração harmônica e apaixonada reverenciava uma única mulher, que discreta e timidamente sentada ao centro do palco, aguardava o momento de sua feérica interpretação. No seu rosto, nos minutos em que lá estava, incrivelmente só, em meio a tantos instrumentistas e em sua solitária função de solista, percebo em suas feições uma expressão indecifrável. Seria nervosismo, medo, angústia? Seria a possibilidade de algo que porventura acontecesse fora dali a tirar-lhe a concentração? Poderia, em meio a tanta beleza artística e a tantos sentimentos sublimes despertados por aquela celebração coletiva da arte, aquela mulher furtar-se a banalidades cotidianas? Ou talvez, então, a responsabilidade pelo sucesso da noite, a infalibilidade que a ela cabia, naquele momento, a martirizava?
A despeito de qualquer silenciosa interrogação por parte da audiência, ela permanecia lá, ora com os olhos inquietos e os lábios nervosos, ora inexpressiva, a boca seca e vedada, como que tomada por um sentimento de indiferente presença.
Inicia-se o quarto movimento e ela silenciosamente se levanta, discreta, as pernas delicadas movimentando-se por sob o longo vestido, e as mãos, até então comprimidas ao corpo, erguendo-se um pouco, suspendendo no ar cada nota, cada letra a ser cantada. Segue-se uma impecável apresentação, e ela mostra, então, uma inquebrantável confiança conferida pelo talento, pelo domínio da técnica, pelo sentimento da música. Ao fim, depois de calorosos aplausos, retira-se triunfante, deixando-nos mais uma vez com a dúvida: o que estaria ela a pensar em seu solitário momento, sob o peso de sua responsabilidade artística?
Mais uma vez, a música cobriu-se de encanto, a sinfonia foi executada com perfeição e continuamos, todos, a apenas adivinhar quem eram aquelas pessoas e o que a arte traz de humano, falível, coloquial...
Naquela noite, a Orquestra Sinfônica do Recife tocou a quarta sinfonia do famoso compositor Gustav Mahler. O que se destacou, no entanto, foi a face enigmática de uma única cantora lírica.
A despeito de qualquer silenciosa interrogação por parte da audiência, ela permanecia lá, ora com os olhos inquietos e os lábios nervosos, ora inexpressiva, a boca seca e vedada, como que tomada por um sentimento de indiferente presença.
Inicia-se o quarto movimento e ela silenciosamente se levanta, discreta, as pernas delicadas movimentando-se por sob o longo vestido, e as mãos, até então comprimidas ao corpo, erguendo-se um pouco, suspendendo no ar cada nota, cada letra a ser cantada. Segue-se uma impecável apresentação, e ela mostra, então, uma inquebrantável confiança conferida pelo talento, pelo domínio da técnica, pelo sentimento da música. Ao fim, depois de calorosos aplausos, retira-se triunfante, deixando-nos mais uma vez com a dúvida: o que estaria ela a pensar em seu solitário momento, sob o peso de sua responsabilidade artística?
Mais uma vez, a música cobriu-se de encanto, a sinfonia foi executada com perfeição e continuamos, todos, a apenas adivinhar quem eram aquelas pessoas e o que a arte traz de humano, falível, coloquial...
Naquela noite, a Orquestra Sinfônica do Recife tocou a quarta sinfonia do famoso compositor Gustav Mahler. O que se destacou, no entanto, foi a face enigmática de uma única cantora lírica.
Fico feliz em saber que João Falcão agora inicia as filmagens da adaptação, para o cinema, da peça “A máquina”, escrita por sua mulher, Adriana Falcão, que o diretor dirigiu no teatro e esteve em cartaz nos palcos pernambucanos. A história está diferente, mas creio que o filme amenizará a minha frustração de não ter visto a peça, aqui em Recife.
Oportunidades que perdemos, por comodismo ou timidez...
Oportunidades que perdemos, por comodismo ou timidez...
terça-feira, junho 15, 2004
Estou cansado da inteligência... dos outros, é claro! Mas calma... Não é uma reclamação motivada pela inveja, mas pela resignação, mesmo. Escrever um texto, pra mim, por exemplo, diria que é quase um parto (se conhecesse a sensação de parir, que graças a Deus, nunca o farei). Eu quero apertar parafusos, posto que pensar tem me dado muito trabalho e me causado uma grande irritabilidade.
