"Não me permitia ler senão com os cotovelos fincados na mesa, rabiscando o livro todo, anotando tudo. Tinha de ler do princípio ao fim. Até hoje sinto complexo de culpa quando salto uma página. Houve época em que lia, estudava Direito, lecionava português no colégio do pai de Otto Lara Resende, dava aula particular de taquigrafia, trabalhava numa repartição pública e num jornal, e ainda sobrava tempo para namorar e para o chope com os amigos. Tinha instrução no CPOR toda manhã, às seis horas, não podia faltar. Às vezes já saía à noite fardado e ia direto do bar para a instituição. Naquele tempo o dia tinha 48 horas.
Passei a tomar emprestado cinco livros por semana com o Etienne - João Etienne Filho, escritor e jornalista mineiro, que me iniciou na literatura brasileira. Assumi comigo o compromisso de ler um livro por dia. Lia durante horas seguidas, em casa ou na Biblioteca Pública. E até mesmo em plena rua: andava de livro aberto diante do nariz. Volta e meia chegava com um galo na testa, porque ia lendo pelo caminho e dava com a cabeça num poste. Em Belo Horizonte havia muito poste na rua".
Fernando Sabino, O tabuleiro de damas
segunda-feira, fevereiro 25, 2008
terça-feira, fevereiro 19, 2008
parênteses
Tava ali na janela fumando um cigarro quando pensei que qualquer consideração sobre um ser humano deveria vir acompanhada de um parêntese: (ou não) – de modo a garantir, para ambos os lados, o benefício da dúvida. Logo lembrei que a tal coisa dita sobre alguém, seja ela o que for, precisava também vir seguida de um (dentre outras coisas) - porque uma pessoa nunca é uma coisa só. Daí tomei gosto pela brincadeira e comecei a pensar em outros parênteses necessários. Ocorreu-me mais um: (até hoje) – já que nunca se sabe se a consideração feita será válida para o momento imediatamente seguinte, uma vez que as pessoas mudam e não se sabe o que serão amanhã. Depois disso ainda achei que havia muitos outros parênteses possíveis e quis continuar inventando. Mas o cigarro acabou.
quarta-feira, fevereiro 13, 2008
overreacting
Porque nós superestimamos tudo, perdendo um tempo enorme com detalhes e minúcias que para os outros são absolutamente insignificantes.
Porque a gente acha (como eu, de segunda-feira até agora) que está na iminência de fazer uma coisona - ousada e fora de protocolo - e daí planeja, hesita, decide, até que faz... E no fim das contas a outra pessoa mal detém a vista.
Mas o overreacting é algo sem fim. Porque a própria reação à não-reação alheia é desmedida, uma vez que deixa a dúvida: e agora? Seria um sinal de que é melhor deixar pra lá ou, como diz aquela música, you've gotta try a little bit harder?
Odeio as sociabilidades virtuais e suas ambigüidades...
Porque a gente acha (como eu, de segunda-feira até agora) que está na iminência de fazer uma coisona - ousada e fora de protocolo - e daí planeja, hesita, decide, até que faz... E no fim das contas a outra pessoa mal detém a vista.
Mas o overreacting é algo sem fim. Porque a própria reação à não-reação alheia é desmedida, uma vez que deixa a dúvida: e agora? Seria um sinal de que é melhor deixar pra lá ou, como diz aquela música, you've gotta try a little bit harder?
Odeio as sociabilidades virtuais e suas ambigüidades...
quinta-feira, fevereiro 07, 2008
notas de carnaval #2
Há uns dois anos parecia impossível, mas já começo a considerar o momento em que o carnaval de Recife vai deixar de me despertar grande entusiasmo. Este ano percebi que meu interesse já demonstra sinais de cansaço, minha alegria já parece um pouco institucionalizada - e nada mais insosso que uma alegria meio-termo, meia-boca, vivida de uma forma que a gente já sabe como começa, quando termina e até onde é capaz de ir.
