sábado, julho 31, 2004

A propósito, já que mencionei, gostaria de ratificar: encontrei algumas semelhanças entre este filme italiano, Respiro, e outros dois, o mexicano E sua mãe também e o espanhol Lucía e o sexo. Quanto à película mexicana, ainda falarei dela aqui: no dia em que tiver palavras para explicar porque enxergo tanta poesia nessa história aparentemente esdrúxula e considerada por muitos como apelativa. Por enquanto, fico com algumas frases do trailer do filme (aliás, o melhor trailer que já vi na minha vida. Alguém já pensou que um trailer pode ter qualidade artística? Essse eu acho que tem...)


"La vida tiene sus maneras de enseñarnos"



"La vida tiene sus maneras de confundirnos"

"La vida tiene sus maneras de herirnos"


"La vida tiene sus maneras de curarnos"

"La vida tiene sus maneras de inspirarnos"
Respiro.
Experiência visual, aguça os sentidos.
Algo como a cena do mergulho de Luíza, em E sua mãe também, prolongada e diluída em noventa minutos de mar.
Agir conforme os sentimentos, indiscriminadamente, provocando a ira dos que já encontraram uma anestesia para curar-se da ânsia de vida.

Depois do filme, uma pequena destruição. Juro, foi sem querer. Como sempre...

Tese a ser desenvolvida em um futuro mestrado: os efeitos degradantes do álcool estão condicionados à consciência do fracasso etílico. Alguém já reparou que, nos primeiros minutos após acordarmos não há mal-estar físico, e só depois que tomamos consciência do que fizemos a famosa ressaca torna-se perceptível?

P.S. Desculpem, Lavis e Ceci, mas não vou atender aos pedidos e tentar explicar o porquê do nome Respiro. hehehe O filme é muito visual para isso... Mas Kléber Mendonça Filho falou (e muito bem, como sempre) sobre ele... Vejam a crítica no cinemascópio. Aí vai um pequeno trecho:

"Toda a parte final, construída a partir de imagens que parecem gritar "poesia!", poderá funcionar dependendo do que cada espectador entende como poesia, humanismo e identidade cultural."

sexta-feira, julho 30, 2004

Sensação de não saber dizer o que sinto. Alguns diriam, ironicamente - que novidade!
O que sei, na verdade, é que mudo. Agora, ao que parece, em velocidade cada vez mais frenética, jogando fora certezas, descartando planos, desmembrando esforços em uma série de causas e sem-causas...
O fato é que pus-me a pensar, a caminho do trabalho, no que já fiz e hoje desaprovo, no que já gostei e hoje abomino, nas atitudes que tive e que hoje não reconheceria em minhas próprias ações. Não quero, no entanto, fazer um comentário doído e dizer que a mudança é difícil, inesperada, etc, etc... Pelo menos isso já sei e enxergo tranquilamente: as mudanças são fatos naturais, e muito bons, por sinal! O que me deixa meio sem jeito é essa falta de perspectiva a respeito de quem sou, das qualidades e defeitos que tenho, atitudes que tolero, e do meu jeito pessoal de lidar com situações, de enxergar aos outros, a mim mesmo...
É difícil definir uma pessoa, explicá-la, descrevê-la, mesmo quando não a conhecemos tanto, não apreendemos suas nuances... O que dizer, então, de nós mesmos, se somos capazes de acompanhar cada mínimo pensamento, ou a maioria deles ( mesmo deixando correrem soltos, inobservados - enquanto dormimos, talvez - alguns deles)? Como nos definirmos? Somos aqueles que melhor nos conhecemos e é exatamente por isso que é por meio de nós mesmos que descobrimos que as pequenas sutilezas humanas são indizíveis.
Confesso: algo que li contribuiu para despertar-me estas reflexões. Tudo vai, no entanto, um pouco além de simples exercício mental: há o que percebo claramente e é fato, explícito e inegável.
Vejo às vezes pequenas amostras de vida solidificadas com tanto esforço sendo sumariamente desconstruídas, abandonadas sem intenção, malícia ou consciência, apenas tornando-se incompatíveis com nossa forma de ser, com as posturas que - erradamente, talvez, mas de forma honesta - assumimos.
Somente pequenos fragmentos do passado ainda reconheço. Atitudes e posturas que remontam há tempos atrás: por minutos, desconhecer qualquer razão, qualquer motivação, e ver-se solto e desnorteado... Encontrar-se momentaneamente fatigado, exausto pelo esforço do convívio, do entendimento, da aproximação... Buscar o isolamento, fechar os olhos e sentir-se intimamente ligado, por meio de laços inexplicavelmente firmes, ao que sempre se prezará... Tentar pegar o vento, em todos os sentidos de humano sonho, por toda a ingenuidade que só restou, talvez, em melodias...

