Fábio e a vida de estudante – Parte 1
Tenho ido agora, sempre que posso – isto quer dizer: quando não tem cachaça, festinha pra ir, obrigações cotidianas, fome ou qualquer outra coisa que impeça – estudar na biblioteca da Católica. Tudo começou quando a idéia de cursar mestrado deixou de ser uma fantasia besta pra virar um delírio megalomaníaco: parei de apenas “pensar em fazer” e decidi encarar a montanha de livros das bibliografias - pra logo depois ter a certeza desesperadora de que aquilo tudo era só o “indiscutivelmente obrigatório”, mas que para ter uma pontinha de possibilidade de levar essa história adiante, a quantidade de títulos que preciso ler quadruplica, incluindo aí teoria do conhecimento, metodologia de pesquisa e outros assuntos básicos de que minha graduação capenga passou longe.
A última desculpa a ser vencida era a de comprar um caderno, e também esta deixou de ser empecilho há pouco tempo. Na verdade, o que fiz foi adotar uma estratégia que funcionava muito na infância: aproveitar o entusiasmo da compra de um novo material de estudo pra me animar às leituras, tomar nota, organizar “matérias”, definir roteiros e começar sabe-se-lá-deus-por-onde. Pena que, historicamente, essa estratégia nunca deu muito certo e, no colégio mesmo, lá para o segundo mês do ano letivo o caderno já estava todo largado, com metade das folhas arrancadas e com poucos rabiscos que só continham futilidades.
Do mestrado que é bom, aliás, (ou melhor, dos mestrados, porque pra mim nada é simples... mas deixa esse assunto pra lá...) não peguei nada. Com a desculpa cínica de pegar o ritmo e me entusiasmar, estou aproveitando estes dias para leituras de ócio e prazer que, apesar de essenciais, são totalmente improdutivas e - diria até, neste momento – prejudiciais, uma vez que o tempo já é escasso e a disposição menor ainda.
O mais engraçado é que livro da biblioteca, também, não li ainda nenhum. Vou pra lá só pelo ambiente – mais tranqüilo, porém menos aconchegante e convidativo à vagabundagem que minha casa – e para desde já adquirir o hábito. Metódico como sou, decidi terminar primeiro os livros que estavam pela metade antes de começar qualquer coisa (embora a tentação e a falta de disciplina sejam grandes). Eis porque me vi hoje durante três horas seguidas lendo um livro de James Joyce que me acompanha há tempos, e aí cabe um comentário pertinente:
Como se estuda? Como se faz isso? Porque eu desaprendi como se faz, se é que algum dia soube. Fiquei embasbacado pelo quanto foi difícil passar algumas horas sentado, lendo. Eu olhava pro lado, fechava o livro, mexia no celular, via as horas, prestava atenção ao povo que passava, contava quantas páginas já tinha lido, quantas faltavam para terminar o livro – e tudo isso lendo um romance! No fim da noite, já estava me sentindo com um colapso no juízo (vulgo estafa mental) e Joyce não ajudava muito, colocando aqui e acolá trechos em latim e aumentando suas acrobacias narrativas.
Pior é saber dessas histórias de gente que estuda oito, dez horas seguidas, sete dias por semana, sem descanso, com tal maratona já fazendo parte de sua rotina. É... Mestrado parece que é assim, né? Será que ainda dá tempo de se habituar ao estudo prolongado? Por via das dúvidas, amanhã creio que termino “O retrato do artista quando jovem” e vou ler “A máquina”, de Adriana Falcão, leitura água-com-açúcar que parece da melhor qualidade. Eu sei, eu sei, tem as coisas do mestrado. Mas é só por esses dias. Só pra pegar o ritmo e me acostumar à idéia... :p
(continua...)
domingo, agosto 28, 2005
quarta-feira, agosto 24, 2005
Reflexão em três tempos
“É legítimo que as emissoras de televisão nos atinjam com a força de ‘meios de massa’ mas que nós, apenas espectadores individualizados, não tenhamos a menor possibilidade de ‘reagir como massa’, isolados que somos por esses mesmos meios?”
