Assistir a Histórias Proibidas, de Todd Solondz, parecia um entretenimento de alto risco. Primeiro porque eu adoro muitas das bonitas músicas do Belle and Sebastian que estão em sua trilha sonora, e não era pequeno o risco de que as contaminasse irremediavelmente, em minha memória, com o clima deprimente que o filme prometia. Segundo porque há tempos, já, eu fico na corda bamba com esse time de diretores americanos que se especializaram em retratar com visão amarga e niilista a decadência social, familiar e afetiva que permeia a sociedade estadunidense, visão esta que está sempre no limite entre a crítica dura e o pessimismo decadente. De minha parte, adoro as porradas que Todd Solondz, Wes Anderson e Alexander Payne metem na mediocridade americana, mas o fato é que, como americanos e, mais que isso, como vítimas também dessa “crise pós-moderna”, eles tampouco demonstram ter algo de positivo a defender, e resumem-se a radicalizar, não sem certas doses de cinismo e perversidade, todo elemento humano e social dos nossos dias, incluindo-se aí questões sexuais, étnicas e midiáticas.
O filme em questão, com o título original e bem mais interessante de Storytelling, avança em pelo menos um ponto em relação a outros que seguem a mesma linha. Propõe uma outra e interessantíssima discussão que vem a somar-se e completar, oportunamente, esta simples ridicularização do “american way of life”: nele, aborda-se o ato de contar histórias, representar, interpretar e reconstruir a realidade via processos de comunicação, sejam eles literários, cinematográficos, documentais. Dividido em duas partes, Fiction e Nonfiction, o roteiro expõe a influência de quem se propõe a contar uma história sobre as idéias que comunica. A informação estaria condenada à parcialidade de quem a transmite e, assim, a veracidade do que é dito, bem como do discurso veiculado por esta mensagem, está comprometida ou, ao menos, relativizada pelos valores, preconceitos e experiências pessoais de quem a reproduz. Assim, um fato verídico pode parecer absurdo, mesmo quando expresso sob a forma de ficção, e um outro relato, mesmo quando se pretende documental, por sua vez, perde o caráter “real” quando mediado pelo ponto de vista daquele que relata.
É engraçado, então, como no filme de Todd Solondz a ficção e a não-ficção se misturam, se contradizem e se negam, na prática. A ficção, argumenta-se, pode ser simples veículo para mascarar fatos reais de modo a possibilitar a exposição e o debate de uma experiência (e, porque não, para ajudar o autor a remoê-la), assim como o que se propõe a ser documental pode resultar em uma visão deturpada, parcial e, consequentemente, em uma representação não fidedigna da realidade (e neste ponto acaba sobrando para a atuação do próprio cinema e da mídia, que manipulam realidades ao seu gosto e de acordo com suas pretensões).
Essa crítica social e essa pretensa “reflexão” vêm à base de uma narrativa destruidora e, para o quesito polêmica, Solondz escala um time de peso: um deficiente físico, um professor de literatura negro, uma empregada de nacionalidade salvadorenha, um típico adolescente cabeça oca - daqueles bem estereotipados -, um casal que parece viver à base de algumas caixas de lexotan diárias e ainda uma “adorável” criança prodígio, daquelas bem sebosinhas e irritantes mas que são consideradas pelo status quo como um sonho para qualquer família, meiguinha e inteligente.
No filme há também o que se pode interpretar na melhor das hipóteses como uma alusão à tão alarmada e evocada “crise ideológica atual” ou que (o que é bem mais provável) pode ser na verdade uma tentativa de ridicularizar qualquer crença e auto-afirmação da juventude: na camisa usada pelo jovem “protagonista” do filme (e do documentário que dentro dele está sendo realizado) estão estampados uma foice e um martelo. Ora vejam se o tão crítico Solondz também não acha bonito e inteligente ridicularizar pensamentos contra-hegemônicos! A impressão que fica, na verdade, é que pra ele nada serve e a vida é mesmo uma merda (acusação da qual, aliás, ele busca logo se defender, apressando-se em colocá-la na boca de um dos ridículos personagens que, enfurecido, grita para a câmera: “A vida é dura pra você? Azar!”).
Solondz mostra que o documentário realizado ao longo do filme só serve para dar o golpe de misericórdia na deprimente vida do garoto Scooby, e que a função almejada pelo diretor fictício interpretado por Paul Giamatti no mesmo documentário é, na verdade, ridicularizar e provocar o riso com a miséria alheia. Mas eu pergunto: não estaria ele, Todd Solondz, o diretor da vida real, de carne e osso, fazendo a mesma coisa com os seus personagens? Porque eu ri o tempo todo com as suas perversidades.
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