Difuso como o meu carnaval
Reconheço, não sem uma certa vergonha, que me sinto pressionado por toda essa necessidade de estar excepcionalmente festivo, no carnaval. Correr atrás de blocos, subir e descer ladeiras em euforia, cantando marchinhas, dançando frevos e ritmando maracatus. Mas o que chamam carnaval nem sempre vem na hora certa do ano. Então, anda-se pelas ruas, amarra-se novos apetrechos ao corpo, bebe-se, canta-se, celebra-se o folclore, assiste-se a apresentações aguardadas. Mas e a vontade de conversar? De sentar, observar com calma as ruas, admirar as cores, os movimentos, a celebração popular...? E aquela reincidência de pensamentos inoportunos, a lembrança de uma frase, de alguém que diz a si mesma – “eu sou uma pergunta”? A diferença que reside em meses, sim, a diferença, esta que muda as palavras que ouvimos, coloca silêncios, nos torna menos empolgantes...
Carnaval de muitas lições. Aprendi que entre 2004 e 2005 existe uma diferença maior que um simples algarismo; que os olhos se acostumam às visões e as experiências empíricas iguais se tornam, aos poucos, insuficientes para emocionar; que o hábito é um fato consumado e, então, como poderia despertar maiores interesses, se o que atrai é o novo?; que não adianta: nem todo o seu esforço pode resultar em uma compreensão que não se busca; por fim, que toda baboseira cult não me abala: apenas o que emociona e é intenso pode me impressionar.
E o que é intenso não está na pretensão intelectual socialmente reconhecida e auto-referenciada de muitos. Está na intimidade com que nos ligamos às palavras, aos sons, às imagens. E é isso que busco: pessoa comum, que descansa, here, there and everywhere, quando chega da folia olindense; pessoa comum, que lê poema depois de uma noite de carnaval, às quatro da manhã... Pessoa estranha: está no livro palavras que te traduzem, em meio a tanta alegria e beleza carnavalesca.
Poemas da negra
a Cícero Dias
XII
Lembrança boa,
Carrego comigo tua mão.
O calor exausto
Oprime estas ruas
Que nem a tua boca pesada.
As igrejas oscilam
Por cima dos homens de branco,
E as sombras despencam inúteis
Das botinas, passo a passo.
O que me esconde
É o momento suave
Com que as casas velhas
São róseas, morenas,
Na beira do rio.
Dir-se-ia que há madressilvas
No cais antigo...
Me sinto suavíssimo de madressilvas
Na beira do rio.
Mário de Andrade
É, ele de novo. Mas que culpa tenho eu, se ele monopoliza todas as palavras capazes de definir cada um dos meus atuais estados de alma? Prometo que quando encontrar outro com este poder, dentre as minhas leituras recentes, trago até aqui.
Ah, e digo que sim: às vezes eu escarro versos, vomito empirismo. Mas cult é o caralho. Eu sou é difuso. E refugiado em algum canto longe da realidade.
quarta-feira, fevereiro 09, 2005
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