A ministra do meio ambiente, Marina Silva, entregou ontem formalmente seu pedido de demissão à Presidência da República. A triste coincidência é que ainda na semana passada eu notava o fato de que a ministra era uma das poucas que permaneciam à frente de seu cargo desde o início da primeira gestão de Lula, em 2003.
Na ocasião da primeira vitória de Lula como candidato à presidência, lembro a euforia que tomou conta de todos aqueles que, de algum modo, mesmo que timidamente, militaram em sua campanha. Eu, no auge do meu entusiasmo político, compartilhava com muitos a expectativa de ter um governo federal composto por muitas das figuras que admirávamos e que tinham se tornado referências por se destacarem como políticos que, de certo modo, pareciam compartilhar conosco muitas posturas – e por nós refiro-me aqui principalmente ao meio estudantil, ponto a partir de onde vivenciei tudo na época. Era animador, por exemplo, ter figuras como a de Cristóvam Buarque - que em 2002 participou da abertura da Estatuinte da UPE e que tão bem havia falado, na ocasião, das ansiedades e desejos da comunidade acadêmica – no Ministério da Educação. Enfim, essa figura que, na ocasião da estatuinte, falava conosco contra eles, iria agora estar lá – ou pelo menos foi assim que eu, ingenuamente, recebi a divulgação desse e de muitos outros nomes que iriam compor os ministérios.
Sem dúvida, no auge da “esperança”, quase tudo aparecia como indício de que uma oportunidade histórica de fato se confirmava. E ao lado desses nomes, muitos já conhecidos, foi a figura de Marina Silva quem melhor personificou para mim esse entusiasmo. Ex-seringueira, alfabetizou-se no Mobral, fez supletivo e entrou para a Universidade Federal do Acre, onde cursou história. Aproximou-se do marxismo e, engajada em movimentos políticos na região norte, onde lutou ao lado de Chico Mendes pela defesa da Amazônia, participou da fundação do PT e da CUT, na década de 80. A idéia de uma figura com tal trajetória ocupando uma pasta onde poderia conjugar sua postura combativa com um poder capaz de propiciar, de fato, uma intervenção sólida e decisiva nas questões pelas quais militava, era o que melhor indicava que a gestão nascente de Lula teria uma cara radicalmente diferente da anterior. E no caso de Marina Silva, pelo menos, as expectativas se confirmaram: antagonista de madeireiros e grandes pecuaristas, acusada de entravar o crescimento econômico e criticada por sua intransigência, ela mostrou-se irredutível e coerente em suas posturas.
No entanto, não só em relação ao meio ambiente como em praticamente todos os outros pontos, o governo Lula demonstrou ser bem menos transformador do que a ingenuidade política me faria crer, e foi ainda a figura de Marina quem simbolicamente indicou para onde o embate de forças desse “governo em disputa” – jargão que se tornou comum na época e que, não raramente, servia inclusive para que a militância mais fiel justificasse as crescentes e lamentáveis “concessões” realizadas – pendia com mais força. Marina Silva manifestou-se de forma crítica e combativa em diversas disputas relacionadas ao meio ambiente, como no caso da construção de hidrelétricas e de Angra 3, nas questões dos transgênicos e dos biocombustíveis - para citar apenas alguns dos pontos que foram pauta nestes anos - e, na maior parte das vezes, foi solenemente ignorada, quando não publicamente advertida.
Assim, era quando Marina Silva se posicionava frente a assuntos que envolviam questões ambientais, e no entanto, a despeito de suas posturas, mais e mais “concessões” eram realizadas, que se tornava patente a constatação de que, nessa disputa, algo ia muito mal. Os rumos do governo brasileiro causavam um incômodo que, no meu caso, atingiu seu grau máximo no período da reeleição, quando muitos amigos militantes faziam oscilar de forma vertiginosa o seu discurso, juntamente com a retórica e as estratégias de campanha do seu partido, tentando em vão acompanhar as mudanças de rumo sem, no entanto, abrir mão do tom radical e progressista de suas falas. Para mim, pelo menos, a esta altura já parecia impossível.
É claro que existem inúmeros outros fatos muito mais significativos – além do pedido de demissão entregue ontem por Marina Silva - que podem demarcar este ponto em que se torna impossível negar a desfavorável dinâmica de poder no atual governo brasileiro. Para mim, no entanto, o marco mais significativo e melancólico foi sem dúvida esse.
2 comentários:
Balonete:
Pois é, Elvis morreu. E com ele nossos sonhos.
Do movimento estudantil, ainda bem que restaram os amigos.
Mas da Amazônia, por mim podem concretá-la inteira e construir um grande estacionamento que eu não tô nem aí. Ha ha! (Mentira, eu sei de todo o impacto ambiental que isso causaria. Mas esse papo de "aquecimento global" já me deixou de saco tão cheio quanto o caso Isabella)
E concordo com vc que Marina Silva ter saído do governo foi uma pena.
Beijo beijo.
Luv ya.
Pois suas palavras seriam minhas. É emblemática sim a retirada de Marina. E a "disputa", a gente bem sabe que nunca existiu. O que fere, meu amigo, é ter de assumir: é o jeito, neste campo, não há alternativa. E mais: votarei novamente no Partido, embora, é verdade, sem lá muitas emoções...
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