quarta-feira, julho 23, 2008

cura

É um estado difícil, próximo a uma vertigem, este a que a gente sucumbe quando por fim constata que algumas coisas estão sempre voltando para nos debilitar, como um leitmotif a pontuar nossa vida. E o estranho é quando, em nossa cabeça, esta percepção se conecta a uma outra bem peculiar: a de que uma repetição assim - tão cristã em sua forma de martírio e cruz - está diretamente associada à noção de que não há nenhuma explicação transcendente possível. Tudo parece obra do puro azar, uma provação aleatória que nos foi infligida por uma combinação pouco favorável de acasos.

Diante deste lance de dados tão grave em sua permanência, qualquer justificativa, cura ou solução definitiva está fora de alcance. Ou, ao menos, só pode ser encontrada dentro da esfera do pragmático. Nós, no entanto, continuamos recorrendo a todos os campos, todos os saberes e sistemas de pensamento, para tentar estancar o fato recorrente e circunscrevê-lo ao passado. Diante desta vontade de cura, não há ceticismo possível: não se trata de crer ou não crer, mas de esgotar as possibilidades, agarrando-se a um fio de esperança, aceitando todas as indicações e cumprindo todas as receitas, desde as supostamente garantidas até aquelas mais disparatadas.

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E isso me faz lembrar um belo trecho do livro de Tununa Mercado, Em estado de memória, onde ela fala da busca pelos mais diversos meios para aplacar a dor pungente que acometia àqueles arrebatados pelo exílio e por todas as outras provas infligidas aos cidadãos argentinos ao longo dos períodos ditatorial e pós-ditatorial:

"... nenhum psiquiatra se ocupou em particular de mim, deixando sem leito a imensa capacidade de transferir que me caracteriza e que me tem levado a diversas formas de dependência de médicos de toda laia, incluídos os dentistas, os ginecologistas e, sobretudo, os curandeiros da mais variada espécie: santeiros, xamãs e 'mestras' que fizeram de mim corpo de limpeza. Com ramos de menta e magericão, fumegos de mirra e incenso, com alhos, loções, teixos de côco, oráculos e outras técnicas de sorte, alguns tentaram curar meu mal e salvar-me dos feitiços e em ocasiões conseguiram-no, porque não deve haver terreno mais fértil para as curas que meu corpo e minha alma".

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