Catch the wind - Donovan

In the chilly hours and minutes
Of uncertainty
I want to be
In the warm hold of your loving mind.

To feel you all around me
And to take your hand
Along the sand
Ah, but I may as well try and catch the wind.

When sundown pales the sky
I want to hide a while
Behind your smile
And everywhere I'd look, your eyes I'd find.

For me to love you now
Would be the sweetest thing,
It would make me sing
Ah, but I may as well try and catch the wind.

When rain has hung the leaves with tears
I want you near
To kill my fears
To help me to leave all my blues behind.

For standing in your heart
Is where I want to be
And I long to be,
Ah, but I may as well try and catch the wind.

quinta-feira, julho 29, 2004

Já que falei sobre o livro de Clarice, vou comentar aqui a respeito de duas outras mulheres que também se garantem:

Lançado o cd novo de PJ Harvey. Ouvi uma música, muito boa. A quem interessar: chama-se Uh huh her.

Chegaram também, no Brasil, os quatro cds ao vivo de Bjork. Li uma matéria citando a sua "voz élfica" como uma das justificativas para a importância desses registros. Cá pra nós, a tal "voz élfica" de Bjork é chatinha pra cacete, mas na concepção das músicas ela se garante. Cada show tem um novo arranjo: instrumentos inusitados, piano, acordeon, cordas, instrumentos de sopro, coral de vozes angelicais, harpa, microbeats... Sons etéreos, oníricos, eéricos ou a viagem que for: tenho certeza de que valem a pena.

Sugestão para quem tiver dinheiro: comprem e me emprestem... :p


terça-feira, julho 27, 2004

Depois de algumas semanas, fiquei agora um pouco mais longe, talvez, do “selvagem coração da vida”. As palavras, no entanto, permanecem, como aquelas brasas jogadas a tantos e que alguns buscam, desajeitadamente, livrar-se, enxergando na ousadia dos nomes e das idéias um quê de ofensa, petulância... Ficam também as sensações, e uma certa percepção, talvez, da estranheza e fascínio da vida. Restam, ainda, as dúvidas, os questionamentos, o deslumbramento pelo mundo que se abre...

Pensei em colocar aqui algum trecho que evidenciasse a genialidade de certas idéias, palavras trabalhadas como objeto de arte... Mas perdi-me, e se pudesse transcreveria aqui todo o livro. Deixo, portanto, apenas alguns fragmentos, momentos de existência cristalizada em palavras...

“Coisas que existem, outras que apenas estão...”

“A beleza das palavras - natureza abstrata de Deus. É como ouvir Bach.”

“A água cega e surda mas alegremente não-muda...”

“... você já pensou que um ponto, um único ponto sem dimensões, é o máximo de solidão? Um ponto não pode contar nem consigo mesmo, foi não-foi está fora de si.”

“Joana diria: eu me sinto tão dentro do mundo que me parece não estar pensando, mas usando de uma nova modalidade de respirar.”

“Eternidade não era a quantidade infinitamente grande que se desgastava, mas eternidade era a sucessão”

“Às vezes mesmo, por puro prazer, inventava reflexões: se uma pedra cai, essa pedra existe, houve uma força que fez com que ela caísse, um lugar de onde ela caiu, um lugar onde ela caiu, um lugar por onde ela caiu – acho que nada escapou à natureza do fato, a não ser o próprio mistério do fato.”

“É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo.”

“A personalidade que ignora a si mesma realiza-se mais completamente.”

