Há um momento muito bonito no filme Dançando no escuro. Selma Jezkova, depois de ser advertida por causa de mais uma das muitas trapalhadas cometidas por ela na fábrica enquanto submergia num universo de fantasias e pensamentos muito próprios – o que acontecia sempre – diz com aquela cara de cachorrinho que só Bjork sabe fazer: “eu tinha decidido parar de sonhar acordada... mas depois... eu esqueci”.
Acho que no fim das contas a gente sempre precisa sonhar, de um jeito ou de outro, e nisso está muito da nossa beleza. O problema é que, como diria Mari, quando algo assim foge do controle, a gente fica muito – cerebral. Não no sentido de privilegiar o racional – nada menos racional do que isso! - mas é que a gente vai se fechando em torno de pensamentos e divagações e vai ficando cada vez mais retraído, mais imerso. E, além disso, sempre se corre o risco de começar a achar que a vida paralela que a gente inventa é melhor que “a outra” – pelo menos as pessoas são melhorzinhas, e assim machuca menos.
Daí que só sei-lá-quem sabe o trabalho que dá restringir um mundo quando ele começa a assumir dimensões incomodamente gigantescas, impondo-se com muita força e ameaçando suplantar essa dimensão imprevisível e intempestiva que é o encontro no espaço que é criado não só por nós, mas por várias pessoas diferentes através de formas e combinações que não dependem em absoluto da nossa “direção”. Falando isso, tento não cair na separação duvidosa entre realidade e fantasia, abstrato e concreto - estas formas puras não existem, mas se contaminam, transformam-se mutuamente. Seria mais, talvez, algo como uma diferença entre ser sozinho para os outros ou ser com os outros para algo que não resulta da vontade de ninguém em particular, mas da soma incerta de muitas vontades distintas. E porque apesar de tudo se acredita no outro, e se espera o encontro, ou até mesmo porque é preciso exorcizar um outro-ideal ou um outro-fantasma que toma conta da nossa cabeça, é que a gente tenta não se atolar de vez nessas fantasias, tenta redimensioná-las de modo a deixar um pouco de espaço para todo o resto, para a esfera do possível e inimaginável.
O problema é que moderar sentimentos é um exercício desgastante e quase sempre fadado ao fracasso. No entanto é necessário e, para esta necessidade, a melhor metáfora que encontrei até hoje foi um jogo de que tomei conhecimento pela internet. O jogo consiste justamente em esquecer a existência dele. Cada vez que lembramos que o estamos jogando, perdemos, e basta voltarmos a esquecê-lo para começarmos a ganhar novamente. A artimanha maior do jogo consiste assim em evitar os sinais e pistas que reativam sua lembrança, e as pequenas derrotas devem ser avisadas aos demais participantes (ou seja, o jogador deve anunciar que perdeu ao lembrar-se do jogo e, sobretudo, deve voltar a esquecer para que recomece a ganhá-lo).
Infelizmente alguns de nós perdemos quase sempre, ao recordar infinitas vezes o que, por bem, deveria ser moderadamente esquecido para dar lugar a outros pensamentos ou, mais ainda, para o impensável que nos espera. Para tentar esquecer, recorremos a alguns outros pensamentos que preenchem, que afastam a lembrança e, consequentemente, evitam a derrota, o fracasso na missão que nos impusemos de atrofiar presenças constantes na memória.
Um outro problema é que neste caso, ao contrário do jogo com regras claras, bem definidas e amplamente divulgadas, as circunstâncias são diferentes. Sabemos quando ganhamos, mas dificilmente anunciamos nossas derrotas: porque também faz parte do nosso jogo, cujas regras moldamos, não dar a conhecer que jogamos.
Para conhecer o jogo, clique aqui.
2 comentários:
ahhhhhhhhhhhh
lembrei q tu tinha me falado desse jogo!
q coisa .. afe :S
xero, my love
e vc sabe né? na terça to voltando.. pode ir se preparando ..
pode deixar, que estarei preparadíssimo. venha com histórias bizarras, cheia de novidades e bem animada! :**
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