“No início da estruturação das sociedades industriais instalou-se um aparelho punitivo para selecionar e adequar os indivíduos às normas. No entanto, o desenvolvimento da sociedade organizacional trouxe a necessidade e a possibilidade de implantarem-se formas de controle mais eficazes, que não gerassem tantos conflitos, que implicassem custos menores, funcionassem sem interrupções e permitissem maior previsibilidade dos comportamentos. A partir do séc. XIX pode ser identificada a ascensão dessas formas não diretas e não invasivas de controle, que dispensam a figura do vigilante ou supervisor. Elas utilizam ‘mecanismos que penetram nos corpos, nos gestos, nos comportamentos...’ (FOUCAULT, 1979, p. 150). Esses mecanismos são os controles cognitivos sobre os indivíduos. Na nossa sociedade, se está tão mergulhado em uma rede de vigilância mútua, imbricada nas relações e normas sociais, que somos todos constrangidos a nos comportarmos e agirmos de um modo determinado, internalizando certos valores, e a continuarmos agindo de acordo, mesmo longe de qualquer vigilância direta. Esse é o princípio do poder disciplinador.”
“Segundo Arrow (1974), o enfraquecimento dos laços primários dos indivíduos ocorre a partir do processo de industrialização com o tempo, demasiado longo, dedicado à organização, limitando a preservação e o desenvolvimento de outras relações sociais; a dependência salarial gera um enfraquecimento do capital social dos indivíduos, que passam a concentrar cada vez mais na organização as suas relações sociais.”
Do livro “Organizações, Cultura e Desenvolvimento Local: a agenda de pesquisa do Observatório da Realidade Organizacional”
“É legítimo que as emissoras de televisão nos atinjam com a força de ‘meios de massa’ mas que nós, apenas espectadores individualizados, não tenhamos a menor possibilidade de ‘reagir como massa’, isolados que somos por esses mesmos meios?”
“No início da estruturação das sociedades industriais instalou-se um aparelho punitivo para selecionar e adequar os indivíduos às normas. No entanto, o desenvolvimento da sociedade organizacional trouxe a necessidade e a possibilidade de implantarem-se formas de controle mais eficazes, que não gerassem tantos conflitos, que implicassem custos menores, funcionassem sem interrupções e permitissem maior previsibilidade dos comportamentos. A partir do séc. XIX pode ser identificada a ascensão dessas formas não diretas e não invasivas de controle, que dispensam a figura do vigilante ou supervisor. Elas utilizam ‘mecanismos que penetram nos corpos, nos gestos, nos comportamentos...’ (FOUCAULT, 1979, p. 150). Esses mecanismos são os controles cognitivos sobre os indivíduos. Na nossa sociedade, se está tão mergulhado em uma rede de vigilância mútua, imbricada nas relações e normas sociais, que somos todos constrangidos a nos comportarmos e agirmos de um modo determinado, internalizando certos valores, e a continuarmos agindo de acordo, mesmo longe de qualquer vigilância direta. Esse é o princípio do poder disciplinador.”
“Segundo Arrow (1974), o enfraquecimento dos laços primários dos indivíduos ocorre a partir do processo de industrialização com o tempo, demasiado longo, dedicado à organização, limitando a preservação e o desenvolvimento de outras relações sociais; a dependência salarial gera um enfraquecimento do capital social dos indivíduos, que passam a concentrar cada vez mais na organização as suas relações sociais.”
Do livro “Organizações, Cultura e Desenvolvimento Local: a agenda de pesquisa do Observatório da Realidade Organizacional”
quinta-feira, agosto 18, 2005
Nem as minhas experiências, nem o meu tão aclamado bom senso. Nada me prepararia para esse aprendizado, para essa realidade que é vivência crua, é necessidade de estar. Nada. Todos os pensamentos bem criados, as ilusões falsas cultivadas em cinismo reconfortante: nada. Nessa curva volto ao início, e ele é doce como uma reflexão não-assistida, espontaneamente sofrida, como o é cada retorno.
Quem haverá de ensinar? Em que memória se perdem...?
