“Also today I experienced something that I hope to understand in a few days.”
O humano perfeito, cinco vezes obstruído, na Fundação.
É evidente que tenho escrito bem menos, nestes últimos dias. Os rascunhos se acumulam na mesma proporção em que diminui minha vontade de dizer algo. Isto talvez se deva, em parte, ao fato de que o relógio que regula o meu entusiasmo pela escrita mudou. Agora não escrevo mais à noite: todas as idéias que tenho surgem pela manhã, enquanto corro para o trabalho, e somem ao longo do dia, de modo que quando escurece só restam idéias tolas que não merecem nenhum comentário.
Não é apenas isso, no entanto. A crise do declínio do império americano – vide o filme de Arcand - insinuou-se durante o carnaval, bateu com força na quarta-feira de cinzas, persistiu ao longo dos dias seguintes e só deu trégua depois de algumas resoluções pacificadoras, reconfortantes e emergenciais, tomadas em um domingo de puta-que-pariu-pra-quê-tudo-isso-afinal.
Nada mais de choro e maledicências. Toda presepada é válida para reconquistar o ânimo e o bom humor, enquanto não se encontra, de fato, uma verdadeira motivação, a derradeira, capaz de justificar todo o resto. Algo, no entanto, teria que ser prejudicado: e foi este pequeno espaço de escritos a que agora retorno. Tudo o que pensei em dizer, nestes dias, estava diretamente ligado à necessidade de um desabafo, o que me incomodou demasiadamente. Nada de errado no uso da expressão como forma de organizar idéias, sentimentos, mas aquela necessidade do “alívio a qualquer custo”, quando se fala exaustivamente na esperança de mandar para longe os problemas, só pode trazer auto-exposição excessiva, frustração e, paradoxalmente, incomunicabilidade - esse palavrão que a gente usa pra nomear aquelas horas em que ficamos cabisbaixos, esperando em vão por uma pessoa, um momento ou oportunidade efetiva de deixar de sentir só e começar a sentir com.
Se é pra enfileirar frases gratuitas, desesperadas, degradantes ou comprometedoras, melhor calar-se. Facilita a volta. Graças a esse resquício de bom senso é assim que eu agora retorno: ainda um pouco intacto e preservando uma certa imagem social. Afinal, convém que algumas pessoas acreditem que sei o que faço, o que quero e para onde vou.
sábado, fevereiro 26, 2005
quinta-feira, fevereiro 17, 2005
quarta-feira, fevereiro 09, 2005
Arquitetura. Estética: a beleza necessária – faz tempo que não percebia certa urgência em ser bonito. Dança. Oração: um padre-nosso proferido em latim, evocando pessoas desgarradas, nas cidades, sozinhas. Sozinhas? Pessoas enlaçadas, ânsias, suores, volúpias, movimentos, coletividades (coletivos?). Cidades. Espaço. Contemporaneidade. Postais do Recife.
Ou algo como Karma pela segunda vez. Ou um show de Lula Queiroga. Ou a exposição de Pierre Verger. Ou ainda, resumindo: o porquê de eu ainda estar aqui.
...É por isto, Recife. Pelos teus postais abstratos.
Ou algo como Karma pela segunda vez. Ou um show de Lula Queiroga. Ou a exposição de Pierre Verger. Ou ainda, resumindo: o porquê de eu ainda estar aqui.
...É por isto, Recife. Pelos teus postais abstratos.
Difuso como o meu carnaval
Reconheço, não sem uma certa vergonha, que me sinto pressionado por toda essa necessidade de estar excepcionalmente festivo, no carnaval. Correr atrás de blocos, subir e descer ladeiras em euforia, cantando marchinhas, dançando frevos e ritmando maracatus. Mas o que chamam carnaval nem sempre vem na hora certa do ano. Então, anda-se pelas ruas, amarra-se novos apetrechos ao corpo, bebe-se, canta-se, celebra-se o folclore, assiste-se a apresentações aguardadas. Mas e a vontade de conversar? De sentar, observar com calma as ruas, admirar as cores, os movimentos, a celebração popular...? E aquela reincidência de pensamentos inoportunos, a lembrança de uma frase, de alguém que diz a si mesma – “eu sou uma pergunta”? A diferença que reside em meses, sim, a diferença, esta que muda as palavras que ouvimos, coloca silêncios, nos torna menos empolgantes...
Carnaval de muitas lições. Aprendi que entre 2004 e 2005 existe uma diferença maior que um simples algarismo; que os olhos se acostumam às visões e as experiências empíricas iguais se tornam, aos poucos, insuficientes para emocionar; que o hábito é um fato consumado e, então, como poderia despertar maiores interesses, se o que atrai é o novo?; que não adianta: nem todo o seu esforço pode resultar em uma compreensão que não se busca; por fim, que toda baboseira cult não me abala: apenas o que emociona e é intenso pode me impressionar.
