segunda-feira, março 31, 2008

noves fora

A vida opera por meio de estranhas contabilidades. Por via das dúvidas, vou aprendendo a contar, tentando entender esta bagunça pouco lógica de somas, subtrações...

Bom, devo dizer que, por enquanto, eu muito feliz com os saldos.

***

Continuam valendo aqueles versos da música de Tom Zé:

"quanto maior o romantismo,
mais cruel se transfigura o carinho em tortura".

Pois é. Se for pra aderir a certos romantismos que existem por aí, prefiro ser uma pedra. De qualquer forma decidi, afinal, que não sou um insensível. Depois de quase ser convencido do contrário, continuo por fim acreditando que sou sim, de alguma forma, muito romântico e idealista, mas de um romantismo secreto - desajeitado, talvez -, que não se derrete em palavras e gestos grandiloqüentes, apressados (e quase sempre muito suspeitos). A questão é que até que algo realmente valha a pena, essa delicadeza eu vou guardando pra mim.

***

Para ouvir:
The warning (2006), do Hot chip

quinta-feira, março 20, 2008

trouble every day

Feriado com chuva dá nisso: preguiça, vontade de ficar em casa comendo, vendo filme, e dificuldade para articular mais do que duas ou três palavras. E se a geladeira apresenta perspectivas pouco animadoras - vazio desolador... - por outro lado o repertório de filmes que tenho para ver aqui é dos mais promissores.
Pra começar, esse que faz tempo eu estava procurando: Trouble every day, de Claire Denis. Em uma sinopse bem pobre, algo como um filme sobre pessoas com um desejo sexual incontrolável que devoram(!) os seus parceiros em atos canibalísticos. Fiquei besta! Sem maiores comentários...




P.S. E só agora me liguei que, justamente na semana santa, tanta carne, sangue e sexo! Eu juro que não foi provocação. :p

sexta-feira, março 14, 2008

o jogo

Há um momento muito bonito no filme Dançando no escuro. Selma Jezkova, depois de ser advertida por causa de mais uma das muitas trapalhadas cometidas por ela na fábrica enquanto submergia num universo de fantasias e pensamentos muito próprios – o que acontecia sempre – diz com aquela cara de cachorrinho que só Bjork sabe fazer: “eu tinha decidido parar de sonhar acordada... mas depois... eu esqueci”.

Acho que no fim das contas a gente sempre precisa sonhar, de um jeito ou de outro, e nisso está muito da nossa beleza. O problema é que, como diria Mari, quando algo assim foge do controle, a gente fica muito – cerebral. Não no sentido de privilegiar o racional – nada menos racional do que isso! - mas é que a gente vai se fechando em torno de pensamentos e divagações e vai ficando cada vez mais retraído, mais imerso. E, além disso, sempre se corre o risco de começar a achar que a vida paralela que a gente inventa é melhor que “a outra” – pelo menos as pessoas são melhorzinhas, e assim machuca menos.

Daí que só sei-lá-quem sabe o trabalho que dá restringir um mundo quando ele começa a assumir dimensões incomodamente gigantescas, impondo-se com muita força e ameaçando suplantar essa dimensão imprevisível e intempestiva que é o encontro no espaço que é criado não só por nós, mas por várias pessoas diferentes através de formas e combinações que não dependem em absoluto da nossa “direção”. Falando isso, tento não cair na separação duvidosa entre realidade e fantasia, abstrato e concreto - estas formas puras não existem, mas se contaminam, transformam-se mutuamente. Seria mais, talvez, algo como uma diferença entre ser sozinho para os outros ou ser com os outros para algo que não resulta da vontade de ninguém em particular, mas da soma incerta de muitas vontades distintas. E porque apesar de tudo se acredita no outro, e se espera o encontro, ou até mesmo porque é preciso exorcizar um outro-ideal ou um outro-fantasma que toma conta da nossa cabeça, é que a gente tenta não se atolar de vez nessas fantasias, tenta redimensioná-las de modo a deixar um pouco de espaço para todo o resto, para a esfera do possível e inimaginável.