Existe informação demais no mundo, para que tudo isso? Minha dificuldade em decidir o que é ou não importante para mim já é conhecida de todos. Com isso, haja tempo para e-mails, reportagens, comentários, opiniões, artigos, livros... Haja memória e atenção para correntes filosóficas, tendências literárias, conhecimentos científicos... E haja, também, concentração para entender tanta subjetividade.... Estou lendo Clarice Lispector, mas a abomino... Uma mulher endemoniada, vai ser inteligente assim lá na... enfim... é mentira, eu a adoro, mas que ela tinha pacto com o demônio, ah!, tinha, sim... Estou tentando ler Sartre também, mas antes preciso traduzir seu romance “As palavras”, do Português para o Juazeirês... Quanta dificuldade... Nem lembro há quantas semanas estou nessa luta. Já li mais o dicionário que o livro, propriamente.
Porém, devo confessar que creio ainda em um meio termo entre a pretensão e a modéstia, e o brilhantismo das pessoas que me cercam também me motiva a querer ser melhor... E, sempre que não der certo, recorrerei ao meu apego às sensações que conheço, a uma “atitude estética diante da vida”, a que uma vez se referiu Sabino, que não entendo racionalmente, não expresso, não explico, mas acho que compreendo, e que vai muito além do acúmulo de conhecimentos...
Existe informação demais no mundo, para que tudo isso? Minha dificuldade em decidir o que é ou não importante para mim já é conhecida de todos. Com isso, haja tempo para e-mails, reportagens, comentários, opiniões, artigos, livros... Haja memória e atenção para correntes filosóficas, tendências literárias, conhecimentos científicos... E haja, também, concentração para entender tanta subjetividade.... Estou lendo Clarice Lispector, mas a abomino... Uma mulher endemoniada, vai ser inteligente assim lá na... enfim... é mentira, eu a adoro, mas que ela tinha pacto com o demônio, ah!, tinha, sim... Estou tentando ler Sartre também, mas antes preciso traduzir seu romance “As palavras”, do Português para o Juazeirês... Quanta dificuldade... Nem lembro há quantas semanas estou nessa luta. Já li mais o dicionário que o livro, propriamente.
Porém, devo confessar que creio ainda em um meio termo entre a pretensão e a modéstia, e o brilhantismo das pessoas que me cercam também me motiva a querer ser melhor... E, sempre que não der certo, recorrerei ao meu apego às sensações que conheço, a uma “atitude estética diante da vida”, a que uma vez se referiu Sabino, que não entendo racionalmente, não expresso, não explico, mas acho que compreendo, e que vai muito além do acúmulo de conhecimentos...
Out of season...
Recife acordou com a atmosfera carregada de um inverno que chega para durar... A chuva, que até agora apenas ameaçava, escureceu de vez a cidade, o que não deixa de ser bom... A chuva reacende muitas coisas...
Pra ouvir:
Sand River - Beth Gibbons & Rustin Man
Drake - Beth Gibbons & Rustin Man
Recife acordou com a atmosfera carregada de um inverno que chega para durar... A chuva, que até agora apenas ameaçava, escureceu de vez a cidade, o que não deixa de ser bom... A chuva reacende muitas coisas...
Pra ouvir:
Sand River - Beth Gibbons & Rustin Man
Drake - Beth Gibbons & Rustin Man
sexta-feira, junho 11, 2004
Litoral, fim-de-semana... A incerteza que permeia a viagem, se já causou desânimo, hoje é fato bem aceito... Incerteza... Não é o que nos salva do desespero, afinal? A vida, contaminada pela certeza, seria menos poética... Minto; seria a morte do caos, o supra-sumo da ordem... Gratificante, às vezes, não saber o que vai acontecer... E litoral sempre nos dá (pelo menos a mim) uma sensação esquisita, estranhamento sinestésico, como se o óbvio se contradissesse... Estranhamento da vida! Vida... Tenho falado muito dela, aliás... Parece que a sinto, agora... É bom ficar de olhos atentos, pra não deixá-la ir embora...
