segunda-feira, março 16, 2009

notícias do sétimo andar

La mujer sin cabeza foi reexibido aqui no último dia 11 como parte de uma mostra chamada Perspectiva M, realizada em comemoração ao dia da mulher. Foi o único que eu pude ver, e ainda assim saímos debaixo de uma chuva torrencial que me fez querer jogar no lixo os meus sapatos. O tempo instável finalmente se encaminha para um frio crescente e já penso em providenciar roupas mais quentes – até então, porém, apenas penso, ainda indeciso em relação ao que comprar. Sin problemas, todavía hay tiempo.


La mujer sin cabeza, de Lucrecia Martel.

No dia anterior pudemos ver uma apresentação de jazz na Casa de la Cultura: Alejandro Manzoni Trío. Aos poucos vou me encaixando nesses circuitos, onde posso conhecer melhor as coisas daqui e ao mesmo tempo suprir a vontade de participar desse tipo de atividades que costumo frequentar em Recife.

Por falar em hábitos recifenses, no sábado à noite conseguimos pela primeira vez fechar um bar. Depois que todas as mesas haviam sido devidamente recolhidas, o dono do La Resistencia veio fazer a pergunta que, longe de nos constranger, deixou-nos radiantes. Perguntou se queríamos copos de plástico para colocar nossas cervejas, e nesse momento percebemos que a noite finalmente acabava antes da nossa energia. Para lograr tal êxito, foi preciso conhecer os modos da cidade e adaptar-se a ela. Vimos séries na televisão, dormimos um pouco, tomamos banho, trocamos de roupa e saímos por volta das duas da manhã, que afinal, descobrimos, é quando a noite começa a acontecer por aqui. Primeiro umas voltas pelas ruas próximas: Defensa, Plaza Dorrego, Bolívar, Estados Unidos. Depois a escolha: Guebara, na rua Humberto Primo, até agora a maior preciosidade que encontramos. (Tem sido assim: toda semana conhecemos o nosso bar predileto. Primeiro foi o Puerta Roja, sugestão de Bel; depois o La Resistencia, na Defensa; agora o Guebara. Semana que vem provavelmente encontraremos outro lugar e teremos a certeza de que ele será aquele para o qual voltaremos todos os fins de semana).

Se ainda não disse, digo agora: finalmente encontramos um apartamento. Muito bem localizado na Av. Independencia, entre a Defensa e a Paseo Colón. Apenas um pouco acima do orçamento e sem a cobrança infame da comissão imobiliária, este nos pareceu viável. Mudamos no dia seguinte e aqui estamos, bem mais pobres e felizes, podendo dormir à vontade e ler com um pouco de paz. Enfim, algo assim como uma casa. Até já recebemos visitas. Com esse upgrade na nossa temporada argentina, estamos conseguindo aos poucos estabelecer uma rotina incipiente: cozinhamos, fumamos, bebemos vinho e ainda arranjamos tempo para ficar estarrecidos com os detalhes bizarros de parte da programação local. Outro dia um programa patrocinado por uma casa de eventos transmitia uma festa de quinze anos que era de uma cafonice sem igual nesse mundo. As novelas brasileiras também marcam presença: Lazos de familia e El rey del ganado. Dubladas em espanhol, por suspuesto.

Os sons daqui vão chegando aos poucos: ontem ouvi uma música no supermercado e já descobri os nomes da banda e da música (só falta conseguir baixar). Fora isso, ir a uma apresentação da Pequeña Orquesta Reincidentes está entre as atividades impossíveis que eu gostaria de realizar antes de ir embora (e que parece tão improvável quanto o privilégio de ver alguma conferência de Beatriz Sarlo, que nem sei se continua participando de conferências ou mesmo se ainda mora por aqui). Por enquanto me resigno à trilha sonora inusitada que tem marcado essa viagem. Músicas tão incidentais quanto Build, do Housemartins (aquela maravilhosa de motel, bem anos 80); The tide is high, do Blondie; e ainda os Beatles, que nos pegaram de jeito depois da terceira cerveja de um litro consumida na noite, pouco antes de sermos expulsos do La resistencia. Oportunidade para se admirar: "caramba, eu tinha me esquecido de como eu gosto dos Beatles..." É isso: fala-se tanto em tango, milonga, e a gente termina assim, strawberry fields forever.