“A noite densa e escura foi cortada ao meio, separada em dois blocos negros de sono. Onde estava? Entre os dois pedaços, vendo-os – o que já dormira e o que ainda iria dormir -, isolada no sem-tempo e no sem-espaço, num intervalo vazio. Esse trecho seria descontado de seus anos de vida.”

Para ler: Perto do coração selvagem, Clarice Lispector

Espera

Tentativa frustrada de ler, expectativa pela chegada, pela quebra do silêncio, pela chave girando na porta... Busca por um pouco de conforto, casualidade fingida, atenção depositada nos olhos firmes e nos movimentos de um cão... Qualquer manifestação de alegria: quebra de ritmo, sinal de espera.
Uma palavra que se diga, uma oportunidade para comentar e entreabrir aquele pensamento, espreitando... Uma brecha para o segredo - a preocupação.
Comentário forçado, é verdade, momento inoportuno, mas em hora necessária: a paz buscada em migalhas, ao menos.
O que se ouve, afinal, é bem menos que o esperado... Mais que isso - ouve-se o que é óbvio, o que já se sabia, o que havia de ser dito e que não altera, em nada, o presente... Ou altera?
Um pouco de tranquilidade esgarçada, arrancada à força. Estômago ainda embrulhado, constrangimento pelo que nunca deveria ser aceito, mas resignação... Há o que precisa ser aceito, há o que se deve pedir, em nome do bom senso.
Mas há, acima de tudo, o que não se prevê, não se resolve, não se antecipa nem se atrasa. Há o que vem, apenas...

segunda-feira, julho 26, 2004

"Vou levando assim
que o acaso é amigo
do meu coração
quando fala comigo,
quando eu sei ouvir..."

domingo, julho 25, 2004

Sunset boulevard

Visão ácida e irônica de Hollywood.
Toques sombrios revelando a cruel decadência de uma atriz do cinema mudo.
Um final estarrecedor.

-You’re Norma Desmond. You used to be in silent pictures, you used to be big.
- I am big. It’s the pictures that got small!


sexta-feira, julho 23, 2004

Momento “diário” (é, às vezes é necessário...)

Eu estou me sentindo como aquele cara do e-mail do “amigo pra caralho”... Aquele que vai na sua festa, toma todas, chuta  o seu cachorro e, no fim das contas, só é encontrado pela empregada na segunda-feira, na hora da faxina, atrás do sofá! Até que é engraçado... hehehehe.
Já a constatação de que se é alcoólatra nunca é um momento muito feliz... Pois é... E meia-hora atrasado, com a mesma roupa de ontem (ainda bem que todo mundo fingiu que não percebeu... :P), cabelo desgrenhado, cara de bêbado indisfarçável e dois copos de suco de laranja depois também me levam à conclusão de que eu sou o sujeito mais irresponsável que já pisou no TJPE.
Mas fazer o quê... essa vida até que é bem gozada, afinal, Pajé... :P

P.S. Se Mr. Magoo (vulgo PCU) quiser falar comigo, se Petrúcia não aparecer com o lanche ou se qualquer outra coisa anormal acontecer nesse pesadelo kafkiano chamado Poder Judiciário, eu juro que morro, hoje...

...

Outra: se o centro da cidade ontem estava beckettiano, hoje, então, tava totalmente surreal... ou eu tava perturbado do juízo, sei lá... mas é melhor surreal que beckettiano.... essa história de mutilações, barbárie, absurdo, não é lá muito legal...

Outra ainda: estava copiado na minha agenda, mas tentei lembrar tanto, ontem, que vou transcrever aqui:

“Vai, vai, vai, vai ,vai ,vai, Brasil, destrói a fé do jovem filho teu. Pra depois chamar-lhe adulto, faz-lhe este insulto, tem uma fase antes do cinismo que a gente pelo menos tem que crer. Antes de se vender, de se render, se corromper, a gente entra no crime ou entra em algum PT.”
Tom Zé, Caros Amigos

terça-feira, julho 20, 2004

Pausa entre um delírio de febre e outro, antes do estudo e em proveito da folga não-espontânea no trabalho...
Pausa pra organizar as idéias, pra escrever que tenho sonhado quase todas as noites com algo muito ruim... Algo que me preocupa durante o dia, como um pensamento que persiste em segundo plano, enquanto penso outras coisas... que me dá um embrulho esquisito no estômago e, só de lembrar, ocasiona uma descarga ruim de adrenalina no corpo... e como se não bastasse tanto, ainda tumultua meus sonhos...
Sim, a ameaça, o medo, a incerteza. A vertigem, acima de tudo.

