sábado, março 24, 2007

para que não esqueça...

Todos nós temos pendências, assuntos não-resolvidos, e há muitas conversas que eu também gostaria de ter, muitas oportunidades de me explicar, de agradecer, de lamentar e pedir desculpas. Mas, para mim, há uma em especial. Na verdade é quase uma dívida, e ela só será quitada quando as circunstâncias permitirem que tudo seja bem entendido. Aí sim poderei reafirmar importâncias e afetos, corrigir as inúmeras falhas cometidas e esperar, sinceramente, que possa agir à altura de toda a beleza que me foi mostrada. Por isso chamo de dívida - porque o mínimo que precisamos fazer é merecer o que recebemos.
Mas, por enquanto, ainda espero. Porque há conversas muito difíceis, como se disse naquele diálogo final de um belo filme de Almodóvar:

- Algún dia usted y yo deberíamos hablar.
- Sí, y será más sencillo de lo que cree.
- Nada es sencillo... Soy maestra de ballet, e nada es sencillo...

quarta-feira, março 14, 2007

glossário do amor líquido

abrir relacionamento: uma espécie de agendamento de chifre, sabe?

coisa fina, como vocês podem ver...

contra o amor líquido

Tristeza pra quê? Quando está tudo certo, quando tudo é promissor, bonito, novo e cheio de entusiasmos, a tristeza não poderia nunca entrar. Então por isso é que evocaremos todos os sentimentos totalitários, intransigentes, ditatoriais e perversos para fazer valer a nossa vontade e mandar essa indesejável presença embora. Como toda limitação imposta, claro que tamanha sanção tem lá suas violências: pensamentos inoportunos, recaídas infames e pequenas reações adversas são previstas – mas esperamos que perfeitamente combatidas, com toda a munição que conseguirmos carregar.

Tomaremos então mais algumas cervejas, falaremos da vida e sorriremos muito – mesmo que em descompasso com uma certa inquietação por dentro -, porque temos uma vida para viver e nossa maior beleza a gente tem por dentro e guarda (uma beleza que é como aquele tecido do episódio do Chapolin – lembram? - que só os inteligentes é que podiam ver); está protegida contra a mesquinhez e só será mostrada para quem a gente bem entender – e desde já enfatizamos que temos o pleno direito de não a mostrarmos nem tão cedo, pois cada um tem suas pequenas feridas e todo ser humano do mundo merece, pelo menos de vez em quando, acreditar que não deve baixar a guarda e que ninguém é merecedor de tamanho voto de confiança: revelar a beleza escondida nos nossos mais esperançosos e delicados sentimentos.

Assim, até que as mágoas, os traumas de infância – causados talvez pela danada da Aurora, aquela pedófila! huahauhua – e as ressacas morais vão embora, continuaremos sendo apenas loucos correndo pelas ruas devidamente munidos de uma boa garrafa debaixo do braço (para beber ou tacar no dente dos insolentes, não é verdade?), lamentando a fluidez da nossa modernidade, surpreendendo-nos com a transitoriedade dos nossos sentimentos, remoendo nossa persistente - porém consciente - solidão e celebrando a amizade, que é nossa melhor resposta à incerteza desses amores líquidos que os acasos, atalhos e inconstâncias dos nossos caminhos nos reservam.

p.s. Para Lavínia e Joana, em doses iguais de afeto, copos cheios e cartas sobre o futuro nas mesas. (E porque desânimo besta a gente mata acompanhado, em noites de sushi e de bar :p).

***


These things I've found,

This girl,

These sounds,


These days are alright,

These days,

These nights.


These things almost make me smile,

These things almost make me smile,

These things

Almost make me smile.


These walks in this town,

These things,

I've found,


And this girl, she's alright

For these days

And these nights.


These things almost make me smile,

These things almost make me smile,

These things

Almost make me smile.


Seinfeld, and IQU,

New York

And Beck too,


South Park, and space men,

And this girl

Who's my friend.


