segunda-feira, dezembro 06, 2004

Projeção

Ah, o altruísmo! A necessidade de ajudar os outros, a satisfação de se sentir bem com sua humilde contribuição para o sucesso ou a felicidade do próximo! Durante toda a nossa existência, buscamos acreditar que nossos atos são importantes e podem fazer a diferença na vida de outras pessoas. Como uma fuga à volatilidade dos nossos dias, realizamos ações que possam ter desdobramentos futuros na história de alguém. Quando interferimos no curso de uma pessoa, imprimindo a nossa marca pessoal, contribuindo com nossos conselhos, nossas idéias ou simplesmente nossa boa vontade, acreditamos que podemos, dessa forma, justificar nossa própria existência e nos sentimos mais próximos da idéia de uma coletividade, concretizando mensagens edificantes de importância para o próximo e de convivência fraterna.
A verdade é que, se somos impotentes, incapazes de solucionar os nossos problemas, tampouco temos as respostas para os dilemas e questionamentos daqueles que nos rodeiam. Compartilhamos, assim, em uma cumplicidade tácita, nossos anseios e, incapazes que somos de expressar os sentimentos que nos afligem, encontramos um consolo na simples convivência, na proximidade incômoda, na identificação recíproca e não-revelada. Sentamos lado-a-lado e, calados, agradecemos pela presença reconfortante de quem admiramos em silêncio.

...

Esse é um texto que escrevi há bastante tempo atrás, logo depois que entrei no DA, levado pela reflexão a respeito do que significava contar com os outros, ajuda-los, compartilhar experiências, momentos de aprendizado intenso, mudanças e emoções à flor da pele.
No dia em que o escrevi, no entanto, e nem lembro mais porquê, a intenção inicial era ser irônico, talvez porque naquele instante acreditasse que essa vontade desmedida de ajudar os outros, compartilhar sentimentos, falar e ouvir, era movida muito mais por uma necessidade de auto-afirmação, de sentir-se importante para os outros, de tornar-se especial naquele momento para os que indubitavelmente estavam, em contrapartida, tornando-se especiais para mim e transformando-me, do que realmente pela preocupação com o outro, com seus dilemas, dúvidas, questionamentos...
O fato é que o texto ficou interminado... Mais que isso: seu propósito inicial foi frustrado. Isto porque, à medida que escrevia, lembrava da importância daquelas pessoas, da admiração que sentia por elas, do respeito, do carinho e da gratidão que julguei - e ainda julgo - eternos. No caminho que segui na construção desse texto, desde o início até onde parei, portanto, as palavras foram mudando seu rumo, para enfim revelar nas últimas linhas que, na verdade, o que existia eram todos esses bons sentimentos não-ditos, velados, e era a espontânea convivência diária que concretizava, justamente com sua leveza, toda a profundidade dessa aproximação, desse afeto.
Conclui ao final que a busca pela auto-afirmação existia, portanto, mas o que movia aquela necessidade de contribuir para a existência dos outros era realmente aquilo que chamam de altruísmo, não no sentido irônico inicialmente pretendido, mas naquele sentido tão pessoal que pautou meu entendimento... Para mim, altruísmo acabou se revelando, pois, como o dom de reconhecer a importância dos outros em sua vida e de acreditar na urgência de ter os olhos abertos à intensidade de cada momento vivido, para cada um...
O título, assim, chamado maldosamente de “projeção” para levar a idéia de que, quando olhavam para os problemas dos outros, as pessoas acabavam apenas enxergando a si próprias, não maculou a imagem final que surgiu à minha mente e que encerrou o texto: duas pessoas que se admiravam mutuamente, sentadas lado a lado, em silêncio, mesmo que as palavras engasgassem e o pudor rejeitasse o diálogo.
Experiências coletivas sempre são difíceis, pois na maioria das vezes, mesmo que inadvertidamente, crescemos unicamente como indivíduos, ao nosso jeito, avulsos... E que choque que é de repente contar com o outro, ouvi-lo, conviver, divergir e conciliar! Mas a recompensa dos que se permitem serem seres plurais... ah!, essa, só quem teve a ousadia de encarar “a face do outro, ao meio-dia, como um enigma”, sabe o que isso significa...

2 comentários:

Patricia Leal disse...

meu deus...quem sou pra comentar alguma coisa de um texto assim?!... :)

já tá virando clichê eu falar que seus textos são bonitos Fábio, mas todo mundo sabe que é mesmo :)

eu só acho que o pessoal do DA merece ganhar esse seu texto de presente =P

bjão!! :D

fabio disse...

Que nada, Patsy! O destino dele é esse mesmo: cair aqui nesse blog esperando que alguém o leia... :p
Mas fiquei feliz por ter gostado.
Bjo.