Imagine a vida acontecendo em vinte e quatro frames por segundo. É mais ou menos nesse instante fugaz, em que a imagem vira movimento, que os sentimentos nos transpassam e mudam – ou assim eu fui levado a pensar, confundido e maravilhado pela multiplicidade de momentos com que às vezes a luz escrita e ritmada do cinema me presenteia. E a gente fica assim, sem saber o que nisso é vida, o que é engano, o que é fuga, o que é exagero. E nos perdemos indecisos diante de tantas vidas a viver, de tantos convites a ser, prontos e delineados em um estado de espírito que se insinua, dispondo-se a fazer parte de nós por algumas horas depois que vemos o último crédito e a última nota da indispensável música final ser tocada.
E a gente não sabe mais o que sente e a que se agarra nesse sonho consentido que é quase um pacto entre quem cria e quem aceita, quem encena e quem observa, quem toca e quem ouve. O coração, pequeno, fica entre a leveza de uma comédia nova-iorquina e a delicadeza de um drama adolescente, com os ouvidos inquietos passeando ora pela melodia sempre alegremente introspectiva de um jazz de Billie Holiday e a suavidade de uma cançãozinha americana boba e, no entanto, tão apropriada ao que se conta. Não consegue se decidir entre remoer um pouco mais a necessidade de agüentar e ir em frente, ou a instigante idéia de que cada pequena alegria, temor ou mistério é como tudo mais, “igual a tudo na vida”. Oscila ainda bom tempo nesse dilema até que, em uma conciliação sensata de escolhas duvidosas, experimenta pequenas doses, diversas, apostando que existir é a soma de tudo, que nada é totalmente ilusório ou absolutamente real e que em cada hora há espaço pra um pouco de comédia, drama, terror, guerra, morte, política, fantasia...
Sim, a vida é múltipla. Confesso, no entanto, que entre a alegre inteligência de um Woody Allen ou a poesia melancólica de Christine Jeffs eu preferiria, pelo menos no dia-a-dia, pelo menos na maior parte do tempo ou, como dizem, em condições normais de temperatura e pressão, a ironia, perspicácia, otimismo e bom humor do primeiro. Já deveria saber, no entanto: condições normais de temperatura e pressão não existem. Nossa cabeça está sempre fervendo ou, em alguns casos, cansada, prestes a congelar ao relento dos muitos abandonos, de nosso descuido. E nosso filme, esse que a gente vive de verdade, é quase sempre um pouco involuntário, onde no máximo temos a autonomia de inserir, mentalmente, nossas próprias músicas, aquelas que fazem crescer em importância e incrementam, com um toque especial de intensidade, os nossos fugazes instantes.
Para assistir:
Igual a tudo na vida, de Woody Allen
Chuva de verão, de Christine Jeffs
terça-feira, novembro 29, 2005
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2 comentários:
Balaooo... lembrei de tu ontem...ouvindo Billie Holiday...
besitos
eita, salvou-se uma alma.
que surpresa é essa, tu por aqui, mari?
caramba, eu reclamei dos teus e-mails genericos e escassos no orkut, mas agora nem isso... huahauhauhahua.
ve se manda noticia de vida de vez em quando, ne?
bjo.
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