...
 
Existe um texto de Otto Lara Resende de que gosto muito. Na verdade, acredito que eu estou contido em cada palavra desse texto, e ele diz simplesmente tudo o que eu diria se conseguisse escrever desta forma. Há uma parte nele que nunca fez tanto sentido pra mim quanto agora:
 
"Foi um ato irresponsável confiar-me a mim mesmo. Meu destino gira nos meus dedos. Não me pertenço e nem me encontro."
 
Eu estou realmente preocupado...

domingo, julho 18, 2004

Eu fico imaginando um dia em que não vai haver mais música pra me confortar, nem me fazer ver tudo sob outra perspectiva...
 
(Alguém mais pensa nisso, ou apenas eu tenho medo de não encontrar mais nenhuma melodia que me entusiasme tanto quanto as que já conheci?)

Não existe outra palavra, mesmo: confortar... Lembrei-me de um e-mail que recebi há um bom tempo atrás, de uma amiga, falando sobre "bastar a si mesmo", ou algo assim, e lembro que respondi que não conseguia... Pois é, um dos únicos momentos em que se torna mais fácil esse desprendimento em relação a tudo - esquecer um pouco do que está ao redor e confiar-se, acreditando que é possível, mesmo que sozinho, transformar o dia seguinte, surpreender o antigo com uma nova e inesperada determinação - é quando se ouve algo assim...

Blackbird - The Beatles

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise.

Blackbird singing in the dead of night
Take these sunken eyes and learn to see
All your life
You were only waiting for this moment to be free.

Blackbird fly Blackbird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird fly Blackbird fly
Into the light of the dark black night.

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
You were only waiting for this moment to arise
You were only waiting for this moment to arise
You were only waiting for this moment to arise.
 
...

Queria conservar esse sentimento pra sempre...

P.S. Eu tenho ouvido sempre a versão da trilha sonora do filme I am sam, com Sarah Maclachlan.


sábado, julho 17, 2004

Horas que passam, pensamentos, temores, escolhas, irresponsabilidades.

C   e   n   t   r   a   r

Não é hora de desânimo, apenas de perceber que o tempo passa e os atos têm consequências. E, claro, lembrar que sempre podemos ser incompreendidos.

