Eu queria escrever uma história. Uma história que começasse agora, sem um grande marco inicial nem um evento decisivo, definido, característico da mudança ou determinante na quebra temporal que possibilita o início. Seria apenas um instante, mais um ponto na cronologia de fatos consecutivos e incertos, mas um ponto repleto de vontade e certeza, não a certeza idealizada do que vai acontecer, mas do que hoje é. Para este começo, não far-se-ia necessária sequer uma ação, apenas uma atitude, um olhar diferente, uma sensação que nem se sabe de quê entreabrindo leveza e vontade novas, insuspeitas, reveladoras e que sutilmente transformam.
Nessa história, alguns instantes denotariam um gosto duvidoso, talvez, já que nem tudo o que seria contado teria muito nexo. Seriam fatos improváveis, atitudes destoantes, centenas de milhares de movimentos bruscos desembocando na mais fina imobilidade, no mais rígido silêncio e quietude. Fatos sem clímax, revelações sem propósito, reviravoltas levando a lugar algum que não a manhã seguinte...
Diria ainda que meus personagens não teriam muita credibilidade; dispensariam qualquer admiração persistente, qualquer aparência equivocada, qualquer calma superficial ou suposta inteligência; a sensibilidade aguçada também seria desmentida em seus atos, na medida em que teriam preguiça, anestésicos e mesquinhez, medo e paradigmas; desmentiriam também sua refinada emoção com lágrimas piegas e crises rasteiras; rejeitariam inconscientemente seu suposto talento, sua convocada sorte, seu destino prometido; mas seriam verdadeiros.
Também digo que seriam bons. Bons, humanos e ousados, porque garanto que os construiria sem modéstia e os faria detentores de uma loucura só comprovável pela sua insistente crença nos sentimentos, na poesia, na estética, no amor, e por aquela estupidamente ingênua persistência em escavar um pouco mais sua dor à procura de algo de extraordinário em suas vidas.
E digo mais: construi-los-ia com tamanha vontade que seriam eles capazes de atitudes impensáveis. Então daria à história tons de fábula: porque eles seriam tolerantes com diferenças, espontâneos na sua forma de agir, pródigos em sua assumida imprudência, eternos em sua inquieta juventude, sinceros na sua raiva e cautelosos em todos os julgamentos. Um pouco fracos de espírito, admito. Todos meio sem vontade, alheios, e o próprio enredo de suas vidas perdendo-se, por vezes, em seus objetivos, criando significados inconsistentes, dando voltas, idas e vindas, a narrativa estagnando, de quando em quando, para logo depois se reerguer, num sobressalto.
Escancarariam suas incongruências, suas fraquezas, desmentiriam com seus atos a reconfortante porém equivocada admiração alheia e perceberiam que com isso a cada dia ficariam mais leves, porque prometeriam menos, e deles não muito poder-se-ia esperar.
Assim construiria uma história, e não seria diferente da história de qualquer ser humano. Mas seria, ainda assim, uma nova, esperançosa e urgente tentativa de pensar o indecifrável sentimento de liberdade e avulso pertencimento.
terça-feira, dezembro 21, 2004
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Olá! Lembra-se de mim? Continuo a visitar o seu blog embora não comente. Gosto da sua maneira concisa de escrever apesar de, na maior parte das vezes, não atingir o alcance das suas palavras. Hoje decidi comentar para lhe dar os parabéns por terminar o seu curso com êxito e também para lhe desejar um feliz natal e que 2005 lhe concretize todas as expectativas.
Olá!! Que bom saber que você ainda aparece por aqui, de vez em quando. :p Obrigado pelos parabéns, elogios e tudo mais. Não sou tão bom para essas coisas, mas também gostaria de desejar-lhe uma boa, sincera e surpreendente história em 2005, ok? ;) Abraço.
Postar um comentário