quarta-feira, março 11, 2009

a melhor referência

Se antes eu já adorava os filmes de Martín Rejtman, agora que eu estou conhecendo Buenos Aires eu tenho achado ainda mais genial a forma como ele representa a cidade, suas figuras discretamente estranhas, seus lugares típicos. Está tudo ali: os paseadores de perros, o happy hour, as danceterias. Fico até preocupado com o peso dessa influência na minha percepção: onde todo mundo assinala uma certa aura romântica, charmosa e cordial eu vejo estranheza, humor absurdo e uma leve decadência.

As falas maravilhosas de seus personagens têm sido referências midiáticas onipresentes. (Eu ainda vou sentar na barra de um bar e pedir, em um fim de tarde, com cara de moribundo: cuatro whiskies!).



Felizes na danceteria, em Los guantes mágicos.


Indo e vindo de Ezeiza em Los guantes mágicos.


Os absurdos restaurantes chinos em Silvia Prieto.

terça-feira, março 10, 2009

god bless china

Ok, já que falaram tanto, aí vai um post sobre comida. Ontem finalmente pude conhecer um tenedor libre - restaurante do tipo all you can eat bem marcante pelos lados de cá. Estava ansioso. Afinal, aqui em Buenos Aires há muitas comidas interessantes, sobretudo a parrilla - de fato, carne é a grande especialidade porteña, geralmente é deliciosa - mas variedade é uma coisa que parece não existir por aqui. Pede-se uma carne e o máximo que vem é um acompanhamento: purê ou papas fritas ou arroz. E nada mais.

Para um brasileiro - ou melhor, um nordestino, ou melhor, um cearense - isso é de uma pobreza ímpar. Fico só lembrando das minhas idas a João da Carne de Sol, onde uma carne sempre vinha acompanhada por arroz, feijão, purê, macaxeira frita, vinagrete, paçoca, creme de queijo... Procurei os tais tenedores libres com a esperança de finalmente comer de forma cavalar, provando um pouquinho de cada coisa. Já estava até lembrando saudoso daqueles self services brasileiros maravilhosos onde você pode misturar de maneira absolutamente não-sofisticada uma feijoada com uma porção de camarão e outra de sushi.

Bom, minha surpresa é que esse tipo de lugar aqui parece ser uma típica invenção chinesa. Todos os que encontrei ontem na minha busca eram restaurantes chinos. Outra coisa é que a comida é terrivelmente mal preparada nesses estabelecimentos e as sobremesas, bom, para essas eu imaginei uma brincadeira: vendar os olhos, embaralhá-las e depois tentar adivinhar pelo paladar cada uma delas. Aposto que seria uma missão impossível. Ainda assim, saí de lá feliz pelo simples fato de poder comer salada com rolinho primavera e churrasco e macarrão e...

Reconheço que o nome desse post poderia ser atestado de pobreza. Mas para um magrelo como eu poucas coisas são tão importantes quanto a sensacão de saciedade, de estar bem nutrido. E aqui a carência de alguns alimentos que adoro é absurda. A pobreza dos sucos, por exemplo: sempre o exprimido de naranja ou uns licuados de banana ou pêssego que ainda não tive coragem de provar. Que saudade do Gelatto´s, aquele mixta da casa que vem com banana, abacate, mamão, laranja e tantas outras coisas que nem lembro e que fazem a gente achar que vai explodir depois que bebe. Agora eu acredito quando os nutricionistas dizem que a alimentação brasileira é exemplar: por enquanto tem me parecido impossível fazer uma refeicão fora daí que contenha vegetais, cereais, carboidratos e proteínas. É sempre uma coisa de cada vez, em porções generosas porém solitárias.

Bom, ao final dessa viagem talvez eu deva escrever um guia de sobrevivência para cafuçus em Buenos Aires. Refinamento gastronômico não é muito o meu forte.