quinta-feira, julho 15, 2004

Sabe aqueles dias em que você é tomado por um mau humor irremediável? Pois é, todo mundo já deve ter sido acometido por esse mal algum dia, e para cada um há um fator crítico que desencadeia tamanho estado de irritabilidade. Para mim, um dos elementos mais estressantes da vida cotidiana, sem dúvida, é o trabalho. Se você está sobrecarregado, tende a ficar nervoso por ser demasiadamente cobrado e “entupido” de atividades de caráter urgente. Se não, sente-se subaproveitado, subestimado e todos os outros “subs” possíveis.
Mais irritante do que um dia de trabalho que você não consegue suportar só mesmo o ambiente em que esse trabalho se desenvolve. Não é por nada, mas você acaba por criar uma certa aversão ao espaço físico à sua volta, e as pobres pessoas que o rodeiam são alvos constantes de sua ira. E vou ainda mais longe: pior ainda que o ambiente e as pessoas são as músicas que você às vezes é obrigado a suportar.
Eu, na verdade, sempre tive uma relação de amor e ódio com a música: ela é capaz de mudar minha vida, tornar meus dias mais felizes e melhorar meu estado de espírito. Porém, uma música de que não se gosta ou ouvida fora de hora (e que não necessariamente diria que é de má qualidade), acredito que é capaz de infernizar a vida do mais calmo e centrado dos seres vivos. E tem dias que é assim: você passa a tarde ouvindo sons de alta qualidade, tem até vontade de trabalhar mais, produzir melhor, ou até escrever algo não-relacionado ao trabalho mas que acaba por se tornar pessoalmente produtivo pra você... ou então, dá vontade de sair por aí, largar o trabalho e ir pro barzinho mais próximo... :P Bem, isso em alguns dias... Em outros, como hoje, sabe como é... Você já chega de ovo virado, não fala com ninguém direito, sequer dá bom dia (eu sei, eu sei, isso é horrível) e a pobre coitada na sala ao lado está ouvindo uma coisa insuportável – sabe aquelas músicas pra relaxar(?), pois é, elas ainda vão me causar um infarte – e você então fica lá, a ponto de sacudir longe as caixas de som do PC da coitada, ela que não tem nada a ver com seu mau humor.
No fm de tudo, o que resta é a consciência pesada, porque no fim das contas era uma senhora já de idade, curtindo aquela flautinha miserável e achando aquilo o máximo da vida zen. Só aí você percebe que leva a vida muito a sério e resolve mentalizar, pensando que bem poderia tomar uma mais tarde, ir pra praia no fim-de-semana, alugar um monte de filmes pro feriado ou terminar de ler os livros que estão empilhados na cômoda...
Pois é, esse é o meu ideal de vida zen...
É fácil criticar com um sorriso no rosto, escondendo a acidez de um comentário naquela expressão de “deixa disso”... Mais fácil ainda dizer que entende, pedir desculpas ou tentar contornar mágoas unicamente com palavras, seguindo todo o protocolo do convívio social. Mas não, bonito mesmo é cuspir todo o ressentimento ruminado, expurgar cada mal-entendido com a (in)exatidão da franqueza, sentir a seriedade das circunstâncias e esmiuçar o atrito, exteriorizar o desgaste... Nem todo mundo, no entanto, está pronto para falar, muito menos para ouvir, encarar a mágoa alheia ou a reprovação e entender a nobreza dessa mágoa, quando sincera e vivida até seu esgotamento. Para alguns, torna-se mais fácil varrer pra debaixo do tapete as diferenças, concluindo que o que subjetivamente não se entende não se explica. É assim que ambos sabem, alguns percebem, mas nada é dito... Fica tudo em meios-termos, não encarado, implícito...
Por isso quero a crítica, feita e recebida sem sorriso no rosto, sem amenidades anexas, sem tapinhas nas costas, somente a crítica, honesta e construtiva, carregada de preocupação, quase um gesto de afeto... Nem a complacência nem a agressão ou o rebaixamento, apenas a sinceridade. Quero a oportunidade de recebe-las, o equilíbrio para ouvi-las e toda a intimidade daquele ou daquela que a profere.
O que rechaço, no entanto, são os paradigmas, os conselhos cegos, as frases feitas, as opiniões auto-referentes, pois creio que qualquer opinião deve ser emitida com o respeito de considerar as diferenças e entender que as opções de vida são distintas e fundamentam-se em anseios pessoais e sonhos inalienáveis.

quarta-feira, julho 14, 2004

Músicas...

Cada uma tem a capacidade de absorver a sensação, o estado de espírito ou a atmosfera de um lugar, naquele exato momento em que a ouvimos... Posteriormente, escutando-as novamente, relembramos tudo, e estas nos despertam saudade, alegria, mágoa, tristeza... Há aquelas que creio que nunca esquecerei, e não importa quantas vezes as ouça, sempre recordo cada sentimento, cada diálogo, cada pessoa que integrou aquele momento, não um instante específico, delineado por um certo período cronológico, mas aquele em que algo acontece, e às vezes apenas depois, em retrospectiva, podemos percebê-lo claramente.
Depois de algum tempo, tenho ouvido bastante, novamente, uma música que já pontuou dias importantes e conversas cegas, e carrega consigo muito desse tempo: A case of you, de Joni Mitchell, quando a vida mostrava-se cíclica e outra mudança chegava pra pegar-me desprevenido... Uma mudança sutil, percebida mais nos outros que em mim próprio, e o medo de ficar pra trás, imutável, dependente, reclamando o velho estado de coisas que não mais se sustentava... Uma melancolia profunda, acompanhada de euforia, e toda a confusão que a combinação desses dois sentimentos podia causar...
De nada adiantaria colocar aqui a letra, dizer que é isso mesmo, o que ela fala diz muito pra mim... Não diz! Na verdade, quase nada tem a ver comigo... Mas eu a ouvi e ela ficou, e o que naquele momento deixava-se um pouco pra trás hoje me traz saudade, mas uma saudade boa por se saber vivendo e perceber algo bom que pôde ser vivenciado... Não algo concreto, e sim um instante prolongado que justificou muito do que veio depois. A idéia de ciclos que se encerram e iniciam está de volta, depois de alguns meses, e a música parece que veio junto... Mas se momentos assim não se repetissem, então não haveria ciclos, afinal.
E existem, realmente?