Bom... Para um espírito feliz e bem-humorado, como a ocasião exige (embora, talvez, sem grande sucesso), uma música tão banal quanto divertida:
Daddy's car - The Cardigans
We took off that sunny day
packed our things and went away
me and friends in daddy's car
to find out how summers are
found a card to send from wherever we went
From Luxembourg to Rome
from Berlin to the moon
from Paris to Lausanne
from Athens to the sun
our car became a spacecraft
flashing through the world
crashed down in Amsterdam
We'll take off some rainy day
pack our things and go away
families and hotelbars
to find out how summers are
find a card to send to some really old friends
From Luxembourg to Rome
from Berlin to the moon
from Paris to Lausanne
from Athens to the sun
our car became a spacecraft
flashing through the world
crashed down in Amsterdam
Bom... Para um espírito feliz e bem-humorado, como a ocasião exige (embora, talvez, sem grande sucesso), uma música tão banal quanto divertida:
Daddy's car - The Cardigans
We took off that sunny day
packed our things and went away
me and friends in daddy's car
to find out how summers are
found a card to send from wherever we went
From Luxembourg to Rome
from Berlin to the moon
from Paris to Lausanne
from Athens to the sun
our car became a spacecraft
flashing through the world
crashed down in Amsterdam
We'll take off some rainy day
pack our things and go away
families and hotelbars
to find out how summers are
find a card to send to some really old friends
From Luxembourg to Rome
from Berlin to the moon
from Paris to Lausanne
from Athens to the sun
our car became a spacecraft
flashing through the world
crashed down in Amsterdam
Noites em Recife, capital do Brasil com o maior número de homicídios entre jovens de 18 a 24 anos... Se o medo nos faz temer as ruas, a vontade de desfrutar de um momento de introspecção compartilhada nos motiva ao livre caminhar. Com a arrogante indiferença dos jovens, que desdenham da vida e da morte, saímos, ainda, pelos bairros, ruas e avenidas desta cidade em busca de um pouco de humana insanidade, de voluptuosos colóquios e do pesar que repousa em cada reflexão contida. Nessas noites que um dia lembraremos, um acordo tácito, silenciado, nos leva a sutilmente ignorar as convenções e a sensatez cômoda dos que se perderam e, tão ocupados com a vida, esqueceram de viver.
As ruas podem estar desertas e o espaço, hostil, mas não sentimos receio e dançamos, rimos, alegremente falamos, mantendo viva a boemia que nos impulsiona, ainda que anacronicamente, a construir nossa zona, nosso meio-fio, nossa inflamada liberdade, nossa poética e ingênua crença no afeto e na cumplicidade fraterna daqueles que se permitiram o encontro.
"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome."
Hélio Pellegrino
As ruas podem estar desertas e o espaço, hostil, mas não sentimos receio e dançamos, rimos, alegremente falamos, mantendo viva a boemia que nos impulsiona, ainda que anacronicamente, a construir nossa zona, nosso meio-fio, nossa inflamada liberdade, nossa poética e ingênua crença no afeto e na cumplicidade fraterna daqueles que se permitiram o encontro.
"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome."