O problema é que moderar sentimentos é um exercício desgastante e quase sempre fadado ao fracasso. No entanto é necessário e, para esta necessidade, a melhor metáfora que encontrei até hoje foi um jogo de que tomei conhecimento pela internet. O jogo consiste justamente em esquecer a existência dele. Cada vez que lembramos que o estamos jogando, perdemos, e basta voltarmos a esquecê-lo para começarmos a ganhar novamente. A artimanha maior do jogo consiste assim em evitar os sinais e pistas que reativam sua lembrança, e as pequenas derrotas devem ser avisadas aos demais participantes (ou seja, o jogador deve anunciar que perdeu ao lembrar-se do jogo e, sobretudo, deve voltar a esquecer para que recomece a ganhá-lo).

Infelizmente alguns de nós perdemos quase sempre, ao recordar infinitas vezes o que, por bem, deveria ser moderadamente esquecido para dar lugar a outros pensamentos ou, mais ainda, para o impensável que nos espera. Para tentar esquecer, recorremos a alguns outros pensamentos que preenchem, que afastam a lembrança e, consequentemente, evitam a derrota, o fracasso na missão que nos impusemos de atrofiar presenças constantes na memória.

Um outro problema é que neste caso, ao contrário do jogo com regras claras, bem definidas e amplamente divulgadas, as circunstâncias são diferentes. Sabemos quando ganhamos, mas dificilmente anunciamos nossas derrotas: porque também faz parte do nosso jogo, cujas regras moldamos, não dar a conhecer que jogamos.

Para conhecer o jogo, clique aqui.

terça-feira, março 04, 2008

quando a imagem é demais

Já há algum tempo, os noticiários foram tomados pelas imagens de Ingrid Betancourt no cativeiro, supostamente filmadas em outubro do ano passado e veiculadas com o intuito de atestar sua existência, provando que ela ainda está viva. Mal acompanhando os noticiários nestes últimos tempos, na ocasião eu as vejo com freqüência - dada a forma exaustiva com que foram divulgadas - e quando isto acontece, sou tomado por certo incômodo: entendo que preciso inteirar-me do que acontece, formar opiniões a respeito, e que ali está posto algo muito sério que merece uma observação cautelosa e atenta. No entanto, não consigo. Não porque seja mais forte a displicência inicial com que voltei o olhar à tela antes de deparar-me com o vídeo e perceber a urgência do assunto. Mas porque, de antemão, senti que nenhum esforço para processar o que me atingia pareceria suficiente.

Algum tempo depois, já quando o tema assume uma nova forma - do problema crônico e já assimilado das guerrilhas, passando pelo reaquecimento do debate ocasionado pelas novidades nas negociações para libertação de seqüestrados, até a recentemente deflagrada crise sul-americana, cujo estopim foi a violação ao território estrangeiro do Equador pelas forças oficiais colombianas - retomo o assunto de uma forma, suponho, um pouco menos preguiçosa e irresponsável. Diante dos desdobramentos, vou aos jornais, tento ler notícias, opiniões, análises a respeito, e buscar algo que de fato me envolva ao tema e me distancie do odioso auto-glorificante acúmulo de informações. Porque não, nunca devoro atualidades apenas para me gabar de ser um sujeito bem-informado - o que, se por um lado, não é motivo de orgulho nenhum, uma vez que não são poucas as vezes em que ignoro discussões e fatos notáveis, pelo menos é uma atitude que considero um pouco mais espontânea. Nesse fluxo histérico de informações, dou-me ao luxo (e normalmente sem muito sentimento de culpa) de simplesmente dizer que não tenho condições, no momento, de opinar sobre o que se passa.

Assim, se retomo este assunto e busco inteirar-me é porque sinto que algo aqui me diz respeito: não sei bem o que, nem como, mas acredito que algo, de algum modo, me afeta. Ou melhor, eu sei: é a imagem de Ingrid Betancourt, que ficou calada dentro de mim mas não se neutralizou; falou mais alto de novo, em seu silêncio, e me causou incômodo. Não por acaso, então, voltei a ela: precisei ver de novo o vídeo, talvez buscando uma forma de me aproximar emocionalmente do assunto e assim ser menos cínico, menos enciclopédico na minha vontade de entender.