segunda-feira, julho 12, 2004

Entremeando sonhos, um pensamento incisivo: às vezes é melhor deixar algumas coisas irem embora, antes que estas, por si mesmas, reivindiquem o privilégio da ausência. Mais tarde, um bocejo recobra a acuidade dos ouvidos fatigados pela viagem e a monotonia dos trilhos e pessoas que esperam pontua, carregada de certeza, a velha idéia dos ciclos... Será então o fim de algo bom, intenso, em que algumas coisas devam ir embora?

Talvez seja hora de buscar o que está por vir... E o estar-por-vir exige movimento. Só o que já veio e é fato, acredito, nos acompanha assim, mesmo que parados, e ainda assim nos fazendo reféns, ameaçando se perder...

quarta-feira, julho 07, 2004

...dos Diálogos...

“Uma mesa... uma música, um livro pra ler, uma cerveja ou licor pra beber, um cigarro pra fumar, um telefonema demorado, um fato corriqueiro qualquer para o qual finja voltar-me com atenção...
Algo pra disfarçar o incômodo, simular indiferença, uma ocupação qualquer... não sei onde colocar as mãos; que faço com as mãos, os olhos, o pensamento, onde os irei pôr?
Poderia não me incomodar, achar normal, é tudo assim mesmo - o que é que tem, não posso ficar aqui um pouco? - todos logo me olham. Preciso de diversão pra disfarçar... ou um livro, uma bebida, algo que possa segurar nas mãos. Assim, soltas, elas só causam constrangimento...”

terça-feira, julho 06, 2004

Às vezes penso a respeito da grande quantidade de sentimentos bons que temos e guardamos para nós... Mesmo que quase sempre não revelados, não discutidos nem exteriorizados, os mantemos conosco e eles, aos poucos, nos trazem vitalidade, nos confortam e norteiam nossos valores... Lembrei recentemente que, logo que cheguei em Recife, pouco tempo depois uma pessoa que conheci (da família do meu cunhado) me disse algo como “veja como são as coisas: eu gostei de você assim, ‘de graça’....” Ele se referia ao fato de ter acabado de me conhecer mas já ter “simpatizado comigo”, apesar de eu nem sequer ter dado muitas razões para isso... Pois é, essas coisas são engraçadas, mesmo. Tem um monte de gente que eu também gostei “de graça”, quer dizer, sem nenhuma justificativa aparente... Algumas realmente passaram a fazer parte da minha vida, outras até hoje nem sei porque gosto, só sei que gosto, e no fim das contas mal as conheço, acho...
Bom, assim como o valor que damos às pessoas não se explica racionalmente, do mesmo modo os momentos em que esta relação de admiração, afeto e proximidade se fortalece tampouco podem ser entendidos... Na maioria das vezes, é em pequenos fatos de importância quase imperceptível que reconhecemos a dimensão desse afeto... Mais ou menos como num texto bem simples que gosto muito, na verdade o fragmento de uma carta de Fernando Sabino a Hélio Pellegrino, do livro Cartas na mesa, em que este fala da importância da amizade dos dois (gostaria de colocar a carta toda aqui, mas é muito grande e ninguém leria, e além do mais dá preguiça digitar tudo :P):

“Hélio, somos quatro e aqui estou perto de você, como numa noite sentados no meio-fio da Av. Bias Fortes, lembra? Como aquela cervejinha do Bar Cinelândia, a conversa entre nós dois, o Paulo e o Otto pairando. Tive pena de você um dia na casa do Eloy, achei você tão triste, você não sabia. Te admirei naquele dia do Parque em que treinamos um discurso perto do lago, achei você senhor de mundos e fundos, de estrelas e potestades como eu não era capaz. Tive vontade de dizer e não disse que te estimava feito um irmão naquele dia em sua casa que você me mostrou o artigo sobre os católicos. Achei que você era esse irmão, no dia em que me ajudou a sair da Igreja do Santo Antônio, quando eu havia sido operado – não falei nada.”
Rio, 07/06/45

