Eu não consigo me abalar com os contratempos causados pelos períodos de “inverno” na capital pernambucana. Os meses de chuva em Recife, pelo contrário, são para mim dos mais interessantes – à parte, claro, os intoleráveis problemas habitacionais e sanitários que afligem boa parte da população, arranca-lhes seu patrimônio construído de papelão, zinco e palafitas e nos escancara a desolação de uma metrópole desengonçada que não aprendeu a ser grande e que se multiplicou sobre uma frágil estrutura humana de casas, ruas, coletivos, esgotos e canais. As mazelas sociais pernambucanas são como um tapa na cara, quando chove, e é com um “misto de horror e vergonha” que até o mais elitizado cidadão recifense atola-se na lama, na água suja, exposto às doenças de pobre: verme, micoses, leptospirose.
De minha parte, acho até engraçado essa situação: pessoas ricas, respeitáveis cidadãos de classe média ou simplesmente os “humildes limpinhos” arregaçando calças, segurando seus sapatos às vezes caros em uma mão, o supervalorizado guarda-chuva em outra, cuidando (em vão) para não se molhar.
Tenho, é verdade, enfrentado alguns contratempos: alguém conhece a calamidade publica que se configura na Imbiribeira – Mascarenhas de Moraes repleta de água, de ponta a ponta – quando chove? Forma-se até uma certa correnteza, os carros e ônibus criando ondas, a ressaca abatendo-se sobre a fachada das lojas e pequenas cachoeiras surgindo da agitação dos pneus daqueles que, apesar das inundações, das goteiras e de uma cidade que não se agüenta nesses dias exageradamente carregados d’água, precisam, enfim, cumprir seus compromissos, impreterivelmente. No fundo todos tem certeza da insensatez, da irracionalidade que é dar prosseguimento às rotinas urbanas, mas ninguém fala, porque há um pacto silencioso determinando que a cidade não pode parar, e então todos fingem que em Recife não se instaurou o absurdo – essa palavra tão banalizada mas aqui utilizada no seu sentido essencial. Porque é isto mesmo: nestes dias, Recife esta ilógica, desafiando a razão, quase uma piada, uma gozação – parece mesmo tiração de onda de alguém, tanta água assim e a gente precisando agir normalmente, como se não fosse nada de mais.
Como disse, tenho enfrentado, sim, situações adversas: depois de, por três dias, atolar o pé na lama até a canela, na minha impraticável vestimenta de trabalho, e passar o dia inteiro no ar-condicionado, todo molhado e com os sapatos encharcados emitindo sons indescritíveis, estava certo que adoeceria. Mas eu, ranzinza como sou, parece que gosto mesmo de chuva e ao contrario da maioria até me divirto, porque não há quem tenha conseguido tirar meu bom humor nessas horas em que vejo o céu desabando, corro pisando em poças atrás de ônibus, vejo as pessoas inconsoláveis, molhadas até a alma e tendo que trabalhar e manter a pose, etc etc. A lista de situações tragicômicas continua indefinidamente, e eu rio feito doido, alegre feito menino com essa chuva toda caindo.
domingo, junho 12, 2005
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2 comentários:
fazia tempo que nao passava aqui. adorei voltar a me sentir em casa. a essa sensacao de "a vontade" que teu blog me dah. :) tambem dei algumas risadas enquanto lia. nao soh pela otima forma como voce consegue descrever as coisas, mas por imaginar teus trejeitos e tuas risadas em meio a essa Recife tragicomica. =P
saudade de passar mais por aqui :)
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O, Patsy!! Saudade tenho eu das tuas visitas aqui... Que bom te ver por aqui de novo!!
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