Mas ainda assim é difícil. Vendo-o, foi impossível não lembrar daquilo que li sobre a imagem traumática. O trauma, para Roland Barthes, seria aquilo que interrompe a linguagem e bloqueia a significação. No que se refere especificamente à imagem fotográfica, ele diz: “a foto-choque é, estruturalmente, insignificante: nenhum valor, nenhum saber, em última análise, nenhuma categorização verbal pode influir sobre o processo institucional da significação. Poderíamos imaginar uma espécie de lei: quanto mais direto é o trauma, mais difícil a conotação; ou ainda: o efeito ‘mitológico’ de uma fotografia é inversamente proporcional a seu efeito traumático”.

Essa idéia de bloqueio diante de uma imagem traumática, por sua vez, me fez lembrar do filme Persona: a atriz Elizabeth Vogler, internada em um hospital, assiste diante da televisão à imagem de um homem ateando fogo ao próprio corpo como forma de protesto. Diante do choque de testemunhar aquele corpo em chamas, da força das imagens e da radicalidade do protesto, a atriz, estarrecida, contempla a cena, imóvel. Diante deste horror a arte emudece, o cinema não tem meios de processá-lo, assimilá-lo, mostrando-se impotente.

É possível no entanto que a citação de Barthes esteja bastante deslocada. Porque me parece que não é o caso de ter sido bloqueada a significação; muito pelo contrário, o que se percebe é a supercodificação do visto por uma infinidade de discursos que possuem motivações políticas diversas. Assim, creio que não era exatamente sobre isso que Barthes falava. Mas tomo a liberdade para a apropriação indevida, para a des-(ou re)contextualização, como forma de expressar um pouco a dificuldade de, a despeito da espetacularização a que a imagem foi submetida, significá-la, dar conta de tudo o que ela representa.

Porque se a imagem de Ingrid em seu cativeiro choca, talvez seja isso o que a torna tão difícil de assimilar. Diante dela não há palavras, não há análises de conjuntura, não há opiniões, palpites ou arrebatamentos que abranjam o horror que ela evoca. Se, para os familiares, vê-las deve ser quase insuportável, para qualquer pessoa que por um minuto coloque-se no lugar de Ingrid ou tente enxergar nela um familiar querido (mas é exercício fadado ao fracasso, é impossível imaginar algo assim!), enfim, para pessoas que se permitam essa sensibilização, não parece exagero associar essa imagem à idéia de um trauma. Diante dela, não há sentido completo possível. A palavra seria sempre insuficiente. E a racionalização, cínica.

Arriscaria, então, dizer que estaríamos neste caso diante de algo como o Real inapreensível de que fala Slavoj Zizek, filósofo esloveno. Qualquer tentativa de assimilá-lo mostra-se quase impossível, porque o entendimento sempre se dá no nível simbólico, da linguagem. Ou, nas palavras de Zizek: este Real, “exatamente por ser real, ou seja, em razão de seu caráter traumático e excessivo, não somos capazes de integrá-lo na nossa realidade (no que sentimos como tal), e portanto somos forçados a senti-lo como um pesadelo fantástico”. E não seria isto o que eu mesmo estaria tentando fazer aqui: possibilitar a conotação, estabelecer mediações simbólicas, mitológicas para tornar a imagem de Ingrid assimilável?

O fato é que não pude ignorar, e fui à rede saber um pouco mais.

Um breve panorama na internet sobre a cobertura no Brasil nos dá uma idéia da disputa ideológica que se dá em torno dos fatos. Resumindo o estado dos argumentos de forma bem grosseira (neste caso, intencionalmente redutora, para tentar emular a grosseria com que alguns articulistas têm recortado e exposto o quadro): enquanto sistemas de mídia direitistas enfatizam aspectos como o uso da palavra guerra por Hugo Chávez como mais um mecanismo e recurso para a caracterização do presidente venezuelano como um louco paranóico e irresponsável - capaz de colocar sob ameaça todo o subcontinente latino-americano - colunistas como Emir Sader, por sua vez, jogam os holofotes sobre as ações conspiratórias do governo de Uribe na Colômbia e suas relações com o poderio norte-americano. Enquanto isso, Fidel Castro já nos informa ouvir soarem as trombetas da guerra...

