domingo, junho 12, 2005

Eu não consigo me abalar com os contratempos causados pelos períodos de “inverno” na capital pernambucana. Os meses de chuva em Recife, pelo contrário, são para mim dos mais interessantes – à parte, claro, os intoleráveis problemas habitacionais e sanitários que afligem boa parte da população, arranca-lhes seu patrimônio construído de papelão, zinco e palafitas e nos escancara a desolação de uma metrópole desengonçada que não aprendeu a ser grande e que se multiplicou sobre uma frágil estrutura humana de casas, ruas, coletivos, esgotos e canais. As mazelas sociais pernambucanas são como um tapa na cara, quando chove, e é com um “misto de horror e vergonha” que até o mais elitizado cidadão recifense atola-se na lama, na água suja, exposto às doenças de pobre: verme, micoses, leptospirose.
De minha parte, acho até engraçado essa situação: pessoas ricas, respeitáveis cidadãos de classe média ou simplesmente os “humildes limpinhos” arregaçando calças, segurando seus sapatos às vezes caros em uma mão, o supervalorizado guarda-chuva em outra, cuidando (em vão) para não se molhar.
Tenho, é verdade, enfrentado alguns contratempos: alguém conhece a calamidade publica que se configura na Imbiribeira – Mascarenhas de Moraes repleta de água, de ponta a ponta – quando chove? Forma-se até uma certa correnteza, os carros e ônibus criando ondas, a ressaca abatendo-se sobre a fachada das lojas e pequenas cachoeiras surgindo da agitação dos pneus daqueles que, apesar das inundações, das goteiras e de uma cidade que não se agüenta nesses dias exageradamente carregados d’água, precisam, enfim, cumprir seus compromissos, impreterivelmente. No fundo todos tem certeza da insensatez, da irracionalidade que é dar prosseguimento às rotinas urbanas, mas ninguém fala, porque há um pacto silencioso determinando que a cidade não pode parar, e então todos fingem que em Recife não se instaurou o absurdo – essa palavra tão banalizada mas aqui utilizada no seu sentido essencial. Porque é isto mesmo: nestes dias, Recife esta ilógica, desafiando a razão, quase uma piada, uma gozação – parece mesmo tiração de onda de alguém, tanta água assim e a gente precisando agir normalmente, como se não fosse nada de mais.
Como disse, tenho enfrentado, sim, situações adversas: depois de, por três dias, atolar o pé na lama até a canela, na minha impraticável vestimenta de trabalho, e passar o dia inteiro no ar-condicionado, todo molhado e com os sapatos encharcados emitindo sons indescritíveis, estava certo que adoeceria. Mas eu, ranzinza como sou, parece que gosto mesmo de chuva e ao contrario da maioria até me divirto, porque não há quem tenha conseguido tirar meu bom humor nessas horas em que vejo o céu desabando, corro pisando em poças atrás de ônibus, vejo as pessoas inconsoláveis, molhadas até a alma e tendo que trabalhar e manter a pose, etc etc. A lista de situações tragicômicas continua indefinidamente, e eu rio feito doido, alegre feito menino com essa chuva toda caindo.

2 comentários:

Patricia Leal disse...

fazia tempo que nao passava aqui. adorei voltar a me sentir em casa. a essa sensacao de "a vontade" que teu blog me dah. :) tambem dei algumas risadas enquanto lia. nao soh pela otima forma como voce consegue descrever as coisas, mas por imaginar teus trejeitos e tuas risadas em meio a essa Recife tragicomica. =P

saudade de passar mais por aqui :)

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fabio disse...

O, Patsy!! Saudade tenho eu das tuas visitas aqui... Que bom te ver por aqui de novo!!
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