Porque no fim das contas eu sou a contradição de uma criatura extremamente carente de seguranças de todo o tipo que, no entanto, só consegue aceitar uma vida com aventuras, que se transforme e refaça constantemente. Até acho isso bom, tenho aprendido cada vez mais a viver dessa forma meio mutante, aceitando e vendo com bons olhos o fato de que a gente muda tanto com o tempo que até as coisas mais estimadas são meio que deixadas de lado, depois.
Tem acontecido assim com Recife, que há alguns anos parecia a cidade da minha vida, e agora me faz sentir meio preso, com a sensação de que estou estagnado no meio do tempo, sendo observado pelas mesmas pessoas de sempre e que, não raramente, são chatíssimas. Acontece agora também com o carnaval daqui, que é o cúmulo de Recife: é "Recife" entre aspas, potencializada, exagerada. A beleza das pontes aumenta; a maravilha que é andar pela balbúrdia das ruas da Boa Vista aumenta; o prazer simples que é perambular pela Cidade Alta, em Olinda, aumenta, mas tudo em escala proporcional ao fedor, ao caos do transporte coletivo e à famigerada pernambucanidade, dentre outras coisas, que são levados ao limite. Tudo em Recife é demais nessa época do ano, e o carnaval daqui, na minha opinião, tem se confundido com o mesmíssimo e por vezes irritante hábito de "fazer a social".
Obviamente isso deve ser culpa minha. Será que é a falta de bebida? Provavelmente. A vida sem álcool, sobretudo por estas bandas, é de fato uma chatice e nessas ocasiões apenas uma frase me vem à mente, aquela de Erickson Luna: "a sobriedade é medíocre".
Mas não, não é isso. Provavelmente não tem nem tanto a ver com carnaval. É algo diferente, que acontece aqui uma vez que é onde estou, mas que diz respeito a outras coisas, mais amplas e difíceis. Volto a isso outro dia, que é quando pretendo falar sobre madrugadas, política, filmes e Godard. Enquanto isso, tento elaborar melhor o que incomoda e que me parece tão difícil de nomear.
Acho que perdi o jeito na vida para as coisas abstratas...
Porque no fim das contas eu sou a contradição de uma criatura extremamente carente de seguranças de todo o tipo que, no entanto, só consegue aceitar uma vida com aventuras, que se transforme e refaça constantemente. Até acho isso bom, tenho aprendido cada vez mais a viver dessa forma meio mutante, aceitando e vendo com bons olhos o fato de que a gente muda tanto com o tempo que até as coisas mais estimadas são meio que deixadas de lado, depois.
Tem acontecido assim com Recife, que há alguns anos parecia a cidade da minha vida, e agora me faz sentir meio preso, com a sensação de que estou estagnado no meio do tempo, sendo observado pelas mesmas pessoas de sempre e que, não raramente, são chatíssimas. Acontece agora também com o carnaval daqui, que é o cúmulo de Recife: é "Recife" entre aspas, potencializada, exagerada. A beleza das pontes aumenta; a maravilha que é andar pela balbúrdia das ruas da Boa Vista aumenta; o prazer simples que é perambular pela Cidade Alta, em Olinda, aumenta, mas tudo em escala proporcional ao fedor, ao caos do transporte coletivo e à famigerada pernambucanidade, dentre outras coisas, que são levados ao limite. Tudo em Recife é demais nessa época do ano, e o carnaval daqui, na minha opinião, tem se confundido com o mesmíssimo e por vezes irritante hábito de "fazer a social".
Obviamente isso deve ser culpa minha. Será que é a falta de bebida? Provavelmente. A vida sem álcool, sobretudo por estas bandas, é de fato uma chatice e nessas ocasiões apenas uma frase me vem à mente, aquela de Erickson Luna: "a sobriedade é medíocre".
Mas não, não é isso. Provavelmente não tem nem tanto a ver com carnaval. É algo diferente, que acontece aqui uma vez que é onde estou, mas que diz respeito a outras coisas, mais amplas e difíceis. Volto a isso outro dia, que é quando pretendo falar sobre madrugadas, política, filmes e Godard. Enquanto isso, tento elaborar melhor o que incomoda e que me parece tão difícil de nomear.
Acho que perdi o jeito na vida para as coisas abstratas...
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