Aos que eu vi passando longe, em minha viagem, e não pude ou consegui falar, fiquei só na saudade; àquela que eu poderia procurar e não procurei, mas acho que vi; aos que nem passam ao longe, mais, sumiram de vez; e aos que estão perto: em bares, em praças, em casas de conhecidos, na hora da cervejinha, cada bom sentimento de fraternidade e afeto valeu a pena...

P.S. Eu pretendo, sim, falar de outras coisas que não sentimentos, viagens, letras de música ou “os quatro mineiros do apocalipse”, aqui. Algum dia eu escrevo sobre outra coisa... :p

Pra ouvir:

I love NYE – Badly Drawn Boy
Silent sigh – Badly Drawn Boy
O intuito disso aqui eu não sei muito bem, ainda, qual é... Agora que algumas pessoas já tomaram conhecimento da existência desse espaço, sinto-me cada vez mais acanhado pra escrever aqui, não só pelo que possa exprimir, como também pela forma como as idéias são expostas. É tolice, no entanto, supor que tal preocupação surta algum resultado que não o fim prematuro de algo que, no final das contas, não significa muito, senão pela possibilidade de articular idéias e sentimentos às vezes tão vagos ou tão persistentes... Esse texto, feito de repente, sem objetivo maior que os imediatos e sem preocupação alguma com a sua qualidade, surgiu na noite do domingo da semana passada, quando ainda estava viajando... Ia deixá-lo quieto, mas se for guardar tudo que escrevo isso aqui não dura...

Ele é, enfim, propositalmente confuso. Espero, no entanto, que seja compreensível o sentimento que o motivou.

Hora zero

Dormir. Aliás, dormir ainda não é possível. Melhor então: trancar-se no quarto para ler, esquecer as sensações nos cômodos, lá fora. Não lembrar das madrugadas silenciosas, repletas de insuspeita angústia, inexplicável insatisfação, nem as horas, todas aquelas que guardaram palavras não-ditas e apenas na mente vividas, remoídas.
Fechar-se para não sentir faltar, uma vez mais, o som da chuva que não se ouve, nem reavivar na memória aquele sorriso que descansa, a tantas casas daqui, mas a poucas ruas ao lado, nem os rostos conhecidos que – quanta saudade! – não me conhecem mais.
Ler. Ocupar a mente para não vê-la regredir, não recordar o triste abandono, a solidão e sua alheia aceitação. Sim, folhear livros para não cair na tentação de ligar a tv e não lembrar, assim, de tantas futilidades que se via enquanto se fazia planos, a própria futilidade tornando-se vida, sentimental apego ao que não se vive.
Deitar-se um pouco, pensar no dia seguinte, no trivial, e cercar-se de questões cotidianas, empurrando para bem fundo de si aquela tristeza passada, aquele lamento nunca confessado, a preocupação transformada em velada vigília, o temor injustificado, talvez, mas ainda assim carregado de urgência.
Não lembrar, simplesmente: das músicas pobres que porventura tocam, dos grilos, das plantas, das árvores enfileiradas nas ruas, até mesmo das próprias ruas e seus horizontes distantes onde se avistam serras, da mesa simples e do café forte... Não, não... Antes da mesa, do café: o latido, o apito do vigia noturno, o silêncio... Cômodos vazios, cada canto da casa comunicando algo, cúmplice de cada momento de abandono por ninguém mais presenciado. E, acima de tudo, o que não se expressa nem se define, puro sentimento físico de presença/ausência.
Esquecer tudo isso... ou então debruçar-se e escrever, a porta cerrada guardando as lembranças lá fora...

sexta-feira, julho 02, 2004

Depois de falar em método e tranquilidade, contradigo-me, como sempre faço. Eis o que encontrei folheando minha Gramática Contemporânea da Língua Portuguesa (edição bem velha, amarelecida):

Bom conselho – Chico Buarque

Ouça um bom conselho
Eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio vento na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade...