Dentre as figuras exóticas que perambulam por aí, há os pertencentes a uma espécie de seita da qual fazem parte estes inusitados seguidores das pequenas sutilezas absurdas cotidianas: os paqueradores anônimos. Muito fora da esperança da retribuição, muito antes da possibilidade de um descobrir e um acontecer, o que existe é sobretudo o querer - e o imaginar. Estes seres dementes e evidentemente perturbados regozijam-se em considerar o ser humano como um complexo existir cheio de nuances, vontades, contradições e subjetividade - um mundo enlouquecedor de tão incoerente, dúbio e significativo - mas que ao mesmo tempo se revelaria ordinário e cruel em sua ação. Daí a plena certeza de que só o inconcluso e o não-revelado os resguarda dos malefícios de uma vida a dois, a três, a duzentos - enfim, da extrema habilidade humana e sua eficácia em esmagar sutilezas sensíveis.
Neste universo de fantasia e desespero, tudo que diz respeito ao outro-em-questão está absolutamente endereçado ao paquerador anônimo: os olhares são para ele, o corpo está levemente inclinado em sua direção, o braço, sutilmente afastado para liberar caminho e convidar à aproximação, o sorriso é permissivo e a conversa tem o único propósito de evidenciar a cumplicidade transcendental de repente descoberta e cheia de promessas. Todos os signos estão postos e devidamente interpretados de modo que o paquerador-esquizofrênico possa jurar, de pés juntos, que há alguma coisa de muito, muito, muito suspeita nas atitudes do outro, embora nada o demova da igual certeza na qual está desde sempre imerso de que um único gesto de proatividade sua seria suficiente para deixá-lo exposto ao equívoco, em uma situação na qual todas as evidências imediatamente se desvaneçam e o deixem a nu, doido, equivocado e acossado pelo "não-era-nada-disso".
Daí essa intrínseca contradição. Daí porque a paquera - cuja única função a priori não seria outra senão evidenciar interesses, abrir caminhos e convidar a possibilidades - nesta nova e quase inconcebível modalidade seja anônima, tenha como objeto final unicamente a viagem egóica da fantasia individual não-revelada, viagem esta que se realiza no sobressalto sensível de falsamente sentir-se descoberto - mesmo sem nunca se mostrar -, na vontade embaladora do encontro "casual", na espera e na ansiedade fadadas a apenas se realizarem na elucubração solitária. É isto: a apoteose do acaso, onde até a espontaneidade é simulada, onde os encontros são de mão única, onde até se vive, às vezes, toda uma história em comum sem o conhecimento e a anuência do destinatário destes afetos anônimos.
p.s. Porque eu estou percebendo as pessoas um pouco "embriagadas de amor", ultimamente (mesmo que amores de mentirinha...)
quinta-feira, setembro 14, 2006
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