Quem haverá de ensinar? Em que memória se perdem...?
segunda-feira, agosto 15, 2005
Everyone wants to be found
Domingo à noite, dia 07, após assistirmos ao filme “Sobre cafés e cigarros” – embora no meu caso, aqui, assistir ao filme tenha um sentido bem relativo – resolvemos seguir o caminho mais sugestivo e ir ao Burle Marx para, claro, tomar café. Dentre piadinhas infames do tipo “café forte é café com buchada”, conversamos, fumamos, rimos e ouvimos Billie Holliday. Quarta, em mais um dos nossos encontros boêmios “do bem”, Mari Durant (que por sinal já está concluindo a contagem regressiva para sua ida a Madrid) comentou que chegou a sua casa, naquele dia, e ainda ouviu alguém falar sobre Billie Holliday na televisão - e expressou sua admiração com a coincidência. Eu então disse algo que tantas vezes já ouvi: coincidências não existem. Claro, foi algo que falei mais por falar, apenas pelo prazer de dizer algo do tipo e assumir o ar grave de quem acredita em algo tão sério como a reta determinação dos fatos.
Também com Lavínia e Nathalia comentei a respeito de tudo o que tem assumido feições irrefutáveis: os ciclos, as coincidências, as ações conclusivas, a inevitável urgência dos fatos não mais ignorados e a atual ineficácia de qualquer paliativo para o que é impossível de se ignorar. Estamos todos juntos, nós que somos mais próximos e, no entanto, a alegria é incompleta. Conversamos e, no entanto, parece cada vez mais difícil saber o que acontece a cada um. O ceticismo, a aleatoriedade, o deus-dará não dão mais conta: a vida parece pedir reflexões, significados – e nos ensina.
Não se trata apenas de perder, de ter distante, de abandonar no passado, e é ruim pensar que talvez alguns entendam dessa forma. Porque não é perda: é apenas uma diluição que torna o intenso em incompleto, que transmuta o que nos rodeia de modo que, embora ainda em sua permanência aparente, nos incomoda como um corpo estranho, uma realidade morna e insuficiente, desfalcada e nova. É estar no meio de todos, em uma cidade nova, como quando fomos para São Bento do Una, por exemplo, com todas as possibilidades de divertimento, e ainda assim querer ir para casa, abatido de desgosto e desânimo. Ou ao menos, então, querer estar ali de verdade – e não como um corpo inerte que tem sua cabeça em um tempo suspenso, imaginário e irreal. Ou então é como quando se está sozinho e isso não significa nada: o aprendizado, a introspecção, as vontades, os planos, tudo zerado em pensamentos sem vontade. A unidade que prevalece nos instantes individuais parece vazia: ainda não se aprendeu a viver senão na soma.
Continuamos tomando as ruas, ainda, e talvez com a mesma freqüência. A diferença é que agora cada um parece estar em um tempo diferente, e essas novas realidades que vivemos nem sempre convergem. Por isso é que percebo alguns silêncios, faltas de assunto, comportamentos destoantes. E quando falo em nós, sei a quem me refiro e creio que quem ler estas linhas e me conhecer também entenderá facilmente. Tipo, como quando eu ligo pra Iarinha e ela imediatamente pergunta: “Onde vocês estão?” E eu fingindo que não entendo: “Como assim, Iara? Nós? Eu virei um monte de gente? Por que você acha que eu estou com alguém? A quem você se refere quando diz ‘nós’?” E ela então começa uma lista que abrange boa parte dos dez, quinze, às vezes até vinte nomes que costumam sair juntos, beber, conversar, rir, chorar – e na qual ela, claro, também está incluída. Nem sempre ela acerta; às vezes estou só mesmo. Mas ela tem razão: estamos todos quase sempre juntos. Temos essa oportunidade rara de sermos ‘nós’, ao invés de apenas ‘eu’, ou ‘eles’. E achando um, é até fácil achar os outros. Isso é precioso, com ou sem convergência de momentos. E, francamente, é também muito engraçado!
