segunda-feira, dezembro 01, 2008

o efeito Katrina


“– O que acontece – disse a Maga, remexendo o leite que estava sobre o fogão – é que a felicidade só pertence a uma pessoa e, em contrapartida, a desgraça parece ser de todos.”

O jogo da amarelinha


É sempre assim. Aconteceu de novo - dessa vez não tão longe, foi logo ali no sul do país - mas foi o suficiente para lembrarmos que toda segurança com que nos cercamos é pouca e pode esvair-se rápido, e que as necessidades podem ser bruscamente redimensionadas pelo advento de novas circunstâncias. A noção de catástrofe, nesse sentido, pode não ser tangível e generalizada, mas instalar-se em formas bem pessoais e subjetivas de perceber os estragos.

De minha parte, olhando para trás eu acho até bastante admirável o fato de que tudo tenha dado mais certo do que eu poderia supor. De um jeito ou de outro, cronologias, oportunidades e escolhas sempre se ajustaram em um timing certeiro que até hoje me livrou do desamparo. Não é recorrendo a um histórico, então, que eu conseguiria explicar a sensação de estar sempre na iminência de uma grande derrocada. Como se a tranqüilidade nunca fosse tranqüilidade de fato porque estaria corrompida desde a origem pela certeza de que o que se anuncia é um período subseqüente que seria o da grande falta. Como se eu nunca pudesse descansar do imperativo de me preparar para o que vai dar errado – sendo esse algo sempre o momento imediatamente posterior.

É essa eterna iminência de uma coisa sem nome - que, indefinida, seria no entanto a mais provável, a mais certa - aquilo que instaura em uma vida sem grandes sobressaltos a estranha lógica da futura vítima do desastre que, prevendo a devastação, tem que manter o olho na despensa, ao mesmo tempo em que prepara os ânimos para lidar com a passagem de uma vida normal, narrada pela lógica da acumulação, para o tempo da excepcionalidade, quando as necessidades são completamente redimensionadas pelas novas circunstâncias da crise.

Claro que me refiro aqui não tanto a uma questão material. Mais precisamente, é como se o que estivesse em jogo fosse a dificuldade de combater um desagradável efeito dessa espera: as alegrias, vez por outra, vêm rasuradas por um tom melancólico que permeia o todo. Ela, a alegria, fadada a acabar, afastada para longe pela irrupção de um contexto desfavorável que viria logo em seguida. (Mas não se pode dizer isso de toda alegria? Fadada a acabar? Tomada como desmedida, no entanto, ela acaba sempre um pouco antes).

Se as conseqüências são sobretudo emocionais, não deixam no entanto de apresentar certas marcas concretas em elementos bastante específicos da rotina. Na roupa talvez esteja o exemplo mais claro disso: é notável que, mesmo fazendo visitas periódicas ao armário a fim de identificar roupas a serem doadas, eu jamais consiga me desfazer de algumas peças que eu mesmo consideraria inutilizáveis em qualquer circunstância normal. Isso porque as circunstâncias que irão surgir parecem sempre pouco mensuráveis, e o critério para definir o que serve e o que não serve, mera questão de contingência. Talvez aí seja possível encontrar, inclusive, uma pista para o hábito que muitas pessoas possuem de acumular coisas “inúteis”; uma chave para entender a dificuldade em desfazer-se de objetos, utensílios e mesmo informações cuja razão de ser ali na nossa vida já não parece mais tão clara.

Tudo isso, evidentemente, é muito mais psicológico que factual, embora na incidência de um acontecimento concreto o pesar venha reforçado pelo fato de que cada mau momento alheio ou desordem coletiva são observados, mesmo que de longe, com boa dose de receio. Tal como esponjas, assimilamos – pela lógica cristã ou das probabilidades – a convicção de que ainda chegará a nossa vez. Estranha certeza, aparentemente infundada, que vem por sua vez alimentar uma postura controversa: diante da ameaça, valoriza-se não tanto o esforço para a preservação, mas o advento mesmo da destruição como princípio. (O que talvez possa ser dito de outra forma: uma insegurança cujo mal estar é acompanhado não de um esforço no sentido da estabilidade, mas de um impulso para afrouxar o punho e perder o pé).

A cautela seria, aí, não tanto precaução, mas adiamento. Contornando os fantasmas de furacões, ciclones e enchentes – a vertigem desse Katrina, daquele Mianmar devastado – levantam-se acampamentos transitórios, refúgios sem cúmplices para o desastre que é sempre postergado por uma nova convergência, pelo novo timing que vem deslocar para um tempo futuro a iminência da catástrofe.

3 comentários:

Anônimo disse...

Compartilho com voce este sentimento.É pensando nessas coisas que sinto aquela saudade que tanto te falo. Vamos ressuscitar o Deus antropomórfico?
Sem dúvida alguma, eu era muito mais feliz quando ele existia na minha vida.
Ou então, convidamos nosso amigo Poli para nos salvar do BLACK HOLE.

fabio disse...

fico me perguntando por que não mencionei esse meu mood catastrófico na conversa de ontem... seria muito apropriado! hahahaha.

mas se não ressuscitamos o Deus antropomórfico, sempre podemos evocar a força de poli, do Deus Meio-Termo e do espetinho de shiitake pra nos alegrar. :p

Anônimo disse...

Apocalypse Now
Apocalipse Total
Apocalipse 16
Apocalipse Damares.
Esses dois últimos, veja no youtube...

Yeahhhhhhh