Atualizaçao 11/03: Encontrei um lugar ótimo no Centro chamado Granix, que fica em uma galeria logo no comecinho da Calle Florida. Um buffet só com comidas vegetarianas deliciosas, saudáveis, variadas e fresquinhas. Como nada é perfeito na vida, o negócio é caro. O site que eu usei pra encontrar essa maravilha foi o happy cow.

domingo, março 08, 2009

bem-vindos ao deserto do real

Aluguel temporário de apartamentos definitivamente é coisa para turista gringo. Os preços estão sempre em dólar e as imobiliárias têm exigido uma comissão abusiva que corresponde ao valor de um mês de aluguel. A coisa fica assim inviável: vivemos três meses aqui e pagamos quatro, mais um depósito também no valor de um mês de aluguel que serve como garantia contra qualquer dano causado à propriedade e que será supostamente devolvido ao final. É desse modo que qualquer vislumbre do que seria uma boa oportunidade acaba tão logo a gente senta a bunda na cadeira das corretoras.

Nas andanças, conhecemos uma senhora estranha chamada Lida que apresenta nuances e variações no humor que me deixam perplexo e a fazem parecer um ser quase lynchiano. Nas duas vezes em que estivemos em seu escritório, dirigiu-se a nós de forma muito amável, conversou muito, falou dos filhos que vivem no Brasil, esforçou-se - junto com seu funcionário bonachão e também meio absurdo, Pancho - para encaixar-nos em alguma boa oferta. Empenhou-se, enfim, em demonstrar uma compaixão para com a nossa situação peregrina e ansiosa. Não obstante, tão logo visitamos os apartamentos e demonstramos interesse pelos mesmos, Lida revelou-se uma negociadora voraz, expondo condições, desfiando cálculos e tomando nota de nomes e dados relativos a documentos com a clara intenção de começar a redigir contratos. Desatou a falar em datas e mesmo em depósitos de reserva com uma velocidade inadmissível. Como não somos (tão) bestas, nas duas ocasiões tivemos tempo de ensaiar uns cálculos em meio ao falatório todo e perceber a inviabilidade da operação para o nosso orçamento.

Com a nossa recusa, declinando da operação, nas duas vezes a fala de Lida subitamente se transmutou, assumindo um traço exagerado de acidez e de abuso no seu tom de voz supostamente maternal, enquanto ela nos dizia, vingativa como uma matriarca que se ressente pelo não-reconhecimento dos seus esforços, que fazia tudo que era possível e que nós é que diríamos se seria suficiente ou não. Depois da fala agressiva, em uma segunda mudança repentina de tom ela se despediu e nos convidou a voltar, colocou-se à disposiçao e nos deu um beijo "afetuoso" enquanto nos dirigíamos à saída para recomeçar - do zero - a nossa busca. Embaixo do tampão de vidro de sua mesa, pudemos ver por diversas vezes o recorte de um quadrinho de jornal onde o personagem dizia: "la realidad no es responsable por la pérdida de sus ilusiones". Lida, afinal, tem um senso de humor sutilmente perverso e sentencioso, um comportamento que me pareceu tão opaco e ambivalente quanto tudo mais o que tenho visto por aqui.

quarta-feira, março 04, 2009

os primeiros percursos

Parece que já faz um mês que estou por aqui. O choque inicial foi enorme: quando cheguei no lugar onde havíamos feito reservas para os primeiros quatro dias na cidade - um hostel que fica na Calle Viamonte, pertinho do obelisco da 9 de Julio - tive vontade de sair correndo. Um lugar claustrofóbico e sem o menor charme. Desde então, Sabrina e eu já começamos a desenvolver aquela que tem sido uma estratégia essencial para a nossa viagem: beber à noite para aliviar o peso e o cansaço, processar as informaçoes e experiências vividas ao longo do dia. Na primeira noite, três quilmes fizeram o mundo parecer lindo e nos colocou falando da vida, da viagem, de tudo.

Acho que até agora não tivemos um minuto sequer de turistagem despreocupada. Milhoes de coisas para resolver que, somadas à nossa ansiedade e à preocupacão de ter que encontrar solucoes para economizar o dinheiro escasso tem nos levado a andar feito loucos pela cidade. Andamos muito, mas MUITO mesmo. A dinâmica é mais ou menos essa: passamos o dia percorrendo a cidade, depois bebemos um vinho e quando chegamos em casa detonados, fazemos um macarrão e depois desabamos na cama (quer dizer, eu desabo, porque Sabrina tem tido a insônia de sempre). Uma coisa é certa: voltarei para Recife com corpinho de maratonista queniano.