Diante de tudo isso, penso com certa irritação em como muitos dados são manipulados sob a forma de opiniões anti-chavistas ou anti-estadunidenses. Penso com ainda mais irritação em como as pessoas ainda supõem, convenientemente, haver explicações fáceis para uma questão tão complexa quanto a do narcotráfico, das guerrilhas e das disputas políticas na região. O que eu não consigo sequer pensar é na existência provável de pessoas que ponderem, considerando justificável que vidas como a de Ingrid Betancourt sejam relativizadas em nome de qualquer causa bem intencionada que pretenda tornar a vida humana minimamente mais digna. Porque o que estes fatos lamentáveis denunciam é a barbárie, e para ela não existem justificativas fáceis ou antagonismos claros. Sem querer soar grandiloqüente, diria: somos todos responsáveis.

Eu, como há muito já deixei de me entusiasmar com grandes causas gloriosas e messiânicas e comecei a recusar o jogo das respostas fáceis – no qual as pessoas acreditam de modo a tornar (para o alívio de todos) o mundo mais ordenável, inteligível e explicável; eu, que aprendi a assumir que não entendo, que muitas vezes não sei o que dizer e que a experiência me transpassa (ou por vezes parece que me contorna, me dribla), apenas tento responder ao alto impacto daquilo que vejo e que, somado às mensagens lingüísticas que o acompanham, torna-se simplesmente demais, um excesso que não consigo absorver.

Sim, porque não temos somente o vídeo: temos o relato. Ingrid Betancourt não come, não tem forças, está esgotada física e emocionalmente, seus cabelos caem aos montes, seus ossos já se tornam visíveis sob a pele e acredita-se que tenha hepatite do tipo B (e a partir daí imaginamos como podem estar os outros seqüestrados, dos quais não temos muitas notícias). No vídeo, sua cabeça está sempre voltada para baixo, seus braços caídos sobre o corpo, imóveis, e seu semblante triste, muito triste e desolado(r)! São cinqüenta e cinco segundos de um silêncio pungente, indescritível, em registros feitos por uma câmera perscrutadora que vai se aproximando do rosto de Ingrid até quase o limite da distorção. E é tudo tão forte e impossível, e é tudo tão terrível que nos comove.


Para ver:

Vídeo divulgado pelas Farc com as imagens, aqui.

E para que não reste dúvidas de que perplexidade e suspeita não se confundem com omissão ou descrédito a qualquer tentativa de posicionamento político concreto, coloco também o link para um vídeo que trata das obscuras relações entre Uribe, Estados Unidos e narcotráfico. Note-se que a postura lamentável do presidente colombiano no que diz respeito às negociações para libertação dos seqüestrados torna-se ainda mais ambígua diante destas informações. Disponível em espanhol, aqui.


Para ler:

O óbvio e o obtuso, de Roland Barthes.

Bem-vindo ao deserto do real, de Slavoj Zizek.

sábado, março 01, 2008

“o que te ilude é roliúde”

Todo mundo precisa de um filme bem xarope às vezes, para descolar-se da atmosfera de pensamentos difíceis que a gente respira quase todo o tempo. O problema é que sempre que vejo um filme assim, bem meloso, fico me perguntando o quanto isso inconscientemente não deve ter contribuído para me assinalar promessas que jamais serão cumpridas – digo, principalmente antes que eu começasse a ter o mínimo discernimento (ou senso de auto-proteção) capaz de me advertir a tomar cuidado e recuar de histórias que insinuem a possibilidade, em qualquer tempo e lugar dessa existência, de conseguir um reconhecimento mútuo e uma delicadeza rara que me permita ficar menos sozinho, menos desamparado nesse mundo difícil.