Hélio Pellegrino
quarta-feira, junho 09, 2004
É impressionante como a boa música latina nos transmite uma sensação indescritível de paixão, alegria, e um sentimento de que algo de inesperado pode acontecer a qualquer momento, como se, sem motivo aparente, uma melodia nos despertasse para a beleza da simplicidade e para o inusitado da vida... Parece viagem? Não para quem já ouviu Buena Vista Social Club. Sobre o documentário a respeito deste grupo que reuniu nomes consagrados e, infelizmente, até então esquecidos da música cubana, não há muito a comentar. Como cinema, não é nada demais. Realizado por Win Wenders, diretor alemão, consiste basicamente em intercalar o registro de dois shows do grupo (um deles no Carnegie Hall) com depoimentos de cada membro abordando temas não muito originais, como “quem sou”, “quando e onde nasci” e “como a música começou a fazer parte da minha vida”... O que torna este documentário tão especial é, particularmente, a presença de seres humanos surpreendentes como Rubén González, Compay Segundo e Ibrahim Ferrer, dentre outros. Seus depoimentos são emocionantes e rendem alguns momentos antológicos, como aquele em que Compay Segundo, na época com 91 anos e falecido recentemente, conta que aos cinco anos já acendia o charuto para sua avó, o que o levou a afirmar que fumava há 85 anos! Os charutos, aliás, são presença marcante no filme, assim como os carros antigos, o mar e as ruas de Cuba, com toda sua agitação e efervescência. Chamam também a atenção os símbolos que lembram a revolução, como inscrições nos muros ou a foto de Che na camisa de uma transeunte. O contraponto fica por conta dos bonecos de personagens do desenho animado Toy Story em uma casa e pelo encantamento dos músicos com os prédios e avenidas de Nova York. Na verdade, é impossível não refletir sobre a questão social e política em Cuba, e o encantamento causado pela “grandiosidade” desta cidade americana só contribui para reacender os questionamentos sobre a noção de desenvolvimento que cada um de nós temos. São inegáveis os problemas econômicos de Cuba, assim como a dificuldade de acesso de sua população às chamadas inovações tecnológicas. No entanto, não podemos negar, também, que a noção americana de progresso tem-se revelado, mais que nunca, uma ilusão...
sexta-feira, junho 04, 2004
Cinema... Um assunto tão recorrente neste espaço como serão o isolamento, a incomunicabilidade e o anacronismo. Hoje, recorro a ele para explicar o porquê do nome dado a esse espaço de elucubração.
Existem várias maneiras de se abordar um sentimento. Sofia Coppola resolveu filmar um deles, a solidão... E de forma tão sutil que, quase sem percebermos, a vemos transformá-lo em uma sensação quase física. Em Lost in translation, a solidão é uma questão geográfica. Mais que isso: noites em claro, caminhadas em ruas desconhecidas, falta de diálogo, incertezas, decepções, incapacidade de fazer-se entender pelo próximo, indefinição quanto à sua profissão, à sua vida... Neste filme, a solidão é uma questão pessoal, de cada um dos que o assiste e consegue absorver as sensações que, sutilmente, emanam da tela... Está longe de ser um filme excelente, mas cria uma relação de identificação tão grande com aquele que o vê que se torna difícil não nutrir, por ele, um carinho especial.
E escrever é quase sempre um ato solitário... Por isso, neste caso, vale a pena a comparação. Está batizado, este blog...
P.S. Acrescentado em 2008: Quando surgiu, este blog atendia também pelo nome de Lost in solitude.
Existem várias maneiras de se abordar um sentimento. Sofia Coppola resolveu filmar um deles, a solidão... E de forma tão sutil que, quase sem percebermos, a vemos transformá-lo em uma sensação quase física. Em Lost in translation, a solidão é uma questão geográfica. Mais que isso: noites em claro, caminhadas em ruas desconhecidas, falta de diálogo, incertezas, decepções, incapacidade de fazer-se entender pelo próximo, indefinição quanto à sua profissão, à sua vida... Neste filme, a solidão é uma questão pessoal, de cada um dos que o assiste e consegue absorver as sensações que, sutilmente, emanam da tela... Está longe de ser um filme excelente, mas cria uma relação de identificação tão grande com aquele que o vê que se torna difícil não nutrir, por ele, um carinho especial.
E escrever é quase sempre um ato solitário... Por isso, neste caso, vale a pena a comparação. Está batizado, este blog...
P.S. Acrescentado em 2008: Quando surgiu, este blog atendia também pelo nome de Lost in solitude.
A expressão é uma necessidade humana. Por mais desarticulado, sem sentido, banal ou inconfessável que seja um pensamento, sua exteriorização é sempre um alívio. Um pedaço de papel, um acorde, um gesto, um som... Acima de tudo: uma palavra, escrita ou proferida ao acaso, para cristalizar, nem que seja por alguns minutos, uma idéia que não cabe em si, rendendo-se ao ímpeto da revelação... Pouco importa que ninguém a ouça ou sinta, ela existe por si só, e espera apenas por aquele momento em que irá se tornar linguagem. Depois de um ano e meio, é hora de apertar o botão e publicar... E mais um blog é feito, honesto, embora inútil...
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