Bom, claro que conhecemos algumas coisas: fomos ao Caminito em La boca e planejamos voltar em breve, com mais calma. É um lugar absurdamente colorido, adorável e cheio de souvenirs que eu quis comprar aos montes, mas me controlei - adiar a compra é uma regra básica pra fazer o dinheiro render e evitar gastos desnecessários. Andamos também pela Recoleta, mas não tivemos paciência para ver o cemitério, apenas uma passada rápida. Nas nossas andanças chegamos também, quase por acaso, à Plaza de Mayo, vimos a Casa Rosada. Ok, esse foi o momento turistagem, mas tudo permeado pela pressa de ter que tomar as primeiras e urgentes providências.

Ah, no sábado à noite fomos para o que já sabíamos, desde o início, seria uma roubada, mas topamos porque somos pessoas destemidas e não recusamos nada que seja de graça. Ganhamos do hostel do centro, assim que fizemos o check in, duas entradas para uma boate em Palermo. Dito de forma simples, parecia a coisa mais medonha do mundo: um monte de boyzinho e boyzinha dançando músicas que fizeram a Quinta Black do Downtown chorar de inveja. Era só Beyoncé, Usher... Ainda assim nos divertimos, dançamos um pouco e falamos mal de todo mundo que víamos, inclusive com apelidos. Uma moçoila eu apelidei de menina de ouro - nao lembro bem o motivo, talvez porque me lembrou Hilary Swank e também porque, como dançarina, ela é uma ótima boxeadora. Palermo no entanto pareceu um bairro que merece ser desvendado, voltaremos lá em breve.

Depois dos primeiros dias que giraram em torno da hospedagem traumática e do medo de nos tornarmos homeless, finalmente viemos para o bairro que, já percebemos, será o nosso território aqui em Buenos Aires. San Telmo, o lugar onde as ruas são lindas, as pessoas interessantes, a comida bem mais barata e saborosa do que no centro e, por fim, os bares mais a nossa cara. No entanto, viemos para outro hostel, porque alugar um apartamento está sendo um martírio. Começo mesmo a achar impossível se não acharmos com quem dividir, ao menos pelo preço que podemos pagar. Mas isso é assunto para um outro post.

domingo, março 01, 2009

rumo ao kibbutz

Eu lembro sempre, agora, de uma pessoa muito especial que me relatou uma vez que, pensando em como poderia me conduzir a um determinado objetivo, uma tarefa a realizar - indicando pistas, rumos a seguir - viu-se tomada por uma súbita preocupação: seria eu capaz de chegar até o meu destino, objetivo final do percurso? Lembrou-se então, para seu alívio, de que bastava soltar um balão e - esperava-se - ele chegaria ao seu destino, sempre subindo, subindo...

Na madrugada desta sexta-feira fui tomado por um sintoma que pareceria (em qualquer outra situação) exagerado, fora de medida. Uma ânsia de vômito, uma dor na boca do estômago, uma pontada que não cessava. Algo próximo àquilo a que Nelly Richard certa vez chamou de desorden somático e que, neste caso, não era nada menos que a resposta de um corpo sedentário subitamente estremecido por uma cabeça nômade que lhe havia imposto a necessidade de mover-se rumo ao desconhecido, ao total desconforto - por desejo, por vontade de mudar -, e que respondia a este violento impulso com as consequências orgânicas de tal incômodo.

Minha viagem não foi nem um pouco agradável - considerando-se a noção adquirida de que minhas escolhas afetavam aqueles mais próximos e despertavam fantasmas, e de como elas careciam de bases sólidas (mas não carecem, sempre, quando sao verdadeiramente transformadoras?). É inconsistente e provisória, a jornada. É aventureira, súbita. É simples, mas ao mesmo tempo custa muito, exige decisão e - porque aqui nao cabem falsas modéstias - demanda certa coragem.

Durante os próximos tempos - talvez um mês, ou mesmo um semestre, não posso prever agora - este blog se transmite desde Buenos Aires. Uma aventura, uma aposta - uma besteira, sem dúvida. Uma vontade de mudar, porque assim eu vou subindo, subindo, voando, voando - rumo a tudo aquilo que desejo.