Pense bem: se você duvida que de fato todo o repertório de cultura midiática que a gente vem acumulando desde criancinha influencia as nossas expectativas com relação aos nossos encontros (e sobretudo desencontros) pela vida afora, imagine quantos e quantos filmes, seriados, novelas etc etc nós viemos absorvendo e armazenando na nossa cabecinha durante todos esses anos. Pense em como a crença em um amor romântico, monogâmico, sensível, cúmplice e duradouro capaz de nos acolher e proteger da nossa condição de seres avulsos não pode bem ser um resultado de narrativas culturais bem forjadas. Pense na persistência desse romantismo, mesmo que as pessoas neguem, finjam não se importar, não buscar (aliás, pense em como um certo tipo de romantismo sobrevive mesmo com tantos declarando sua morte!) e diga se não deve haver algo muito enraizado no nosso universo pessoal de sonhos.

Para isso, não cabe nem tanto considerar o momento presente com que, em maior ou menor grau, já conseguimos desenvolver um certo cinismo que (supomos) nos protegerá dessa vontade. Em vez disso, coloque-se na sua existência infantil, naquele momento de formação da sua personalidade e do seu perfil emocional que - embora correndo o risco de parecer essencialista – arriscaria dizer que se mantém relativamente constante (o que, a propósito, pode ser a origem daquela sensação terrível de que cometemos sempre os mesmos erros no quesito “relações pessoais”).

Um exemplo concreto: pense em você criancinha assistindo ao episódio do Chaves em que todos vão para Acapulco - menos ele que, tristíssimo, fica sozinho na vila. Lembre que depois Seu Barriga o convida, de modo que o episódio termina com todos felizes comendo churrasquinho na praia ao pôr-do-sol. Não há dúvida de que você é colocado no lugar do Chaves – levado a comover-se com o abandono para logo em seguida sentir-se aceito e participando da aventura na ida à praia. Este episódio do Chaves, em suma, te leva a acreditar que você será emocionalmente incluído, ao longo da vida, por um ou outro salvador - mesmo que seja um barrigudo careca. Mas creia: a verdade é que ninguém te levará a Acapulco.

O mesmo se poderia dizer da nossa adolescência quando, sentindo-nos um pouco mais espertos, consideramo-nos imunes a histórias bobas de boa vizinhança. Eis que aí é justamente quando muitos são impiedosamente arrebatados pela vontade irresistível de torcer por algum casalzinho problemático da tv: uma dobradinha tipo Dawson e Joey, pra ficar só nos mais lesos, que sempre agradam aos adeptos do bom mocismo. Memória fraca, romântico(a)? Então experimente voltar a alguns episódios daquele seriado americano que você via (se é que ainda não vê) e simplesmente mooorra de vergonha. Sim, era trash demais. Mas no seu inconsciente, não negue: você ainda quer aquilo.

Só que não acabou! Eu continuo minha explanação, afinal, a coisa é mais grave. Porque não se trata apenas daquelas histórias magníficas em que o acaso une pessoas (a propósito, alguém aí já experimentou depender do acaso? Às vezes parece que ele não chega nunca...). Nem daquelas em que a efemeridade é poeticamente vivenciada pelas partes envolvidas que, supõe-se, devem ser sempre duas - embora em alguns casos até os triângulos pareçam lindos e esteticamente excelentes (vide Os sonhadores, Jules et Jim, etc). A gente até tenta zombar um pouco, tirar onda, dizer que “três, na vida real, não é amor, é gaaaaaia!” Mas no fundo, todo mundo segue acreditando. Nem que seja um pouco.

Enfim, como dizia, a coisa é mais grave porque não é só por meio de histórias deslumbrantes que nossos sonhos afetivos são alimentados. Em Hollywood - e muito além dela, na verdade (vide os exemplos anteriores) - até os fracassos amorosos são lindos. Como no filme que vi na sessão de sábado da Globo pela quarta ou quinta vez, em um momento de desespero e ócio: O casamento do meu melhor amigo. É fato que Julia Roberts se fode, mas é tão “fofinho” como tudo se resolve com dignidade e afeto! Repito: isso é muito, muito grave. Porque a dor de cotovelo causada pelo fracasso em uma disputa amorosa gera tudo, menos sentimentos nobres.

Isso tudo posto, confesso: eu continuo assistindo, vez por outra, a filmes assim. Mas me digam: quem não continua? Quem não precisa de uma ilusãozinha a 24 frames por segundo para suportar a desolação de uma tarde ruim?