A certa altura da noite, ouso imaginar que se pensou junto:
“Tem uma poesia acontecendo
em cada esquina,
em cada mesa suja.”
Creio que ouvi isso no ar: é verdade? Natha, tu falou isso aquele dia no bar, em Olinda (os dois primeiros versos)?
Ponho as aspas porque não sei quem disse: se Nathalia, se outra pessoa, se todos nós em conversa dispersa ou muda, ou se foi desses espíritos malassombrados em que não acredito, mas que há quem jure que andam em bares e locais malditos, rondando mesas, espreitando vidas largadas.
...
Aonde é que esses dias vão chegar? Onde o freio? Onde todos nós imunes ao que está subentendido mas que facilmente se percebe? Onde aquela história do “se não ajuda, pelo menos não atrapalha”? Onde a explicação para esse peso que tem o vazio do ordinário, habitual mas cheio de complexidade disfarçada?
Aqui, só o dilema da certeza.
Sou só eu ou essa aparente normalidade que a gente nunca sabe se é aparente mesmo só complica mais as coisas, dando margem à possibilidade da dúvida?
Nada acontece com tudo isso que vivemos e, no entanto, parece que é sempre o limite, e o próximo grau é o ponto de ebulição. Alguém mais está com a cabeça fervendo diante do que não é dito?
A insustentável leveza do ser. Ou: estamos todos lascados. :p
...
Lembrei-me do Fernando Sabino, em carta agoniada pro Hélio, daí fui lá ver. Era assim:
“Alguma coisa de novo se anuncia, eu vejo, eu sei, eu juro que alguma coisa de novo vai surgir para o mundo, porque senão o que temos de melhor a fazer é mesmo comer e dormir. Nem ao menos morrer será preciso.”
Cartas na mesa, sendo esta de 16/10/45
Eu sinto parecido, mas rearranjo as idéias: algo de novo acontece, mas talvez o melhor seja mesmo dormir, porque só a ameaça do que pode vir a ser já dá um arrepio na espinha. Já escrevi muitos textos apaixonados a respeito da vontade de mudar. Hoje não. Eu posso: hoje é pelo imutável - porque o que está para acontecer parece ser cada vez menos promissor, então hoje a paixão é pelo que se fantasia.
“Sabia que sua imediata obrigação era o sonho...”
Jorge Luís Borges, em um dos muros da Oficina de Brennand. E isso resume muito.
segunda-feira, outubro 24, 2005
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3 comentários:
Fábio,
aqueles instantes me transmitiram um misto de necessidade do silêncio e do desabafo. Tinha sim uma poesia acontecendo. Isso foi uma constatação. Mas era a poesia do paradoxo, como se fosse dor e sonho revelando-se entre nós (todos presentes naquele bar) e para nós.
Aonde esses dias vão chegar? A cabeça ferve sim diante do que não é dito. Não sei explicar bem, mas em momentos como aquele a fantasia acontece na realidade e o que não é dito torna-se concreto.
ah esqueci! Quando puder entra no
www.interpoetica.com
vai lá no cardápio de poesias
que tem uns troços meus na letra N.
hauahauah
beijos
Natha
sim, natha, aquele momento foi foda. no mais, nada a acrescentar. lindo comentario.
p.s. ahhh, massa o interpoetica. ja vi! :)
bjao.
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