Domingo à noite, dia 07, após assistirmos ao filme “Sobre cafés e cigarros” – embora no meu caso, aqui, assistir ao filme tenha um sentido bem relativo – resolvemos seguir o caminho mais sugestivo e ir ao Burle Marx para, claro, tomar café. Dentre piadinhas infames do tipo “café forte é café com buchada”, conversamos, fumamos, rimos e ouvimos Billie Holliday. Quarta, em mais um dos nossos encontros boêmios “do bem”, Mari Durant (que por sinal já está concluindo a contagem regressiva para sua ida a Madrid) comentou que chegou a sua casa, naquele dia, e ainda ouviu alguém falar sobre Billie Holliday na televisão - e expressou sua admiração com a coincidência. Eu então disse algo que tantas vezes já ouvi: coincidências não existem. Claro, foi algo que falei mais por falar, apenas pelo prazer de dizer algo do tipo e assumir o ar grave de quem acredita em algo tão sério como a reta determinação dos fatos.
Também com Lavínia e Nathalia comentei a respeito de tudo o que tem assumido feições irrefutáveis: os ciclos, as coincidências, as ações conclusivas, a inevitável urgência dos fatos não mais ignorados e a atual ineficácia de qualquer paliativo para o que é impossível de se ignorar. Estamos todos juntos, nós que somos mais próximos e, no entanto, a alegria é incompleta. Conversamos e, no entanto, parece cada vez mais difícil saber o que acontece a cada um. O ceticismo, a aleatoriedade, o deus-dará não dão mais conta: a vida parece pedir reflexões, significados – e nos ensina.
Não se trata apenas de perder, de ter distante, de abandonar no passado, e é ruim pensar que talvez alguns entendam dessa forma. Porque não é perda: é apenas uma diluição que torna o intenso em incompleto, que transmuta o que nos rodeia de modo que, embora ainda em sua permanência aparente, nos incomoda como um corpo estranho, uma realidade morna e insuficiente, desfalcada e nova. É estar no meio de todos, em uma cidade nova, como quando fomos para São Bento do Una, por exemplo, com todas as possibilidades de divertimento, e ainda assim querer ir para casa, abatido de desgosto e desânimo. Ou ao menos, então, querer estar ali de verdade – e não como um corpo inerte que tem sua cabeça em um tempo suspenso, imaginário e irreal. Ou então é como quando se está sozinho e isso não significa nada: o aprendizado, a introspecção, as vontades, os planos, tudo zerado em pensamentos sem vontade. A unidade que prevalece nos instantes individuais parece vazia: ainda não se aprendeu a viver senão na soma.
Continuamos tomando as ruas, ainda, e talvez com a mesma freqüência. A diferença é que agora cada um parece estar em um tempo diferente, e essas novas realidades que vivemos nem sempre convergem. Por isso é que percebo alguns silêncios, faltas de assunto, comportamentos destoantes. E quando falo em nós, sei a quem me refiro e creio que quem ler estas linhas e me conhecer também entenderá facilmente. Tipo, como quando eu ligo pra Iarinha e ela imediatamente pergunta: “Onde vocês estão?” E eu fingindo que não entendo: “Como assim, Iara? Nós? Eu virei um monte de gente? Por que você acha que eu estou com alguém? A quem você se refere quando diz ‘nós’?” E ela então começa uma lista que abrange boa parte dos dez, quinze, às vezes até vinte nomes que costumam sair juntos, beber, conversar, rir, chorar – e na qual ela, claro, também está incluída. Nem sempre ela acerta; às vezes estou só mesmo. Mas ela tem razão: estamos todos quase sempre juntos. Temos essa oportunidade rara de sermos ‘nós’, ao invés de apenas ‘eu’, ou ‘eles’. E achando um, é até fácil achar os outros. Isso é precioso, com ou sem convergência de momentos. E, francamente, é também muito engraçado!
domingo, agosto 07, 2005
Tanto amar - Chico Buarque
Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela é bonita
Tem um olho sempre a boiar
E outro que agita
Tem um olho que não está
Meus olhares evita
E outro olho a me arregalar
Sua pepita
A metade do seu olhar
Está chamando pra luta, aflita
E metade quer madrugar
Na bodeguita
Se seus olhos eu for cantar
Um seu olho me atura
E outro olho vai desmanchar
Toda a pintura
Ela pode rodopiar
E mudar de figura
A paloma do seu mirar
Virar miúra
É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro
Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela acredita
Tem um olho a pestanejar
E outro me fita
Suas pernas vão me enroscar
Num balé esquisito
Seus dois olhos vão se encontrar
No infinito
Amo tanto e de tanto amar
Em Manágua temos um chico
Já pensamos em nos casar
Em Porto Rico
Para pessoas que têm o olho e o sorriso bonito, e que vivem.
Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela é bonita
Tem um olho sempre a boiar
E outro que agita
Tem um olho que não está
Meus olhares evita
E outro olho a me arregalar
Sua pepita
A metade do seu olhar
Está chamando pra luta, aflita
E metade quer madrugar
Na bodeguita
Se seus olhos eu for cantar
Um seu olho me atura
E outro olho vai desmanchar
Toda a pintura
Ela pode rodopiar
E mudar de figura
A paloma do seu mirar
Virar miúra
É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro
Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela acredita
Tem um olho a pestanejar
E outro me fita
Suas pernas vão me enroscar
Num balé esquisito
Seus dois olhos vão se encontrar
No infinito
Amo tanto e de tanto amar
Em Manágua temos um chico
Já pensamos em nos casar
Em Porto Rico
Para pessoas que têm o olho e o sorriso bonito, e que vivem.
Durante um bom tempo – há uns seis, talvez sete anos atrás – só havia um tipo de música que eu escutava: rock psicodélico. Lembro que, de tudo em que estive imerso nesse período, ninguém deixou uma marca tão grande de fascínio e influência em mim quanto Janis Joplin. Era triste e impressionante descobrir o desenrolar da história de alguém que, durante sua vida, teve que lidar com os problemas da falta de aceitação, compreensão e tolerância por parte daqueles que a rodeavam. Mais que isso: era tocante e brutal reconhecer, por meio de uma história contada em palavras e música, por meio de uma experiência refletida e alheia - apesar de, no entanto, ironicamente inteligível - o quanto um ser humano podia ser minado, enfraquecido em suas convicções, fragilizado em seus sentimentos e levado ao colapso emocional por uma sociedade intolerante, reta e excessivamente rigorosa em seus modos de agir e nas suas concepções do que seriam virtudes desejadas ou comportamentos condenáveis. Ainda, era inevitável acreditar em como há certas pessoas que parecem estar sempre perdidas, lutando para estabelecer convicções duradouras e buscando, quase sempre em vão, bases sólidas nas quais possam encontrar algum tipo de apoio.
Não era nem a música, o rock ou o show business que mais me atraíam, tampouco os boatos, a extravagância, a fama. Eu gostava mesmo era de ler sobre como Janis, na adolescência, costumava subir com seus amigos ao alto das torres petrolíferas do Texas e na Ponte Arco-Íris, à noite, e que, ao longo da madrugada, permaneciam lá, como marionetes, “como pequenos fantoches sobre aquela ponte monstruosa”, bebendo, ouvindo jazz e descobrindo os antigos cantores de blues. Gostava também das histórias de quando Janis trabalhava no boliche e, ao sair do trabalho, à meia-noite, pegava o carro e algumas cervejas e ia com seu amigo Jack Smith ao píer, beber e conversar durante a madrugada; ou quando saiu de casa e foi para a universidade, em Austin, e começou a cantar em bares locais, integrada à vida boêmia da cidade; ou, ainda, quando chegou a San Francisco, a capital do flower power, e foi morar em uma comunidade em Haight Ashbury, epicentro da cultura hippie.
Gosto também, ainda hoje, de ler Myra Friedman, sua assessora de imprensa, contar o último encontro das duas, quando Janis, pouco antes de sua morte, falou com incomum ternura e franqueza a respeito de seus pais e da sua cidade natal, Port Arthur, e revelou uma de suas últimas idas à igreja. Gosto de perceber a gravidade do momento e pensar em como pequenos instantes podem vir carregados de significação - uma saída para fazer compras e uma pausa em um bar, um último encontro; acreditar que uma simples conversa está repleta de subtextos; que comportamentos tão aparentes escondem questões sérias e não reveladas; que uma conversa trivial pode encobrir um instante de vital cumplicidade e pode suprir, ainda, uma urgência de compartilhar, de estar junto, de sentir-se próximo a alguém.
