quinta-feira, junho 28, 2007

adeus, autismo

pronto, me arretei! o blog agora está horrível, mas pelo menos - eventualmente - comentável. algum dia descubro como melhorar isso.

terça-feira, junho 26, 2007

o Outro invertido

Algum dia eu conto aqui a história de um indivíduo que encontrou o seu Outro – não o seu complemento, um correspondente harmônico, mas um Outro cruel, espécie de espelho invertido mostrando-lhe tudo que ele não poderia ter ou ser. Um Outro polimorfo, sem rosto definido, pulverizado, fragmentado, líquido, fugidio, mostrando-se em pequenos detalhes e grandes recorrências. Um Outro absurdamente falso e estereotipado que é capaz, no entanto, de causar as angústias mais verdadeiras, apenas pela menção de sua possível existência.

Um dia eu conto essa história. É, sem dúvida, uma história apaixonada: permeada de ressentimento, negação e esperas frustradas, mas também cheia de uma irrefreável tentação.

sábado, junho 23, 2007

embaços de sábado à noite

elevator beat disse:
tô aqui escrevendo e baixando música do pink floyd

amandita disse:
hahahaha

elevator beat disse:
minha maior alegria na noite de são joão vai ser na hora da pausa do artigo ir ouvir música

amandita disse:
e a minha vai ser ir atrás de uma canjica

amandita disse:
mas só :(

elevator beat disse:
hahahaha

elevator beat disse:
minha irmã deixou uma pamonha pra mim :/

amandita disse:
vou ver se eu vejo algum filminho...

Eu sei, eu sei, não tem graça. Mas a questão é justamente essa. Depois de hoje eu decidi que vou fazer um pacto de sangue (comigo mesmo) pra nunca mais deixar nada nessa vida pra última hora.

quarta-feira, junho 20, 2007

a arte derrubando preconceitos

Em 1999, Almodóvar nos apresentou a Agrado, um travesti dedicado e amoroso cuja missão a que se tinha atribuído na vida havia sido “agradar as pessoas”. Em um momento, Agrado rouba a cena, literalmente, ao aproveitar o espaço de uma apresentação teatral cancelada para mostrar que realmente ela tinha algo a dizer. Narrando a história de sua vida, o cuidado em apresentar cada uma das modificações corporais pelas quais passou, cada pequena intervenção cirúrgica realizada, era muito mais do que mera demonstração orgulhosa do que lhe proporcionava grande felicidade e satisfação. Significava, acima de tudo, que era impossível compreendê-la ignorando este percurso pelo qual ela, como muitas outras pessoas, intransigentemente vão ao encontro de si, constroem suas identidades e atribuem sentido às suas vidas. Clara, assim, ressoa a frase final de sua apresentação: "como dizia, sou uma mulher muito autêntica. Porque mais autênticos somos quanto mais parecemos com aquilo que sonhamos".

Com esta afirmação, Agrado diz muitas coisas. Primeiro, que a auto-determinação humana passa, sem dúvida, por um processo de conhecimento do próprio corpo, e que as identidades - sejam culturais, sexuais, políticas - são construídas e reconstruídas neste processo de emancipação, de afirmação das diferenças e de reconhecimento. É, em suma, uma criação. Ensina-nos também, então, que os argumentos tolos de que tais comportamentos e sexualidades não seriam naturais ignoram algo intrínseco ao ser humano: sua condição como um ser cultural, que desde seu surgimento (ao menos na forma como é concebido hoje pelas ciências humanas) está entendido e reconhecido como um ser que transforma a realidade, que age sobre a natureza e a transcende de muitas formas - seja por sua religião, suas crenças, seus hábitos, seu labor. Negar a legitimidade destas sexualidades múltiplas e que reconfiguram as noções de gênero é atribuir aos homens e mulheres uma condição menos que pré-histórica - afinal, desde lá o homem já transformava seu entorno, já produzia arte e significado sobre as coisas do mundo. Significa ignorar que a sexualidade, o desejo, o prazer, são subjetivos e, como tais, envolvem sentimentos, valores e experiências. Nem a estreiteza do determinismo biológico, nem a ingenuidade da consciente e voluntária “opção”: sexualidade, corpo e prazer são elementos indissociáveis à própria trajetória de uma vida e, como vida, nem sempre controláveis – embora de modo algum pré-determinados.