E o que é intenso não está na pretensão intelectual socialmente reconhecida e auto-referenciada de muitos. Está na intimidade com que nos ligamos às palavras, aos sons, às imagens. E é isso que busco: pessoa comum, que descansa, here, there and everywhere, quando chega da folia olindense; pessoa comum, que lê poema depois de uma noite de carnaval, às quatro da manhã... Pessoa estranha: está no livro palavras que te traduzem, em meio a tanta alegria e beleza carnavalesca.
Poemas da negra
a Cícero Dias
XII
Lembrança boa,
Carrego comigo tua mão.
O calor exausto
Oprime estas ruas
Que nem a tua boca pesada.
As igrejas oscilam
Por cima dos homens de branco,
E as sombras despencam inúteis
Das botinas, passo a passo.
O que me esconde
É o momento suave
Com que as casas velhas
São róseas, morenas,
Na beira do rio.
Dir-se-ia que há madressilvas
No cais antigo...
Me sinto suavíssimo de madressilvas
Na beira do rio.
Mário de Andrade
É, ele de novo. Mas que culpa tenho eu, se ele monopoliza todas as palavras capazes de definir cada um dos meus atuais estados de alma? Prometo que quando encontrar outro com este poder, dentre as minhas leituras recentes, trago até aqui.
Ah, e digo que sim: às vezes eu escarro versos, vomito empirismo. Mas cult é o caralho. Eu sou é difuso. E refugiado em algum canto longe da realidade.
Reconheço, não sem uma certa vergonha, que me sinto pressionado por toda essa necessidade de estar excepcionalmente festivo, no carnaval. Correr atrás de blocos, subir e descer ladeiras em euforia, cantando marchinhas, dançando frevos e ritmando maracatus. Mas o que chamam carnaval nem sempre vem na hora certa do ano. Então, anda-se pelas ruas, amarra-se novos apetrechos ao corpo, bebe-se, canta-se, celebra-se o folclore, assiste-se a apresentações aguardadas. Mas e a vontade de conversar? De sentar, observar com calma as ruas, admirar as cores, os movimentos, a celebração popular...? E aquela reincidência de pensamentos inoportunos, a lembrança de uma frase, de alguém que diz a si mesma – “eu sou uma pergunta”? A diferença que reside em meses, sim, a diferença, esta que muda as palavras que ouvimos, coloca silêncios, nos torna menos empolgantes...
Carnaval de muitas lições. Aprendi que entre 2004 e 2005 existe uma diferença maior que um simples algarismo; que os olhos se acostumam às visões e as experiências empíricas iguais se tornam, aos poucos, insuficientes para emocionar; que o hábito é um fato consumado e, então, como poderia despertar maiores interesses, se o que atrai é o novo?; que não adianta: nem todo o seu esforço pode resultar em uma compreensão que não se busca; por fim, que toda baboseira cult não me abala: apenas o que emociona e é intenso pode me impressionar.
E o que é intenso não está na pretensão intelectual socialmente reconhecida e auto-referenciada de muitos. Está na intimidade com que nos ligamos às palavras, aos sons, às imagens. E é isso que busco: pessoa comum, que descansa, here, there and everywhere, quando chega da folia olindense; pessoa comum, que lê poema depois de uma noite de carnaval, às quatro da manhã... Pessoa estranha: está no livro palavras que te traduzem, em meio a tanta alegria e beleza carnavalesca.
Poemas da negra
a Cícero Dias
XII
Lembrança boa,
Carrego comigo tua mão.
O calor exausto
Oprime estas ruas
Que nem a tua boca pesada.
As igrejas oscilam
Por cima dos homens de branco,
E as sombras despencam inúteis
Das botinas, passo a passo.
O que me esconde
É o momento suave
Com que as casas velhas
São róseas, morenas,
Na beira do rio.
Dir-se-ia que há madressilvas
No cais antigo...
Me sinto suavíssimo de madressilvas
Na beira do rio.
Mário de Andrade
É, ele de novo. Mas que culpa tenho eu, se ele monopoliza todas as palavras capazes de definir cada um dos meus atuais estados de alma? Prometo que quando encontrar outro com este poder, dentre as minhas leituras recentes, trago até aqui.
Ah, e digo que sim: às vezes eu escarro versos, vomito empirismo. Mas cult é o caralho. Eu sou é difuso. E refugiado em algum canto longe da realidade.
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