terça-feira, novembro 25, 2008
quinta-feira, novembro 20, 2008
a palavra improferível
Refiro-me a um registro que pode soar piegas ou lacrimoso, mas que considero importante. Eu penso, de forma muito recorrente – e evocando um certo senso de sobrevivência que é atiçado pelos momentos de maior fragilidade – que algumas pessoas estão sempre buscando (ou inventando) uma forma de se salvarem. E é nesse sentido muito preciso que eu tomo aquela linha de Clarice tão exaustivamente repetida – como tudo dela, aliás, nesses tempos –, que define o ato de escrever como meio de “abençoar uma vida que não foi abençoada”.
O que mais me chama a atenção nessa passagem é menos o belo e conciso lugar que ela concede à escritura, mas a idéia mesma de que existem vidas que foram e continuam sendo, ao longo do tempo e em maior ou menor grau, malditas. Vidas pouco glorificáveis às quais não é dada nem ao menos a possibilidade de tornar nobres e eloqüentes os seus pequenos desalentos. E, mesmo tendo tanto apreço pelas imagens, reconheço que por vezes as formas da escrita - não apenas a grande literatura, mas até as mais pequenas notas - me parecem o melhor lugar para se digerir e ressignificar a feiúra de problemas pouco "estetizáveis". Não apenas a escrita, repito, mas toda construção de um universo próprio - ou constituição de um mundo, como diria Deleuze - que em algum sentido termina por exigir um recolhimento ou, mais precisamente, uma re-alocação (como um mover-se em direção a esse vão pouco discernível dos que não são benditos).
Mas se a escrita é o lugar possível para a palavra que não se diz em voz alta, que não se mistura nem se dilui – sendo o meio permeável à palavra grotesca, ridícula -, não é, porém, o único. Também a amizade aponta esse caminho não-messiânico da salvação onde o que está aquém ou além da aparência - mas sempre em disjuntiva em relação a esta - pode ser proferido com sinceridade e confiança. Para além de toda regra e para além de todo código de conduta ou gesto de rechaço ou intimidação do encoberto, a disposição absoluta de outra pessoa para ouvir e compreender nos resgata deste vão, e nessa terça-feira foi uma singela conversa de msn que, com humor e generosidade, ajudou-me a tornar ínfimo o que parecia – ou é, não sei ao certo - gigantesco.
Ainda existe quem torça o nariz e duvide da densidade destas formas de comunicação menos ortodoxas, mas nessa semana minha salvação – e uso a palavra tentando, por sua vez, salvá-la da grandiloqüência a que a condenaram - esteve não em um ato solitário, mas em um lugar compartilhado que tem a mesma virtualidade dos afetos, que não são sempre evidentes. Ela esteve na possibilidade de naturalizar/assimilar o ridículo inconfessável e assumi-lo como uma coisa, afinal, bastante simples. Algo assim como uma coisa da vida, mesmo.
terça-feira, novembro 11, 2008
observações impertinentes de viagem
- Aqui quando é mais tarde tá fazendo um calor, mas um calor que a gente pensa que vai é incendiar o mundo.
Considerando-se que eram apenas seis e meia da manhã e o sol já estava queimando, eu não ousei duvidar. Em casa, minha mãe confirmou logo a informação: a temperatura estava lascando. O bom é que, se da última vez os mosquitos não davam trégua, desta vez eles tinham simplesmente desaparecido e o meu repelente não ia ser necessário. Sintam o drama: nem os mosquitos aguentaram o calor.
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A viagem ainda nem terminou mas o auge de tudo foi mesmo o evento religioso do último domingo. Lá estava eu entre familiares e diante da foto do Ratzinger, acompanhando meio desconsolado toda a burocracia infernal que significa realizar o batizado de uma criança, cumprir esse rito ancestral da tradição cristã que, pelo sim ou pelo não, as pessoas vão mantendo.
(Só para constar, informo que os pais e padrinhos precisam ter um cartão, que atesta a realização de um tal curso de batizado - nem me peçam para entrar em detalhes (!) - e o preenchimento da papelada relacionada a esse curso é a apoteose de tudo, ritual muito mais extenso e mobilizador que o instante mesmo da agüinha na cabeça da criança).
Alternando-me entre as funções de padrinho e fotógrafo - nos meus malabarismos colocava a mão na fronte de Davi e era um flash, a madrinha trazia a vela acesa e era outro flash - no final ainda pude observar os detalhes menos eloqüentes do evento. O total pago à igreja foi de 22,00, estando aí incluída uma singela lembracinha no valor de 2,00. Esse dia foi pouco agitado, houve apenas três batizados (esqueci de dizer que a cerimônia é coletiva). Ao final, o padre chama o nome de duas crianças - Davi incluído - e entrega aos respectivos pais a lembrança. Quanto ao terceiro, nada. Não foi difícil concluir que o último casal não havia pago os dois reais correspondentes a esse pequeno atestado de cristandade, e não foi também sem certa melancolia que eu pude testemunhar essa discreta mesquinhez de uma instituição que, em seus maiores tons, já se mostra tão reprovável.
Acabou sendo tudo muito simbólico, essa divisão de títulos escritos em letras douradas sobre papéis de temas infantis, exemplificando em diminuto a orientação tão equivocada - financeiramente pautada - de uma instituição que se diz sensível aos que acolhe. Por reles dois reais, um tanto de ostentação e constrangimento. Minha mãe ainda se perguntou, contrariada, porque então não se preferiu ao menos entregar essa lembrança no momento mais reservado destinado à conferência dos papéis e documentos de cada casal de pais e padrinhos. Mas tinha que ser tudo assim, no meio da cerimônia, muito sutilmente exposto, afinal é exatamente disso que se trata a instituição católica: até nos mais pequenos detalhes, um infinito jogo de ostentação e constrangimento.