Agrado evoca a dimensão do sonho para nos falar do valor de – mesmo sob as condições mais adversas e contra as forças normalizantes – se tornar aquilo que se é. E, com este filme, Almodóvar nos ajuda a entender um pouco melhor esta outra perspectiva, nos mostra o autêntico e o sensível e nos comove, ao mesmo tempo em que nos faz pensar nas dificuldades e cicatrizes deixadas por este percurso que envolve, quase sempre, um enfrentamento direto com mentes que anseiam pelo homogêneo e, em suas limitações e abusos, oprimem e combatem as diferenças. Permitindo-nos conhecer o ponto de vista de Agrado, fazendo-a subir ao palco e contar sua história, a arte nos propicia este reconhecimento. Subverte, dando voz aos desvios, e mostra a legitimidade das motivações que justificam o silicone. Com isso, derruba alguns preconceitos.

Levando esta proposta bem mais longe, os atores do Coletivo Angu de Teatro sobem ao palco para falar diretamente à “sociedade recifense” com a peça Ópera. Na contramão dos muitos discursos que procuram obstinadamente combater o preconceito a partir da negação dos estereótipos e da defesa da igualdade, da idéia de que o homossexual deve “ser aceito e reconhecido como qualquer outro ser humano”, a proposta do espetáculo assume uma estratégia bem diferente. Contra a postura do politicamente correto que acaba por resvalar em opiniões pseudo-tolerantes mas que travestem um ímpeto inegavelmente homogeneizador – do tipo “ele é gay, mas é discreto” – Ópera escancara sua bichice e sobe ao palco munida de plumas, cores, sungas vazadas e salto alto para subverter moralismos a partir de uma diferença não-pasteurizada, não-diluída, e por modos de vida pautados por valores, relacionamentos e estéticas que não se enquadram no hegemônico. Modos de vida permeados por dores, adversidades, solidões e desencontros - como tantos - mas também de certo modo mais alegres, mais irreverentes: mais gay.

Resumir a peça à temática homoerótica seria reduzi-la. As formas a partir das quais as histórias nos são contadas apresentam em si um grande atrativo, ao trabalhar esteticamente as linguagens da radionovela, da fotonovela, da telenovela e da ópera. Difícil, no entanto, não se deter à questão da sexualidade, seja pela temática comum aos contos encenados, pela concepção estética do espetáculo, pela ênfase em assuntos comuns a este universo ou mesmo a forte presença do sexo – falado ou encenado – no palco. E, neste âmbito, a atenção especificamente voltada, em muitos momentos, para as questões do corpo e como ele está relacionado à construção das identidades pode-se justificar pelo fato de que talvez poucos estejam tão suscetíveis à crítica, à discriminação e marginalização quanto aqueles que não apenas se dedicam a práticas sexuais não estabelecidas pelo cânone como também sua própria auto-afirmação passa pela reconfiguração de seu corpo, e cuja vivência plena depende dessa corporeidade cambiante.

Assim, Pedro quer ser Petra e se reconhece como mulher desde criança, não obstante alguns “detalhes” de sua anatomia e a complicação que tal situação assume na chegada da puberdade. O que, para ele, seria a confirmação de sua feminilidade, chega de forma inusitada mas, ainda assim, torna-se motivo para uma alegria radiante. Do mesmo modo, a participação de Andrea Close cantando “we are beautiful, no matter what they say” deixa claro esta satisfação, esta felicidade subjacente à capacidade de conseguir emancipar-se ao ponto de, enfrentando a intolerância, dar ouvidos primeiramente à vontade obstinada de ser “plena”. Sentido semelhante assumiria, a propósito, o bordão “sou bela e feminina”, brincadeira afetada e recorrente do Las bibas from Vizcaya, um outro projeto que busca - nesse caso tendo como principal ferramenta a internet – associar uma estética do grotesco, do exagero, da subversão e da celebração gay ao universo midiático da música eletrônica e do ciberespaço.

A síntese das conexões (e até mesmo quebra) entre esta dualidade homem-mulher está representada no momento do espetáculo em que um ator apresenta um número musical com a técnica bastante conhecida e comum de promover um corte em sua caracterização, assumindo em um dos lados do corpo o cabelo, a maquiagem e a roupa de uma mulher e, no outro, os traços de um homem. A alternância dos lados de acordo com a música – quando o homem canta, quando a mulher canta – no melhor estilo “duetos” desemboca em um momento no qual o ator, virado frontalmente para a platéia, apresenta a um só tempo os dois lados diferentemente caracterizados, enquanto as vozes se sobrepõem no clímax da canção. Bastante significativo, pois deixa de haver alternância: são homem e mulher em um só corpo, e como papéis representados pelo mesmo homem/ator.

Mas nem tudo é tão simples. Não se trata apenas de inverter os valores, convocando a sociedade para uma apoteose do travestismo e da afetação. Recorrer a isso seria cair em um erro comum a muitos “militantes da causa” de simplesmente reconstruir os discursos sobre a sexualidade preservando sua pretensão totalizante. A relevância da peça consiste justamente em dar visibilidade a essa ampla gama de sexualidades possíveis. Não se trata de clamar pela supremacia gay: significa, antes, colocar essas categorizações em cheque.