Janis era uma menina. Vinte e sete anos, apenas, quando faleceu. Ingênua em alguns aspectos, irresponsável e imatura em outros, magoada, ferida mas ainda esperançosa, tentando viver e disposta aos riscos que enfrentaria ao longo desta busca. Por isso procurei, para colocar aqui, uma imagem não do mito em que forçadamente a transformaram ou, pior ainda, do estereótipo pobre e datado da roqueira drogada, hippie-símbolo do sexo, das drogas e do rock and roll. Como não achei, no entanto, uma fotografia que represente bem a imagem que busco, coloquei esta, da Janis cantora, ao microfone, mas com uma sutil expressão de delicadeza – expressão da menina que foi e que construiu um mundo, uma história, uma persona, e os viu, aos poucos, desmoronar.
Não era nem a música, o rock ou o show business que mais me atraíam, tampouco os boatos, a extravagância, a fama. Eu gostava mesmo era de ler sobre como Janis, na adolescência, costumava subir com seus amigos ao alto das torres petrolíferas do Texas e na Ponte Arco-Íris, à noite, e que, ao longo da madrugada, permaneciam lá, como marionetes, “como pequenos fantoches sobre aquela ponte monstruosa”, bebendo, ouvindo jazz e descobrindo os antigos cantores de blues. Gostava também das histórias de quando Janis trabalhava no boliche e, ao sair do trabalho, à meia-noite, pegava o carro e algumas cervejas e ia com seu amigo Jack Smith ao píer, beber e conversar durante a madrugada; ou quando saiu de casa e foi para a universidade, em Austin, e começou a cantar em bares locais, integrada à vida boêmia da cidade; ou, ainda, quando chegou a San Francisco, a capital do flower power, e foi morar em uma comunidade em Haight Ashbury, epicentro da cultura hippie.
Gosto também, ainda hoje, de ler Myra Friedman, sua assessora de imprensa, contar o último encontro das duas, quando Janis, pouco antes de sua morte, falou com incomum ternura e franqueza a respeito de seus pais e da sua cidade natal, Port Arthur, e revelou uma de suas últimas idas à igreja. Gosto de perceber a gravidade do momento e pensar em como pequenos instantes podem vir carregados de significação - uma saída para fazer compras e uma pausa em um bar, um último encontro; acreditar que uma simples conversa está repleta de subtextos; que comportamentos tão aparentes escondem questões sérias e não reveladas; que uma conversa trivial pode encobrir um instante de vital cumplicidade e pode suprir, ainda, uma urgência de compartilhar, de estar junto, de sentir-se próximo a alguém.
Janis era uma menina. Vinte e sete anos, apenas, quando faleceu. Ingênua em alguns aspectos, irresponsável e imatura em outros, magoada, ferida mas ainda esperançosa, tentando viver e disposta aos riscos que enfrentaria ao longo desta busca. Por isso procurei, para colocar aqui, uma imagem não do mito em que forçadamente a transformaram ou, pior ainda, do estereótipo pobre e datado da roqueira drogada, hippie-símbolo do sexo, das drogas e do rock and roll. Como não achei, no entanto, uma fotografia que represente bem a imagem que busco, coloquei esta, da Janis cantora, ao microfone, mas com uma sutil expressão de delicadeza – expressão da menina que foi e que construiu um mundo, uma história, uma persona, e os viu, aos poucos, desmoronar.
“A revolta começou despercebida e talvez na própria mente de Janis não tenha sido mais do que uma sombra estranha, um olhar mais demorado para o céu, uma bela noite, um poema, um perturbador arrepio da carne, tudo muito passageiro, desaparecendo com o sepultar das recordações. Talvez uma pergunta: “Por que não?” E uma resposta: “Porque.”
Enterrada viva, Myra Friedman
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