These things almost make me smile,

These things almost make me smile,

These things

Almost make me smile.

facilitando desfechos

Sabe aquela coisa de querer sempre o inconcluso e aprender a valorizar e a amar bem as nuances? Pela primeira vez na vida eu discordo: um pouco de pragmatismo faz bem, um mínimo de lucidez é necessário e, além disso, penso que é uma lição de vida aprender a fazer uso dos pontos finais - aprender a enterrar de uma vez a bezerra, ao invés de ficar chorando indefinidamente todas as suas inúmeras mortes.

sábado, março 10, 2007

fragmentos de viagem

Andando por lá eu lembrei que uma das coisas que muito me agradam naquela terra é que praticamente em qualquer um dos pontos da cidade se pode olhar para o horizonte e ver as serras que cercam a região. E engraçado é que eu só comecei a reparar nisso depois de um tempo, quando comecei a dar mais valor a essas coisas que acontecem quando a gente muda o olhar – jogando-o pra frente, pra fora, pra cima.

Claro, olhar pra frente sempre ajudar a enxergar melhor certas coisas que vão um pouco além das nossas fuças.

***

Também nessa história de olhar é que eu fiquei mais uma vez com a impressão de que as fachadas das casas são sempre muito parecidas, de como é curioso que depois de tantos anos elas ainda me parecessem estranhas e que, olhando-as isoladamente, – em uma fotografia, por exemplo, ou sem ter seguido com os olhos o caminho percorrido para saber onde se encontram – eu provavelmente não saberia dizer a que rua ou bairro pertencem.

Dessa vez, no entanto, reparei em algo surpreendente para quem viveu por lá durante dezessete anos (mais algumas visitas permeando os outros percursos iniciados depois): das calçadas eu me lembro, claramente! Fui andando e pensando: “por aqui vivia aquela menina da escola. Mas onde? Todas as casas parecem iguais...” Só no tracejado das calçadas eu achava: um canto de parede, uma grade de ferro, uma calçada de um certo jeito, elevada, e o esgoto margeando – “opa, é esta!” Foi aí que percebi que devo ter passado mesmo muito tempo da minha vida observando o caminho dos pés, olhando pra dentro. Os desenhos das calçadas, conheço-os todos, e se é verdade que me perderia observando casas, horizontes e ruas, digo por outro lado que, pelos traços dos caminhos, certos buracos, falhas, elevações, variações de mosaicos e cores, eu sempre me acho; recupero algumas andanças e relembro outros dias.

***

Essa foi engraçada! Bom, minha avó é feirante, trabalha aos sábados e segundas em duas cidades distintas, próximas à nossa, vendendo suas coisas – coisas meio de interior mesmo, muitas delas Made in Caruaru. Pois bem, disso eu sempre soube, e tenho ótimas lembranças dos dias em que cheguei a acompanhá-la no que na época eram verdadeiras aventuras: acordar às 3h30(!!) da manhã, o cheiro do café, pegar o caminhão às 4h30, montar a banca, o almoço, as pessoas, as conversas... Pois bem, o que eu nunca soube é que em uma dessas cidades – cuja feira acontece aos sábados – a banca da minha avó ficava na frente do necrotério. E agora nem lembro... Como soube disso? Ah, sim, era algo como uma conversa sobre a necessidade de não apenas estudar com afinco, mas de realmente se esforçar para que as coisas aconteçam – conselhos importantes que sempre recebo. Minha avó se admirava de como sempre havia estudantes e médicos cubanos que se picavam lá de Cuba pras nossas bandas só pra ver os defuntos fresquinhos. “Coisa de quem se interessa mesmo, né?” Ela, por outro lado, nunca precisou se esforçar muito: sempre podia ver ali pertinho os que chegavam aos sábados – ia olhar todos!

Disso eu juro que nunca soube. Bom, acho que deveria ouvir mais as histórias da minha família...