Lembremos Madame Satã, a grande obra de Karim Ainouz. Em determinado instante, o personagem-título brada: “sou bicha porque quero, e não deixo de ser homem por isso”. Negar ao indivíduo que se interessa por pessoas do mesmo sexo a possibilidade de afirmar-se enquanto homem é um efeito ideológico comum. Seguindo esta linha de raciocínio, ser homossexual, bissexual ou afins implicaria renunciar à masculinidade. Mas, repetimos, nem tudo é tão simples. O elogio à discrição não poderia ser simplesmente combatido com a louvação ao estardalhaço, e Ópera não ignora este ponto. Logo após a performance da transexual Andrea Close, os atores que anteriormente haviam povoado o palco em cima de saltos e cobertos de plumas retornam ao mesmo e se despem, desfazendo-se de seus apetrechos, para vestir suas roupas - cada uma com seu estilo, mas todas perceptivelmente “masculinas”, ou seja, remetendo ao vestuário que, como elemento simbólico, representa este gênero. O próprio ato de despir-se e vestir-se frente ao público remete a esta questão das identidades, à construção de papéis socialmente compartilhados, como estes são assumidos, trabalhados e combinados em cada indivíduo. A mensagem parece indubitável: podemos ser mulheres, podemos ser homens, e podemos também ser muitas outras coisas além disso. Assim, a contemplação de sexualidades “fora dos padrões” não necessariamente implica uma renúncia à identidade masculina; pode, antes, estendê-la, reconfigurá-la, transbordá-la. Do mesmo modo, a explicitação de uma cultura e um modo de vida gays não precisa descambar para o exotismo, para a encenação ridicularizante, desumanizadora, que desrespeita as nuances. Neste sentido, o espetáculo é político, se posiciona. O que rejeita, na forma como se coloca, é a reverência com que se cultiva, em outros espaços e com certas idéias limitadoras, a “seriedade”, a sisudez.

Como dito, trata-se antes de colocar as categorizações em cheque. Sabemos que há um amplo impulso social para a explicitação das práticas sexuais – vide o empenho de Foucault em estudar os processos e mecanismos pelos quais se dá a incitação aos discursos – e que a “vontade de saber” convoca os indivíduos a “dizerem a sua verdade”, embora, para tanto, sejam levados a definir-se a partir dos termos socialmente estabelecidos. Assim, são enquadrados em categorias rígidas e atomizadas, nas quais as subjetividades são reduzidas às concepções vagas, homogeneizantes e questionáveis do que implicaria ser heterossexual, homossexual, bissexual. Os próprios movimentos que tratam desta questão parecem ter-se dado conta disso, uma vez que o que era gls virou lgbtt – e tudo leva a crer que novas letrinhas venham somar-se as já “categorizadas”.

Talvez se trate menos de escolher as letras – ou, o que é pior, alinhá-las em uma sigla, por “ordem de prioridade” – mas conceber a discussão da diversidade realmente a partir desta idéia, a diversidade, ou seja, vendo-se cada indivíduo como único, múltiplo, e admitindo que, embora seja reconhecida a importância dos movimentos aglutinadores, estes não podem perder-se em seu discurso e, na ânsia de combater preconceitos, reproduzir uma “ética heterossexual” – recorrendo a uma outra idéia de Foucault - com um discurso invertido, de defesa intransigente da estética do arco-íris. A favor desta concepção mais sensível das subjetividades que compõem a sexualidade, recordemos que algumas formas de vida socialmente rechaçadas no passado hoje são mais bem aceitas e que o que hoje é tabu amanhã poderá ser encarado com maior naturalidade. Não se trata apenas, então, das estratégias de defesa de uma única e determinada “categoria”, mas de rever os próprios mecanismos sociais que geram intolerância. Se a autenticidade reside na forma como nos aproximamos dos nossos sonhos, convém buscar menos respostas, conviver melhor com as incertezas, com o subjetivo, com o diferente. Afinal, os sonhos não são categorizáveis.

quinta-feira, junho 14, 2007

amantes constantes

É sobre liberdade, acho. E a sensação inexplicável de que deveria haver algo mais na vida, pelo que lutar e pelo que viver, e que, não sendo encontrado, só deixa vazio, uma falta que nem o suposto amor preenche. Porque ao lado do amor está uma procura que não cessa. Ou porque o amor é sempre outra coisa. Ou porque, como diz a mocinha quando olha bem nos nossos olhos em pleno cinema e nos fuzila, "a solidão que existe no coração de cada homem é inacreditável".
Philippe Garrel nos faz crer - de verdade - que a ressaca de 68 deve mesmo ter sido horrível, e que a ânsia daquela juventude só poderia mesmo transbordar, parcialmente sufocada. Ok, Sr. Garrel! Mas nestes dias em que não parece restar nem sombra daquelas barricadas, e em que a ânsia, a insatisfação e o desconforto são para os tolos; enfim, onde tudo é cinismo e "narcisismo desvairado", há muitos que também precisam de ópio...

