Quando se aproximou o dia em que eu deveria deixar o apartamento onde fiquei pelos últimos dois meses aqui em Buenos Aires, ainda estava firme na decisão de ir pra outro bairro. Comecei a perceber, então, quantas coisas ainda me faltavam até que pudesse dar por concluída a minha temporada em San Telmo. Explorar mais uma vez os livros e dvds da loja que fica em frente à Facultad del Cine, tomar um café da manhã no Bar Granados, freqüentar o Pride Café – o MEU café em Buenos Aires –, tomar mais algumas cervejas de litrão sentado na calçada durante a feirinha de domingo... Estas coisas que não são importantes o suficiente pra justificar um deslocamento e que a gente só faz quando vive logo ali.
Daí que meio sem querer eu tropecei em um hostel na Calle Chacabuco e ele me pareceu tão interessante que aqui estou, há quase um mês e a apenas algumas ruas do cruzamento que já tinha se tornado bem reconhecível, Defensa e Independencia. E de repente então as coisas são assim: a gente se prepara pra uma grande mudança e quando ela chega descobre-se que é bem mais sutil do que imaginávamos. Nenhum problema, se isso significa simplesmente consolidar bases e tomar posse de lugares que só havíamos freqüentado na fantasia de nossas rotinas não-iniciadas. Posso continuar por mais algum tempo planejando fotografar o Bar Sur, por mim está tudo certo. A questão é que esse episódio me permitiu ver em retrospectiva como no estranho sempre persiste muito do que é familiar – mais talvez do que estaríamos dispostos a conceder.
Por outro lado, se me permito prestar atenção com um pouco mais de boa vontade, percebo: deixar o apartamento significou abandonar as noites de preguiça vendo televisão, as festinhas em casa para os amigos, as visitas inusitadas, a louça acumulada. Exigiu a inserção em uma nova lógica, muito atrativa, mais coletiva, de um espaço onde há pessoas circulando o tempo inteiro, conversas esperando para serem iniciadas. É cozinhar junto, é ver pessoas unirem-se à roda em qualquer noite da semana trazendo outra cerveja, é ser convidado pra uma sessão de cinema – filme de luta livre mexicana (!) – ou cantar junto com os colombianos uma canção do Aterciopelados, velha banda conhecida. É, enfim, deparar-se com as figuras ótimas que podemos conhecer – ou pelo menos ter a esperança de que, na pior das hipóteses, os menos simpáticos irão embora no dia seguinte. Tudo isso é ainda continuar pegando as mesmas linhas de ônibus e percorrendo diariamente as mesmas ruas, pra ficar com dois exemplos banais. Mas de repente isso é o que menos importa: o espaço, o entorno.
Não é desta vez que experimentarei morar em Almagro, Congreso ou Palermo. Ao menos nesta viagem, não tem outro jeito: enterrei o umbigo em San Telmo, como diriam os mais velhos da minha família. Melhor, então, reconhecer o lado bom do familiar e preparar-se para o inesperado. Ontem mesmo, depois de algumas horas escrevendo, saí pra um passeio rápido pelas mesmas ruas de sempre e encontrei, por puro acaso, um novo conhecido – ou seria um ex-desconhecido? Decidimos tomar um café juntos e ter a conversa que devíamos um ao outro. Sugeri o Pride que, repito, elegi o MEU café em Buenos Aires.
Porque já está mais do que na hora de tornar presente todos os meus sonhos de habitar a cidade.
quarta-feira, junho 10, 2009
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2 comentários:
sabe que eu consegui te ver em tudo isso?
e sabe que eu amo ler os teus textos? parece que a vida fica mais soft, mais fácil de ser vista...
bj em tu
marcela
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