domingo, agosto 07, 2005



Durante um bom tempo – há uns seis, talvez sete anos atrás – só havia um tipo de música que eu escutava: rock psicodélico. Lembro que, de tudo em que estive imerso nesse período, ninguém deixou uma marca tão grande de fascínio e influência em mim quanto Janis Joplin. Era triste e impressionante descobrir o desenrolar da história de alguém que, durante sua vida, teve que lidar com os problemas da falta de aceitação, compreensão e tolerância por parte daqueles que a rodeavam. Mais que isso: era tocante e brutal reconhecer, por meio de uma história contada em palavras e música, por meio de uma experiência refletida e alheia - apesar de, no entanto, ironicamente inteligível - o quanto um ser humano podia ser minado, enfraquecido em suas convicções, fragilizado em seus sentimentos e levado ao colapso emocional por uma sociedade intolerante, reta e excessivamente rigorosa em seus modos de agir e nas suas concepções do que seriam virtudes desejadas ou comportamentos condenáveis. Ainda, era inevitável acreditar em como há certas pessoas que parecem estar sempre perdidas, lutando para estabelecer convicções duradouras e buscando, quase sempre em vão, bases sólidas nas quais possam encontrar algum tipo de apoio.
Não era nem a música, o rock ou o show business que mais me atraíam, tampouco os boatos, a extravagância, a fama. Eu gostava mesmo era de ler sobre como Janis, na adolescência, costumava subir com seus amigos ao alto das torres petrolíferas do Texas e na Ponte Arco-Íris, à noite, e que, ao longo da madrugada, permaneciam lá, como marionetes, “como pequenos fantoches sobre aquela ponte monstruosa”, bebendo, ouvindo jazz e descobrindo os antigos cantores de blues. Gostava também das histórias de quando Janis trabalhava no boliche e, ao sair do trabalho, à meia-noite, pegava o carro e algumas cervejas e ia com seu amigo Jack Smith ao píer, beber e conversar durante a madrugada; ou quando saiu de casa e foi para a universidade, em Austin, e começou a cantar em bares locais, integrada à vida boêmia da cidade; ou, ainda, quando chegou a San Francisco, a capital do flower power, e foi morar em uma comunidade em Haight Ashbury, epicentro da cultura hippie.
Gosto também, ainda hoje, de ler Myra Friedman, sua assessora de imprensa, contar o último encontro das duas, quando Janis, pouco antes de sua morte, falou com incomum ternura e franqueza a respeito de seus pais e da sua cidade natal, Port Arthur, e revelou uma de suas últimas idas à igreja. Gosto de perceber a gravidade do momento e pensar em como pequenos instantes podem vir carregados de significação - uma saída para fazer compras e uma pausa em um bar, um último encontro; acreditar que uma simples conversa está repleta de subtextos; que comportamentos tão aparentes escondem questões sérias e não reveladas; que uma conversa trivial pode encobrir um instante de vital cumplicidade e pode suprir, ainda, uma urgência de compartilhar, de estar junto, de sentir-se próximo a alguém.
Janis era uma menina. Vinte e sete anos, apenas, quando faleceu. Ingênua em alguns aspectos, irresponsável e imatura em outros, magoada, ferida mas ainda esperançosa, tentando viver e disposta aos riscos que enfrentaria ao longo desta busca. Por isso procurei, para colocar aqui, uma imagem não do mito em que forçadamente a transformaram ou, pior ainda, do estereótipo pobre e datado da roqueira drogada, hippie-símbolo do sexo, das drogas e do rock and roll. Como não achei, no entanto, uma fotografia que represente bem a imagem que busco, coloquei esta, da Janis cantora, ao microfone, mas com uma sutil expressão de delicadeza – expressão da menina que foi e que construiu um mundo, uma história, uma persona, e os viu, aos poucos, desmoronar.

“A revolta começou despercebida e talvez na própria mente de Janis não tenha sido mais do que uma sombra estranha, um olhar mais demorado para o céu, uma bela noite, um poema, um perturbador arrepio da carne, tudo muito passageiro, desaparecendo com o sepultar das recordações. Talvez uma pergunta: “Por que não?” E uma resposta: “Porque.”
Enterrada viva, Myra Friedman

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