quarta-feira, junho 13, 2007

selma rules

O que será que a grande e magnânima Selma teria a nos dizer em dias como ontem e hoje, hein? Ó, Selma, eu que sou teu fiel discípulo, em face dos últimos acontecimentos te suplico: dai-me sabedoria e perspicácia para manter a serenidade e continuar com meus aprendizados selmísticos, sem jamais fraquejar!

... Discípulos de Selma, uni-vos!

sábado, junho 09, 2007

uma mudança não muito sutil

Eu, como diria Fernando Sabino, estou igual àquele anúncio de remédio: "E eu era assim; cheguei quase a ficar assim; mas graças ao Elixir de Inhame, hoje eu sou assim".

domingo, junho 03, 2007

centrojá

Há um projeto chamado Bajofondo Tango Club, que mistura tango com música eletrônica e - principalmente no seu segundo trabalho, o Supervielle – um monte de outras coisas. Este projeto, que se não me engano é de um uruguaio e um argentino, é provavelmente a coisa mais linda que eu vou ter o prazer de ouvir este ano, particularmente por uma música, Centrojá.

Há pessoas que conhecem e entendem de música, e para quem a qualidade desta vem de uma certa competência melódica, de composição e execução nas obras, dentre muitas outras qualidades que podem passar despercebidas a ouvidos menos treinados. Estas são poucas, e sabem do que estão falando. Para outros, a música é como uma trilha sonora, boa não tanto pela qualidade técnica, mas pelo que despertam, pelo modo como se encaixam e passam a “pertencer-lhes”, musicando determinados momentos ou fases vividas. Um pano de fundo indispensável para os dias, um remédio, uma cápsula milagrosa que faz imergir em sensações e que, eventualmente, pode armazenar sentimentos, sempre retomados em futuras audições – o que pode ser muito agradável, mas também extremamente melancólico (e por vezes perigoso). Eu me encaixo fácil, fácil na segunda categoria. Não ousaria, então escrever uma palavra sequer para falar de música. Mas falo do que sinto. As músicas do Bajofondo são meio híbridas, urbanas, alternadamente intimistas e empolgantes, cheias de referências – de jogos de futebol a rádios populares – e, por tudo isso, modernas e cheias de possíveis sentidos.

E Centrojá, para mim, é linda.

anomia

Somos interpelados de muitas formas. Até nas mais pequenas coisas somos levados a nos expressar, a dizer o que pensamos e somos, mesmo quando não temos clara idéia do que possamos ser ou devemos pensar, de fato. Vivemos em mundos múltiplos e desconexos e respondemos por ações e palavras que não se completam, mas tentamos juntar estes pedaços de vida e sentido e atribuir-lhes o nosso nome. Buscamos saber - e dizer - o que somos, e não raramente nos surge a dúvida se podemos de fato ser nomeados de modo singular, monolítico.

Vivemos de forma fragmentada, vendo tudo a partir de molduras, recortes e enquadramentos que nem sempre se encaixam. Em um mundo de tantas formas esquizofrênico, dedicamos nossa emoção e afeto a algumas coisas, defendemos com convicção política (ou com uma certa falta dela) outras, elaboramos racionalmente nossos pensamentos de uma terceira forma, e as ações, essas simplesmente não obedecem muito ao imaterial mundo das idéias e sonhos. Perdidos no meio dessa bagunça tentamos saber quem somos, no que acreditamos de fato e, sobretudo, no que vale a pena acreditar, com a esperança de descobrirmos a forma certa de viver, mesmo sabendo racionalmente que a forma certa parece não existir de fato.

Persistimos nesse esforço para que um grande número de contradições, conflitos, vontades e convicções se encaixem e então possamos dizer: - “Está aqui: este sou eu! É este universo delimitado que responde pelo meu nome”. Porém, como eu é uma fantasia, uma ficção, sempre há algo que sobra, não se encaixa na fórmula, e quase sempre isso que sobra é a parte obscura ou incerta que não queremos que entre no inventário de nossas particularidades. Mas digo quase sempre porque, às vezes, o eu se rebela - anarquia do querer e do saber ser - e viramos um monte de partes desconexas sem qualquer hierarquia: não sabemos mais o que prevalece, o que pôr em primeiro plano e o que descartar ou esconder.

Sou muitas pessoas que não dialogam entre si, não se entendem e sequer conhecem a frágil ordem de uma fila indiana.