Eu poderia ficar ouvindo essa música agora, indefinidamente, fumando um cigarro na janela e aproveitando a temperatura amena do dia chuvoso, mas estou deixando de fumar - aos poucos, sem pressa, não por prudência, ou porque o corpo pede, mas porque decidi que o cheiro e o gosto já não combinam com o que quero fazer de mim.
Eu poderia prolongar os delírios imaginativos que sonham fatos imprevisíveis, acontecimentos grandiosos, mas tenho nutrido essa preguiça que diluiu até a dispersão do meu pensamento em exibicionismos fúteis, e agora só fantasio banalidades – ainda assim por pura falta de concentração e por hábito, nunca pelo que antes entendia como uma capacidade de apreender o delicado.
Quem sabe, talvez, poderia levar ao limite esse indício vago de melancolia até que alcançasse pensamentos finalísticos - daqueles em que a gente vai submergindo até perder de vista a dimensão das coisas, achando que tudo está à prova e chegando mesmo a arriscar palavras tão definitivas como felicidade, vida, afetos - mas eu tenho estado tão mais alegre, agora que aprendi tudo o que um pouco de cautela ou desconfiança, somado ao acúmulo de algumas experiências mal-sucedidas, é capaz de fazer para nos deixar mais prag-má-ti-cos e fun-cio-nais.
Sim, agora estou mais alegre e no entanto há algo de que sinto falta, e é a sensação agridoce que pairava quando ainda parecia que apenas um antigo pensamento ingênuo e uma conversa bem demorada seriam suficientes pra me fazer sentir que estávamos vivendo. Sim, o velho sentimento de que, por termos nos encontrado, havíamos inscrito nosso gesto de forma indelével na vida um do outro e seríamos para sempre cúmplices. Sentimento que só de acreditar já era suficiente para dar sentido a toda uma vida. Sentimento besta, que hoje nem atribuo mais a ninguém que não ao meu desvario, e só escrevo pelo puro tédio de uma noite sem nicotina e com essa música que toca de novo e de novo e de novo voltando sempre no meu fone de ouvido.
quarta-feira, junho 18, 2008
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