terça-feira, outubro 11, 2005

La plage

Ousar o pequeno, o esquecido. A ousadia dos pés descalços, das roupas puídas, da cabeça recostada ao vento. O querer dos tranqüilos, da beleza, da terra.
Ousar-se existência que não se trai, que não se agride pelo sintético, pelo artificial, concreto que a carne esfacela.
Suor e trabalho - desejar-se trabalho digno, descoberta fraterna de construir junto, de se pensar coletivo, comover-se porque humano.
Desprendimento de não ter, do não à superação irrefletida, do conhecimento medido, mastigado aos poucos. A graça de ver, e não apenas ver-se, cada nova hora construída no leve espaço que rodeia. E ser parte, integrar, em vez de apenas meio, meta.
Ouvir. Ouvir e ouvir-se. - Observa minha descoberta, que é a morte: vamos morrer. Temos um destino, e tanto medo... E tanta fascinação.
Há um mistério - um segredo, diria até... talvez... Pensa melhor nesse segredo: negar é só mais uma forma de incerteza...
Chamar de karma ou chamar de sorte – é só mais um jeito de celebrar o inexplicável. Mas deixa-me ser ouvido, que eu também escuto. Faço força, é difícil, mas aos poucos escuto: a rua cheia de lamentos, os rostos cheios de perguntas, as linhas cheias de harmonia, os vazios repletos de convite à calma.
Ver a linha da praia, a areia, o sal. Não há nada que explique, mas está tudo aí. Chamar de karma ou chamar de destino, criar nomes, entidades, desfiar mitos, elaborar códigos: nada é suficiente, mas muito pouco também é necessário para se perceber que não vale o desespero, a tirana necessidade de planos, a corrida para preservar o insustentável. Lamentar com sinceridade o que vai embora, mas lembrar o muito que já foi e ainda assim permanece no novo que se criou.
Aprender a descobrir em tudo algo próximo ao que há na praia, em que toda alegria vai subitamente atiçando um estado de espírito eufórico, sensual, urgente e ébrio que faz sentir que se está vivendo.
Ousar fazer o que conforta, que deixa no meio de um aconchego, como quando se encolhe debaixo de cobertas à espera do sono.
São anos de desaprendizado, muitos horrores a vencer. Mas sempre é tempo de fazer gentilezas e acreditar: pés descalços, roupas puídas e fragmentos de música nos lábios.

Para ouvir: Alpha Petulay

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